A história de Sansão e Dalila, uma das mais fantasiosas do
Antigo Testamento, é carregada de simbolismo, se encaixando no período
histórico conhecido como Era dos Juízes, estando registrada no Livro dos
Juízes, capítulos 13 a 16.
Padre Inácio Medeiros, CSsR - Instituto Histórico
Redentorista
Os livros das Sagradas Escrituras como as temos hoje foram
escritos em diversos gêneros e formas de linguagem. Compreender esses
gêneros literários nos ajuda a entender melhor a intenção dos autores sagrados
e a mensagem que eles querem comunicar. Isso evita também uma
interpretação errônea ou apressada que pode surgir do desconhecimento do estilo
literário e ainda permite uma leitura mais sensata e justa dos textos bíblicos
que são compostos por uma variedade de formas literárias.
Por essa razão encontramos nas páginas das Sagradas
Escrituras algumas histórias que dariam verdadeiras novelas, aliás já foram
temas de filmes e outras produções como a de Sansão e Dalila.
A Era dos Juízes
A história de Sansão e Dalila, uma das mais fantasiosas do
Antigo Testamento, é carregada de simbolismo, se encaixando no período
histórico conhecido como Era dos Juízes, estando registrada no Livro dos
Juízes, capítulos 13 a 16.
No período as doze tribos de Israel, herança dos doze filhos
de Jacó, haviam retornado da escravidão no Egito depois da longa caminhada pelo
deserto, estando em processo de estabelecimento na Terra Prometida. Cada tribo
tinha uma certa autonomia, mas se uniam para combater os inimigos comuns, sendo
os filisteus os mais fortes. A formação de um único povo somente seria
concretizada no período seguinte conhecido como Era dos Reis, tendo o seu auge
com Saul, Davi e Salomão.
O período dos Juízes durou cerca de 200 anos,
aproximadamente de 1200 a.C. a 1010 a.C. Os hebreus estavam inseridos numa
realidade organizacional onde cada tribo era governada por um juiz que não
devia subserviência a nenhum rei ou coroa. Esse juiz tinha poderes quase que
ilimitados porque sua escolha foi feita por Deus e suas decisões eram vistas
como ação do próprio Deus, o Senhor Javé. Na pessoa do juiz era o próprio
governando o seu povo.
Deus age em favor de seu povo
Da mesma forma que acontece em relação a outros povos e
civilizações, o início de sua história vem recheado de mitos e lendas que nem
sempre podem ter uma comprovação. No caso do Povo de Israel, vários desses
mitos foram herdados de povos da região. Alguns personagens se confundem entre
história e ficção, como é o caso de Sansão e Dalila.
Nessa famosa história do Livro de Juízes, acontece o
relacionamento entre Sansão, um juiz israelita dotado de força sobrenatural
vinda de Deus, e Dalila, uma filisteia que com astucia usava de sua beleza para
conseguir os seus objetivos. Subornada pelos líderes filisteus, Dalila
enganou Sansão a fim de descobrir o segredo de sua força que estava em seu
longo cabelo de nazireu e o trai, cortando seu cabelo e entregando-o aos
filisteus, que o cegam e o aprisionam.
Depois dessas coisas, ele se apaixonou por uma mulher
do vale de Soreque, chamada Dalila. Os líderes dos filisteus foram dizer a ela:
“Veja se consegue induzi-lo a mostrar para você o segredo da sua grande força e
como poderemos dominá-lo, para que o amarremos e o subjuguemos. Cada um de nós
dará a você treze quilos de prata” (Jz 16,4-5)
Sansão tinha sido escolhido antes mesmo de nascer. Um anjo
apareceu à sua mãe que era estéril, anunciando que ela teria um filho que seria
nazireu, totalmente dedicado a Deus desde o ventre. Isso incluía votos
rigorosos de não beber vinho, não tocar em mortos e jamais cortar o cabelo,
pois sua força vinha desse voto sagrado.
Certo dia o Anjo do Senhor apareceu a ela e lhe disse:
“Você é estéril, não tem filhos, mas engravidará e dará à luz um filho.
Todavia, tenha cuidado, não beba vinho nem outra bebida fermentada e não coma
nada impuro; e não se passará navalha na cabeça do filho que você vai ter,
porque o menino será nazireu, consagrado a Deus desde o nascimento; ele
iniciará a libertação de Israel das mãos dos filisteus” (Jz 13,3-5).
Desde jovem, Sansão demonstrou força sobre-humana. Ele
desafiou o domínio estrangeiro sobre Israel, sendo temido pelos inimigos e
respeitado pelos de sua gente, mas também era impulsivo e guiado por paixões.
É nesse ponto que entra Dalila, mulher do Vale de Soreque,
com quem Sansão se envolveu. Os filisteus, inimigos jurados de Israel, subornam
Dalila para que ela descubra o segredo de sua força. Mesmo tendo escapado
várias vezes de suas armadilhas finalmente Sansão cede revelando que jamais
havia cortado o cabelo, pois era nazireu consagrado a Deus.
Enquanto ele dormia em seu colo ela mandou que suas tranças
fossem cortadas. Com isso, Sansão perde sua força, sendo capturado pelos
filisteus, tendo seus olhos arrancados.
Feito prisioneiro, humilhado e cego, Sansão passa a
trabalhar para os filisteus que descuidam e deixam que seu cabelo volte a
crescer. O final da história é bem conhecido, pois Sansão, levado para o templo
dos filisteus, acaba matando a si mesmo e a milhares de filisteus.
E Sansão orou ao Senhor: “Ó Soberano Senhor, lembra-te
de mim! Ó Deus, eu te suplico, dá-me forças, mais uma vez, e faze com que eu me
vingue dos filisteus por causa dos meus dois olhos”. Então Sansão forçou as
duas colunas centrais sobre as quais o templo se firmava. Apoiando-se nelas,
tendo a mão direita numa coluna e a esquerda na outra, disse: “Que eu morra com
os filisteus!” Em seguida, ele as empurrou com toda a força, e o templo desabou
sobre os líderes e sobre todo o povo. (Jz 16,28-30)
Para os escritores sagrados não existe a preocupação com a
historicidade ou não do personagem. O pano de fundo da história de Sansão e
Dalila é mostrar a fragilidade da força quando confrontada com a sedução, e
sobre redenção mesmo após a queda. Um símbolo profundo de como a fé pode ser
restaurada mesmo no fim e de como o orgulho e a fraqueza humana podem levar à
destruição.
A história é também um alerta sobre os perigos da confiança
equivocada, da fraqueza emocional e da manipulação em relacionamentos. E por
fim, é sinal da traição do povo para com a aliança assinada com Javé, deixando
o verdadeiro Deus de lado, seguindo outros deuses que não podem salvar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário