A PALAVRA COMO VEÍCULO DE FRATERNIDADE, NÃO DE ÓDIO
21/09/2022
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí
A convivência fraterna precisa ser buscada e não se conhece
melhor instrumento para isso que a palavra. É claro que ações concretas surtem
efeitos e são necessárias, mas mesmo estas devem ser precedidas de palavras. A
quadra histórica que vivemos está marcada pelo discurso de ódio – que,
ironicamente, reforça a ideia do poder da palavra -, pelo rechaço violento do
irmão que pensa diferente, pela forjadura e a disseminação de mentiras.
Trata-se de uma guerra fratricida criada em nome da busca pelo poder, que vai
arrastando incautos para sua jornada cruel.
A lucidez e a percepção temporal do Papa Francisco captaram
o uso recorrente da palavra como veículo de ódio, em substituição ao seu papel
como difusora do amor fraterno, como ferramenta de aproximação entre pessoas
cujos credos, raças e ideologias são diferentes, mas que se encontram no mesmo
patamar diante do amor divino. Somos todos irmãos e como irmãos deveríamos
conviver, daí a encíclica papal Fratelli Tutti.
Todo destaque midiático e pronunciamentos de indignação
serão pouco para repudiar o assassinato a facadas de um homem por outro, como
vimos há poucos dias em Confresa (MT), motivado por antagonismo
político-partidário. Por que tentar impor crenças ao próximo e, quando esse
empenho revela-se inglório, tirar lhe a vida?
Vê-se o ódio sobrepor-se ao amor, a intolerância derrotar o
respeito.
Na Fratelli Tutti, o Papa lembra que São
Francisco de Assis “não se envolveu na guerra dialética impondo doutrinas, mas
comunicou o amor de Deus. Ele despertou o sonho de uma sociedade fraterna”. E é
da Oração de São Francisco que extraímos a mais contundente mensagem sobre uso
da palavra como arma do amor: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa
paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o
perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu
leve a fé. Onde houver erro, que eu leve a verdade. Onde houver desespero, que
eu leve a esperança. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria. Onde houver
trevas, que eu leve a luz!”
O acirramento dos ânimos comum aos períodos eleitorais não
pode nos distanciar da mensagem de fraternidade contida na Fratelli
Tutti e no exemplo de abnegação de São Francisco. Tampouco pode nos
obnubilar a visão diante das profundas injustiças sociais que nos afligem desde
sempre e que, provavelmente, não desaparecerão após o pleito eleitoral, como
num passe de mágica.
Os candidatos permanecem no terreno do discurso
predominantemente populista e demagógico, sem discutir com profundidade
projetos para superação dos graves problemas que afligem nosso povo. É tarefa
cidadã e cristã denunciar essa triste realidade, como fez a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil na Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro sobre o
Momento Atual, por ocasião de sua 59ª Assembleia Geral, em Aparecida.
Claro e cristalino, eis um trecho da mensagem da CNBB:
“Vítimas de uma economia que mata, celebramos as conquistas
desses 200 anos de independência conscientes de que condições de vida digna
para todos ainda constituem um grande desafio. É necessário o compromisso
autêntico com a verdade, com a promoção de políticas de Estado capazes de
contribuir de forma efetiva para a diminuição das desigualdades, a superação da
violência e a ampliação ao acesso a teto, trabalho e terra. Comprometidos com
essas conquistas e inspirados pela cultura do diálogo e do encontro, podemos
ser uma nação realmente independente e soberana”.
Não escapa a nós, bispos brasileiros, o impacto destrutivo
que a mentira – sob a forma de fake news – exerce sobre a
democracia, bem como a escravização mental de fiéis com fins eleitorais: “É
motivo de preocupação a manipulação religiosa e a disseminação de fake
news que têm o poder de desestruturar a harmonia entre pessoas, povos
e culturas, colocando em risco a democracia. A manipulação religiosa,
protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e
tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em
nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com o Evangelho e com a
verdade”.
Mãos à obra, fratelli, para que a palavra
passe a nos unir em Deus e não mais nos dividir!
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