Paulo
Teixeira - publicado em 19/09/25
Um olhar dos Papas sobre as coisas novas ao longo dos
tempos.
Corria o ano de 1891 quando o Papa Leão XIII publicou uma
encíclica intitulada Rerum Novarum, que quer dizer, sobre as coisas novas.
Nela, fez uma espécie de compêndio da Doutrina Social da Igreja, que são as
diretrizes para a ação do católico na sociedade.
O mundo passava por grandes transformações naquela década
que concluía o século XIX. Para ter uma noção, no mesmo ano da Encíclica Rerum
Novarum houve a primeira revolta contra a monarquia portuguesa e a eleição e
renúncia do primeiro presidente brasileiro.
No horizonte do Papa surgia um tema importante de ser
debatido: a condição dos operários. A revolução industrial estava incidindo de
maneira forte na produção, comércio e consumo de diversos bens, mas também
mudava de maneira impactante a vida das pessoas com novas relações, expansão
das cidades e a inserção ampla dos cidadãos nas dinâmicas de produção e
consumo.
Atualidade
É um pouco curioso que nesse novo milênio um Papa retome o
nome de Leão, que teve o primeiro no século V. Mas o Papa Prevost explicou que
escolheu esse nome justamente por causa de Leão XIII e sua abordagem sobre o
tema social de sua época. Segundo o atual Papa Leão, a Igreja deve
"responder a uma nova revolução industrial e aos desenvolvimentos da
inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade
humana, da justiça e do trabalho".
O jornalista Amadeo Lomonaco explica que, de fato, alguns
trechos da encíclica de 134 anos atrás, cabem bem para os tempos atuais. “Na
encíclica Rerum Novarum, é destacado o bom ou o mau uso dos bens. Esse critério
é igualmente válido para a abordagem a ser seguida hoje no uso das tecnologias
digitais”, destaca Lomonaco.
Tem destaque, na Rerum Novarum, as condições dos operários
nas fábricas: “Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de
fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo” (25).
No nosso tempo, assim como no final do século XIX, o mundo do trabalho é um dos
pilares que sustentam o tecido social. Relendo a encíclica do Papa Leão XIII,
focada nas condições das massas operárias, e inserindo essas reflexões no
contexto atual, podemos projetar uma espécie de "Rerum digitalium",
uma releitura sobre as "coisas digitais". Seguindo o caminho traçado
por Leão XIII, é possível considerar a questão do trabalho e os direitos dos
trabalhadores à luz das profundas mudanças causadas pelas novas tecnologias.
O caminho dos papas
A releitura, reinterpretação, atualização do Papa Leão XIV
sobre esse tema social se liga à constante atualização que os papas fazem do
tema. O Papa Pio XI publicou em 1931, a Encíclica Quadragesimo anno
recordando a s quatro décadas da publicação da Encíclica Rerum Novarum. Nela
destaca como o Evangelho pode aperfeiçoar a ordem social. É um texto
marcado pela crise econômica de 1929 que além de reforçar o que foi indicado
por Leão XIII, abordou de forma forte a questão da desigualdade.
Mais uma década adiante, em 1941, o Papa Pio XII se dirigiu
aos fiéis por meio de uma rádio mensagem para recordar, em meio à Segunda
Guerra Mundial, a necessidade de um “espírito social forte, sincero e
desinteressado”, como ensinado na Rerum Novarum.
O Papa João XXIII, em 1961, também pelo rádio, indica aos
fiéis o estudo da Rerum Novarum como uma “luz nova e apropriada às modernas
circunstâncias do mundo”.
Em 1971 o Papa Paulo VI publicou Octogésima Adveniens
na qual atualiza os ensinamentos de Leão XII para os desafios daquele período
que iam do crescimento das cidades até o desemprego.
O Papa João Paulo II, na recorrência dos 90 anos da Rerum
Novarum, publicou Laborem Exercens sobre o trabalho humano; em 1991 para o
centenário da Encíclica do Papa Leão XIII publicou Centesimus annus. O contexto
era o fim do comunismo e a realidade do capitalismo de mercado. Nela, João
Paulo II reforça que o trabalho não é mercadoria, que o bem-estar social é um
direito e um dever, e que a propriedade privada é um direito fundamental que
contém uma hipoteca social, ou seja, serve ao bem comum.
Por que temas sociais?
Podemos nos perguntar isso sempre, porque às vezes achamos
que a fé não tem ligação com a sociedade. E por que repetir uma encíclica de um
outro contexto social? O Papa Paulo VI respondeu seus contemporâneos e pode nos
responder hoje: “A Igreja e o próprio Papa já haviam denunciado outras vezes os
erros sociais, especialmente de ideias, que vinham gerando graves
inconvenientes nos novos tempos, precisamente os do trabalho industrial; mas,
daquela vez, a palavra foi mais forte, mais clara, mais direta; hoje, podemos
dizer que foi libertadora e profética"
O Papa Bento XVI também tratou das questões sociais na
Encíclica Caritas in Veritatem na qual acrescenta os desafios humanos de
construir uma vida coerente em meio aos desafios do mundo do trabalho.
O Papa Francisco tratou da questão da dignidade do trabalho
em Fratelli Tutti e acrescentou o contexto da pandemia em que tantas certezas
foram desfeitas.
Cabe ao novo Papa e aos fiéis reler, compreender e dar sua
contribuição para nosso tempo sobre a ação dos católicos na sociedade,
sobretudo no contexto digital. Entre os riscos associados às novas tecnologias,
e em particular à inteligência artificial, estão os de novas formas de
escravidão e exploração. Além das sombras, também há muitas luzes relacionadas
às oportunidades que esta era digital pode oferecer a toda a família humana e,
em particular, às novas gerações.
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