As 'florestas verticais' que estão transformando cidades
Author: Deborah Nicholls-Lee
De BBC Culture
19 junho 2025
Em 2007, o arquiteto italiano
Stefano Boeri presenciou a frenética construção de uma cidade no deserto
de Dubai,
nos Emirados Árabes Unidos.
O local era dominado por arranha-céus cobertos de vidro,
cerâmica e metal, desperdiçando energia.
Estes materiais "refletiam
a luz solar, gerando calor no ar e, principalmente, no solo urbano, onde andam
os pedestres", conta ele à BBC.
A 4,8 mil km de distância, Boeri havia recém começado a
trabalhar no seu novo projeto de dois edifícios muito altos, em uma área
degradada no norte de Milão, na Itália.
Seu projeto convidaria a fauna e a flora a ocupar aquele
deserto industrial e resfriar o ar interno e externo. Surgia um novo e radical
protótipo arquitetônico, que "integra a natureza viva como parte constituinte
do projeto", segundo ele.
O surpreendente resultado foi a primeira "floresta
vertical" do mundo.
O projeto completou 10 anos e ganhou inúmeros prêmios.
Suas plantas mantidas por "jardineiros voadores"
dominaram a lateral dos edifícios. Elas resfriam a temperatura em até 3ºC, já
que a folhagem libera vapor d'água e filtra a luz solar.
Para comemorar o aniversário, o escritório Stefano Boeri
Architetti publicou um novo livro, chamado Bosco Verticale:
Morphology of a Vertical Forest ("Bosco Verticale: morfologia
de uma floresta vertical", em tradução livre).
A obra inclui ensaios de especialistas examinando a
intersecção entre a natureza e a arquitetura, além das imagens do fotógrafo
arquitetônico Iwan Baan.
O livro acompanha a evolução do projeto e os princípios a
ele incorporados.
Para a editora Rizzoli, responsável pela publicação, a obra
"celebra um trabalho arquitetônico que se tornou símbolo de uma
sensibilidade coletiva renovada em relação aos cuidados com o meio ambiente e o
mundo vegetal".
Moradia para pessoas e pássaros
Revertendo a hierarquia arquitetônica habitual, o livro
descreve a floresta vertical como "um lar para árvores e aves, que também
abriga seres humanos".
A obra se baseia em textos e filosofias que a influenciaram,
como o livro The Secret Life of Trees ("A vida secreta
das árvores", em tradução livre), de 2006.
Escrito pelo biólogo britânico Colin Tudge, o texto explica
o papel fundamental desempenhado pelas árvores nas nossas vidas, sequestrando
carbono, produzindo glicose e oferecendo sombra.
Bosco Verticale também menciona a etologista
britânica Jane Goodall. Ela alerta que, à medida que a população humana
aumenta, "é extremamente importante que este crescimento seja acompanhado
por novos incentivos para trazer o mundo natural para as cidades já existentes
e para o planejamento de novos municípios".
Desde a inauguração da Floresta Vertical de Milão, uma onda
verde de construções ricas em plantas começou a reintroduzir a natureza nas
nossas cidades – de Dubai (EAU) até Denver, nos Estados Unidos; e
de Antuérpia, na Bélgica, até Arlington, no Estado americano da Virgínia.
E a primeira floresta vertical da África está
programada para ser inaugurada no Cairo (Egito), ainda
este ano.
Em resposta aos críticos que duvidavam da viabilidade
econômica do conceito, foi inaugurada em 2021 a Floresta Vertical Trudo em
Eindhoven, na Holanda –
um projeto de moradias sociais com aluguel máximo orçado em 600 euros (cerca de
R$ 3.830) por mês.
Senso de conexão
Em Montpellier, no sul da França, um terço
dos Jardins Secretos será reservado para moradias acessíveis.
Trata-se de uma empreitada comercial reflorestada, com
projeto da Vincent Callebaut Architectures, sediada na capital francesa, Paris.
A inauguração deve ocorrer ainda este ano.
Integrando práticas como telhados verdes e
reciclagem de água, os Jardins Secretos também "combatem a crise climática
restaurando a conexão entre o ser humano e a natureza", conta Vincent
Callebaut à BBC.
"Transformando os moradores em jardineiros urbanos e
as fachadas em sifões de carbono, esta construção demonstra que a ecologia não
é uma restrição, mas uma filosofia de estilo de vida", explica ele.
O poder que estas extraordinárias estruturas têm de alterar
a vida e o sentimento das pessoas é fundamental para o seu projeto.
Um dos planos mais recentes da Vincent Callebaut
Architectures é a Árvore do Arco-Íris, em Cebu, nas Filipinas. O
projeto é inspirado nas cores psicodélicas da casca do eucalipto-arco-íris,
nativo da região.
A "árvore" exige a colaboração dos moradores de
cada um dos seus 300 apartamentos, para manter sua flora exuberante. Tudo isso,
aliado às estufas compartilhadas e colmeias
urbanas, ajuda a "incentivar os laços sociais", segundo
Callebaut, criando um senso de comunidade e conexão.
Esta noção de que os projetos biofílicos (baseados na
conexão inata entre os seres humanos e a natureza) podem afetar positivamente o
nosso bem-estar é confirmada por recentes pesquisas.
Um estudo realizado
pela Universidade de Wageningen, na Holanda, concluiu que as plantas em um
ambiente de trabalho não só o tornam mais atraente, mas também aumentam a
satisfação dos funcionários.
Os profissionais também observaram que as plantas melhoram a
qualidade do ar e que eles relatam menos problemas de saúde.
No País de Gales, um estudo
que durou 10 anos observou a incidência de ansiedade e depressão em
2,3 milhões de registros médicos.
O estudo associou o maior índice de verde na vizinhança a
40% menos ansiedade e depressão do que entre as pessoas que moravam nas áreas
com menos vegetação.
As pessoas das áreas mais pobres apresentaram maiores
benefícios e o acesso a espaços verdes e água reduziu o risco de ansiedade e
depressão em 10%, contra 6% nas áreas mais ricas.
Por isso, não é surpresa que novos hospitais estejam
adotando os conceitos biofílicos.
O Hospiwood 21 em La Louvière, na Bélgica, é outro projeto
de Callebaut.
A construção, segundo o arquiteto, "incorpora florestas
verticais terapêuticas, usando plantas para reduzir o estresse do paciente e
promover a recuperação". Ela inclui um interior biofílico relaxante,
repleto de plantas em cascata.
Na Itália, o novo Hospital Policlínico de Milão, projetado
por Stefano Boeri, incluirá um telhado verde com mais de 7 mil metros
quadrados.
Para Boeri, a biofilia faz parte do remodelamento das
instalações de saúde.
Ela "abre uma nova perspectiva sobre a reabilitação,
indo além do conceito tradicional de construção destinada ao simples cuidado
dos pacientes a longo prazo, passando a ser um verdadeiro espaço de interação e
bem-estar, em contato próximo com a natureza".
De fato, os ramos verdes do projeto biofílico estão se
espalhando por uma imensa variedade de construções.
O Aeroporto Jewel Changi, em Cingapura,
é um complexo de lazer e varejo com 10 andares.
Aberto para passageiros e visitantes desde 2019, ele abriga
verdejantes florestas internas que incluem 1,4 mil árvores, além da cascata
interna mais alta do mundo, com 40 metros.
Na capital holandesa, Amsterdã,
o interior de bambu sustentável do Hotel Jakarta, fundado em 2018, inclui um
jardim tropical no seu átrio central.
Regado pela água da chuva que vem do telhado, ele avança
rapidamente em direção ao seu teto de 30 metros de altura.
A uma hora de distância, em Roterdã, também na Holanda, um
telhado verde, quase 40 metros acima do nível do solo, coroa o The Depot, um
armazém acessível ao público que abriga a vasta coleção de arte do Museu
Boijmans van Beuningen, na forma de um caldeirão gigante espelhado.
Além de levantar o nosso ânimo, as florestas em arranha-céus
podem desempenhar papel importante no combate às mudanças climáticas.
O edifício Tao Zhu Yin Yuan, em Taipei (Taiwan), é outro
projeto de Vincent Callebaut – uma torre de 21 andares em formato de hélice dupla de DNA,
inaugurada em 2024.
Suas 23 mil plantas absorvem cerca de 130 toneladas de
dióxido de carbono (CO2) por ano. E seu efeito de resfriamento da fachada reduz
a necessidade de ar-condicionado em 30%.
O edifício possui sacadas giratórias para maximizar a
exposição à luz solar e suas chaminés de ventilação centrais refletem o
interesse de Callebaut pelo biomimetismo, a emulação dos sistemas da natureza
para fornecer soluções para os problemas humanos.
As chaminés funcionam como pulmões. Elas retiram o ar na sua
base e o purificam, para expelir no topo.
Muito mais altas do que largas, as florestas verticais
também minimizam a vedação do solo, liberando espaço para a natureza e
reduzindo o risco
de enchentes.
"Meus projetos incorporam a visão de que as cidades não
são mais problemas para o clima, mas sim soluções vivas", afirma
Callebaut.
Longe de ser "um obstáculo ou complemento
ornamental", a natureza é o princípio orientador do projeto.
Os edifícios, agora, servem de "árvores
habitadas", segundo ele, "que absorvem dióxido de carbono, produzem
energia e abrigam biodiversidade".
Os edifícios biofílicos ajudam a combater duas graves crises
dos nossos tempos – o aquecimento global e
o declínio da saúde
mental – e já são considerados parte de cidades totalmente
reflorestadas.
Em Liuzhou, na província chinesa de Guangxi (uma das regiões
mais atingidas pelo smog — nevoeiro contaminado por fumaça —
do mundo), a Cidade da Floresta é um projeto futurista de Stefano Boeri.
Ela irá abrigar cerca de 30 mil moradores e gerar toda a sua
energia. O projeto foi aprovado e aguarda construção.
Já a Cidade da Floresta Inteligente de Cancún, no México, pretende
proibir veículos movidos a combustão. Ela é outro projeto do mesmo arquiteto,
que aguarda licença para iniciar a construção.
De volta a Milão, o edifício que começou tudo, com
seus painéis
solares no telhado, sem dúvida é como uma árvore, que recebe a energia
solar e retira a água do solo.
"A natureza não é algo que existe em um passado
imemorial", segundo o escritor e filósofo Emanuele Coccia, no livro.
"Ela é e sempre será o nosso futuro tecnológico."
Para Boeri, as florestas verticais gêmeas criadas por ele em
Milão não são apenas edifícios, mas "um manifesto político" com
"uma mensagem simples e popular: a natureza viva precisa voltar a habitar
os espaços concebidos para os seres humanos. Nem mais, nem menos."
O livro Bosco Verticale:
Morphology of a Vertical Forest foi editado pela Stefano Boeri
Architetti e publicado pela editora Rizzoli.
Leia a versão
original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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