O BÁCULO E A CRUZ: SÍMBOLOS DE PROXIMIDADE
02/09/2025
Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
Assinar este artigo em diálogo com o livro Coração
de Pastor, de Dom João Bosco Óliver de Faria, é deixar-se guiar por páginas
que são, ao mesmo tempo, memória e profecia. O autor não escreve como teórico
distante, mas como quem viveu com intensidade o ministério episcopal e o
traduziu em testemunho espiritual. Sua obra é um espelho no qual cada bispo
pode rever-se e, ao mesmo tempo, ser interpelado.
Entre as imagens mais belas e fortes que encontrei está a do
báculo. Dom João Bosco afirma que essa insígnia só tem sentido se houver
rebanho, razão pela qual bispos auxiliares ou que exercem funções diplomáticas
não o utilizam. Isso devolve ao báculo a sua dignidade original: não se trata
de um bastão decorativo, mas de instrumento de proximidade. O bispo não conduz
a distância, mas caminha à frente, com o báculo na mão, sustentando os fracos,
corrigindo os que se perdem, amparando os cansados.
Essa reflexão remete diretamente à imagem do saudoso papa
Francisco quando pedia que o pastor “tenha cheiro das ovelhas”. O báculo,
símbolo exterior, só adquire verdade quando acompanhado da presença concreta,
do contato com a vida do povo. Quantas vezes, em minha própria caminhada,
percebi que não era o discurso mais elaborado, mas a mão estendida ou a visita
inesperada que revelava ao povo o verdadeiro sentido do pastoreio. O livro de
Dom João Bosco insiste nisso: o bispo pertence ao povo, sua vida e seu tempo
não são seus, mas daqueles que lhe são confiados.
Outra frase que me impressionou está ligada à cruz do bispo:
“O Domingo de Ramos dura pouco na vida de um Bispo”. É uma síntese realista,
fruto de uma vida inteira. O ministério episcopal não é sustentado por
aplausos, mas pela cruz. Há momentos em que a aclamação dá lugar à solidão, e é
justamente nesse espaço que se revela a autenticidade do chamado. O báculo sem
cruz se reduz a poder humano; a cruz sem báculo pode tornar-se isolamento
estéril. Mas báculo e cruz, juntos, recordam que o pastor guia e se sacrifica,
conduz e oferece a vida.
Esse realismo pastoral salva o episcopado da tentação de ser
mera administração. Quantas vezes se corre o risco de reduzir a missão a
números, relatórios ou planejamentos? O livro nos recorda que não somos
executivos, mas pastores; não somos gestores de uma empresa, mas servidores de
um rebanho. O báculo é instrumento de guia; a cruz é o preço do amor.
Ao longo das páginas, percebi que Dom João Bosco une
símbolos e vida concreta. Ele não trata o báculo como objeto, mas como extensão
da missão. Não fala da cruz como metáfora, mas como experiência cotidiana. É
essa unidade que me impressiona e que me faz dizer que sua obra é, de fato, uma
catequese sobre o episcopado.
Concluo sublinhando que Coração de Pastor é
uma leitura obrigatória para quem deseja compreender o que significa ser bispo
na Igreja sinodal e missionária que hoje vivemos. O báculo e a cruz continuam a
nos recordar que somos chamados a estar próximos, conduzir, sustentar e
oferecer a vida. É um testemunho que nos convida a renovar cada dia a nossa
entrega, com a certeza de que o verdadeiro pastor não vive para si, mas para o
rebanho que Deus lhe confiou.
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