Alexandre
Zabot - publicado em 22/01/16
Dizem que Einstein defendia que a grande questão era se
Deus teve ou não escolha ao criar o universo.
No artigo Princípio
Antrópico – um universo sob medida, mostrei algumas evidências que
a ciência vem descobrindo e acumulando nas últimas décadas sobre como o
universo parece se encaixar perfeitamente à vida. Não digo vida humana, mas
vida em geral. É incrível que apesar da vida ser tão frágil, a Terra abrigue
todas as condições para o surgimento e a manutenção dos seres vivos. Como
tentei mostrar na última coluna, estas condições de que dispomos aqui na Terra
são realmente muito especiais no sentido de que dependem fortemente das leis
físicas. Se estas fossem ligeiramente diferentes do que são, não seria possível
haver vida aqui ou em qualquer outra parte do Universo. Aliás, haver vida em
outro lugar do universo é algo tão provável quanto haver vida aqui, ou seja, é
algo certo. Que tipo de vida, não sabemos. Mas hoje as evidências de que o
universo abriga inúmeros locais bons para a vida vêm se acumulando com muita
rapidez.
A constatação de que as leis físicas são como que
“ajustadas” para a vida no universo é o chamado “ajuste fino” das leis da
natureza. A partir dele alguns cientistas, filósofos e teólogos defendem a
existência de um “Princípio Antrópico”. Como também falei na última coluna, há
vários tipos de formulações para o Princípio Antrópico. Porém, duas formas são
as mais comuns, são as chamadas “Forma Suave” (ou Fraca) e “Forma Forte”. Quero
discutir estas formas com mais detalhes e também as críticas e defesas delas.
No fundo, esta questão não passa da velha discussão sobre acaso e necessidade
nas leis físicas.
Como há muitas formulações diferentes para o Princípio
Antrópico, vou usar as definições de um livro famoso sobre o assunto: “The
Anthropic Cosmological Principle” de John Barrow e Frank Tipler. Eles
definem as duas versões do Princípio assim:
Princípio Antrópico Suave (ou fraco) (PAS):
Os valores observados de todas as quantidades físicas e cosmológicas não são
equiprováveis, mas assumem valores restritos pela exigência de que existem
locais onde a vida baseada em carbono pode evoluir e também pela exigência de
que o Universo é antigo o bastante para que isso já tenha acontecido.
Princípio Antrópico Forte (PAF): O universo
deve, obrigatoriamente, ter as propriedades necessárias para permitir o
desenvolvimento da vida em algum estágio de sua história.
Há pelo menos outras duas formulações alternativas bem
conhecidas, mas estas duas que apresentei são as mais famosas e também mais
discutidas. Alguns críticos com tendências à ironia dizem que o PAS não passa
de dizer que “o universo é como é porque é!”. A ironia não é falsa, mas como
toda ironia, descarta aspectos interessantes com muita facilidade. Uma história
famosa vai ajudar a explicar o que quero dizer.
Por volta de 1950 a Mecânica Quântica e a Física Nuclear
estavam em alta e pela primeira vez começava-se a vislumbrar os mecanismos que
geram a energia das estrelas. Sabia-se que a responsável pela energia era a
fusão nuclear, mas ainda não se compreendia bem quais eram os mecanismos. Uma
reação nuclear chamada de triplo-alfa era invocada como parte da explicação.
Nela, três núcleos de Hélio (partículas alfa) colidem e formam um núcleo de
Carbono. O problema é que esta reação teria baixa probabilidade e portanto não
poderia formar todo o Carbono observado no Universo. Fred Hoyle, um dos maiores
Astrofísicos que já houve (aliás, foi quem cunhou o termo “Big Bang”),
raciocinou por meio do Princípio Antrópico: se há Carbono do universo, então
esta reação deve ser favorecida de algum modo. Ele previu que este
favorecimento se dava por meio de uma ressonância do Carbono e estimou a
energia. Acertou na mosca!
Ou seja, o PAS pode ser um tanto óbvio por dizer que já que
vemos vida no universo, as leis físicas devem permitir que haja a vida, porém,
é possível fazer previsões a partir desta simples constatação. Afirmações
simples podem encerrar verdades muito profundas! Basta ler o Evangelho para se
convencer disto. Na verdade, as críticas ao PAS não passam de ironias porque no
fundo ele é uma simples constatação. Embora, para seus defensores, seja uma
constatação muito importante.
A grande discussão acontece em torno do Princípio Antrópico
Forte (PAF). À primeira vista ele nem parece ser uma afirmação forte e ao que
tudo indica, se encaixa muito bem na visão cristã do universo. Porém, ele
comete dois erros graves: inverte a lógica causa-efeito e é um tipo disfarçado
de Design Inteligente. Por estes dois erros, eu penso que o PAF não pode ser
aceito, tanto por uma perspectiva científica quanto teológica, pois o Design
Inteligente não passa de uma espécie de teoria de Deus das Lacunas que subjuga
nosso Deus a um mero reparador de uma Criação barata e mal feita. O que,
evidentemente, Ele não é!
No primeiro artigo sobre o Princípio Antrópico, iniciei
citando o paleontólogo Stephen Jay Gould, me permitam citá-lo novamente para
explicar por que o PAF inverte a lógica causa-efeito. Para Gould, o PAF é como
dizer que as salsichas de cachorro quente foram feitas finas e longas para se
adaptarem ao pão de cachorro quente! É verdade, a crítica tem fundamento porque
na realidade, é a vida que se adaptou ao universo e não o contrário. Mesmo
dentro de uma perspectiva cristã, onde Deus criou o universo e desde sempre
quis a vida e o ser humano, é muito limitante dizer que o universo é
consequência da vida. Na minha opinião, a visão correta é que Deus, na sua
imensa sabedoria e poder, criou o universo e as leis físicas capazes de gerar
vida. Mas esta é consequência, e não causa. Desta forma, penso eu, elevamos
Deus a posição de Criador. Dizem que Einstein defendia que a grande questão era
se Deus teve ou não escolha ao criar o universo. Para os cristãos, é evidente que
Deus teve escolha. Ele nos escolheu, nos quis! O PAF deixa Deus sem escolha, o
que é um absurdo.
Mas inverter a lógica causa-efeito não é o maior problema do
PAF e sim o fato dele ser uma forma disfarçada de Design Inteligente. Ou seja,
para os defensores do PAF existem leis físicas que só podem ser explicadas por
uma questão de finalidade. Dizer que uma lei da natureza é de tal forma porque
assim permite que haja vida e os seres humanos é declarar uma enorme falta de
capacidade de entender a natureza. Não precisamos usar Deus para explicar a
forma das leis da natureza, Ele a criou cognoscível. Para mim, esta é uma das
melhores provas da existência de Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário