Pare e adore: A visita ao Santíssimo Sacramento
Esta prática constitui uma profunda expressão de fé e amor a Cristo na Eucaristia. Em meio aos afazeres cotidianos, oferece uma ocasião de encontro com Deus, um descanso em sua presença, que traz consolo e guia para a vida diária.
07/08/2025
São Josemaria recordava com alegria como os anjos participam
na adoração contínua a Cristo, especialmente em sua presença sacramental. Tal
pensamento estimulava-o a unir-se a este culto através de algumas devoções
eucarísticas; uma delas é a visita ao Santíssimo Sacramento.
Desde os primeiros séculos, os cristãos procuraram modos de
expressar sua fé através de práticas de piedade além dos sacramentos, como a
veneração de relíquias, de sepulcros de mártires e de lugares sagrados. Embora
as espécies eucarísticas tenham sempre sido honradas inclusive fora da
celebração, só se converteram em objeto de veneração particular fora da Missa
no início do segundo milênio, na liturgia romana. Neste contexto, o IV Concílio
de Latrão (1215) reafirmou a doutrina da presença real de Cristo na Eucaristia,
condenou os ensinamentos Berengário de Tours – que negava esta presença – e
enfatizou a necessidade de adorar a Cristo no Santíssimo Sacramento.
Algumas ordens religiosas, particularmente os cistercienses,
fomentaram esta devoção, e teólogos como São Tomás de Aquino contribuíram no
desenvolvimento da doutrina da presença real do Senhor na Eucaristia. Surgiram
inovações litúrgicas que intensificaram a piedade eucarística, como a elevação
da hóstia depois da consagração, a reserva eucarística e a prática da comunhão
espiritual, manifestações do crescente desejo de honrar Jesus na Eucaristia.
Com a instituição da festa do Corpus Christi, celebrada pela
primeira vez em Liège em 1246 e estendida a toda a Igreja pela bula Transiturus
de hoc mundo do Papa Urbano IV, surgiram os primeiros testemunhos da
prática da visita ao Santíssimo. Neste período, as beguinas (um grupo de
mulheres que viviam em celas construídas em volta da abside da igreja, com uma
abertura para o altar) seguiam a regra de rezar de joelhos o cumprimento ao
Santíssimo nas celas, ao levantar-se. Ao longo dos séculos, a devoção para com
a Eucaristia fortaleceu-se, em parte graças à reserva do Santíssimo em igrejas
e capelas, o que facilitava o acesso dos fiéis. O Concílio de Trento reafirmou
a prática da adoração eucarística e promoveu o culto ao Santíssimo Sacramento.
Os primeiros sacrários
“A sagrada Reserva (no sacrário) era primeiro destinada a
guardar dignamente a Eucaristia para que pudesse ser levada, fora da missa, aos
doentes e aos ausentes. Pelo aprofundamento da fé na presença real de Cristo em
sua Eucaristia, a Igreja tomou consciência do sentido da adoração silenciosa do
Senhor presente sob as espécies eucarísticas”[1].
Nessa tomada de consciência, tiveram um papel importante as
chamadas confrarias do Santíssimo Sacramento, que garantiam a reserva
eucarística nas igrejas. Elas se espalharam por toda a Europa durante a baixa
Idade Média, com notável proliferação na Itália e encarregaram-se de promover a
participação ativa dos fiéis na adoração eucarística, destacando-se seu apoio
às procissões de Corpus Christi. Neste marco, os barnabitas e Santo Antônio
Maria Zaccaria tiveram um papel relevante na promoção do culto eucarístico,
especialmente na organização das exposições do Santíssimo.
Mais tarde, surgiu a devoção das quarenta horas, que, como o
nome indica, consistia na exposição ininterrupta do Santíssimo Sacramento
durante esse tempo, e convidava à meditação da paixão de Cristo e à oração de
intercessão e desagravo. Iniciada em Milão e promovida por figuras como Carlos
Borromeu, expandiu-se pela Europa e foi consolidada em 1592 pelo Papa Clemente
VIII ao instituir a Adoração Perpétua em Roma, contribuindo assim com a prática
da visita ao Santíssimo.
A adoração da criatura ao Criador
Quando os magos chegaram a Belém, São Mateus relata: “Quando
entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele,
e o adoraram” (Mt 2, 11). Este gesto manifesta a atitude própria do ser humano
que, ao reconhecer-se criatura, prostra-se diante de seu Criador[2].
Mais do que um ato exterior, adorar é uma entrega do corpo e da alma, um
reconhecimento profundo da nossa total dependência de Deus, diante de quem nos
inclinamos com respeito e submissão absolutos, com a consciência de que nossa
existência só tem sentido nele[3].
Dom Javier Echevarría expressava-o dizendo que “caímos em
adoração, atitude necessária, porque somente assim manifestamos adequadamente
acreditar que a Eucaristia é Cristo verdadeira, real e substancialmente
presente com seu Corpo, seu Sangue, sua Alma e sua Divindade”[4].
São Josemaria também convidava a ter essa disposição: “Agiganta a tua fé na
Sagrada Eucaristia. Pasma ante essa realidade inefável: temos Deus conosco,
podemos recebê-lo cada dia e, se quisermos, falamos intimamente com Ele, como
se fala com o amigo, como se fala com o irmão, como se fala com o pai, como se
fala com o Amor”[5].
Alguns gestos ajudam a manifestar também com o corpo a
adoração. Um deles é “A genuflexão, que se faz dobrando o joelho direito até ao
solo, significa adoração; é por isso reservada ao Santíssimo Sacramento”[6].
Bento XVI destacava isso dizendo que “a genuflexão diante do Santíssimo
Sacramento ou ficar de joelhos durante a oração exprimem precisamente a atitude
de adoração diante de Deus, também com o corpo. Daí a importância de não fazer
este gesto por hábito ou depressa, mas com consciência profunda. Quando nos
ajoelhamos diante do Senhor confessamos nossa fé nele, reconhecemos que Ele é o
único Senhor de nossa vida”[7].
Hoje em dia, pode parecer que o homem perdeu o sentido da
adoração, a necessidade do culto em silêncio. O Papa Francisco comenta, no
entanto, que “a Eucaristia é a resposta de Deus à fome mais profunda do coração
humano, à fome de vida autêntica: nela o próprio Cristo está realmente no meio
de nós para nos alimentar, consolar e sustentar ao longo do caminho”[8].
No pão eucarístico encontramos aquilo que afinal, nosso coração procura, mas
que só Deus pode dar: um amor incondicional que sacia plenamente o nosso desejo
de amar e ser amado. Na adoração eucarística podemos nos inclinar no peito do
Senhor, como o discípulo amado, e deixar-nos abraçar por Ele. Porque ao ficar
conosco na Eucaristia, Deus demonstra que “não é um ser longínquo, que
contemple com indiferença a sorte dos homens, seus anseios, suas lutas e
angústias. É um Pai que ama seus filhos até o extremo de lhes enviar o Verbo,
Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, para que, pela sua encarnação morra por
eles e nos redima; o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente a si,
mediante a ação do Espírito Santo que habita em nossos corações”[9]
[1] Catecismo
da Igreja Católica, n. 1379
[2] Cfr.
Ibid, n. 2628
[3] Cfr.
Ibid, n. 2097
[4] Javier
Echevarría, Carta Pastoral, 6/10/2004, n. 6
[5] Forja,
n. 268
[6] Instrução
geral do missal romano, n. 274
[7] Bento
XVI, Audiência, 27/06/2012.
[8] Francisco,
Discurso aos membros do comitê de organização do Congresso Eucarístico Nacional
dos Estados Unidos da América, 19/06/2023.
[9] É
Cristo que passa n. 84
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