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quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade

Colinas da Índia (Vatican News)

CUIDAR DA CRIAÇÃO TORNA-SE UMA QUESTÃO DE FÉ E DE HUMANIDADE

02/09/2025

Dom Juarez Albino Destro
Bispo Auxiliar de Porto Alegre (RS) 

De 1º de setembro a 04 de outubro somos convidados, ou melhor, convocados a exercer nossa vocação de cuidadores da Criação, rezando, louvando, agradecendo o dom da vida, mas também reconhecendo nossos erros e omissões, pedindo perdão para recomeçar a semear paz e esperança. 

Apesar de a data ter sido instituída há 10 anos, o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação ainda é pouco conhecido. No Angelus do último domingo de agosto, o papa Leão XIV recordou que, há dez anos, o seu antecessor, papa Francisco, em sintonia com o Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, instituiu para a Igreja Católica este Dia de Oração. Recordou o tema: Sementes de paz e esperança, e nos convidou para, unidos a todos os cristãos, celebrarmos este Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, prolongando tal celebração até o dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. É o Tempo da Criação. No espírito do Cântico do Irmão Sol, composto por São Francisco há 800 anos, louvemos a Deus e renovemos o compromisso de não destruir o seu dom, mas de cuidar da nossa Casa Comum, o planeta. 

Naquele mês de agosto de 2015, o papa Francisco escreveu aos cardeais presidentes de dois Pontifícios Conselhos: o da Justiça e Paz; e o da Promoção da Unidade dos Cristãos. Pediu a eles que animassem todas as Conferências Episcopais, Organismos nacionais e internacionais comprometidos no âmbito ecológico, a celebrar este Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, com a participação de todo o Povo de Deus: ministros ordenados, consagrados e consagradas, cristãos leigos e leigas. O objetivo: fazer com que a celebração anual seja momento forte de oração, reflexão, conversão e oportunidade para assumir estilos de vida coerentes. Vale ressaltar que o Pontifício Conselho da Justiça e da Paz deixou de existir a partir de 1º de janeiro de 2017, com sua missão tendo sido incorporada no Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (cf. Carta Apostólica, em forma de Motu Proprio, 17/08/2016). 

Papa Francisco, na carta, recordou que o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação já ocorre há tempos na Igreja Ortodoxa. E, como cristãos, disse o papa, “queremos oferecer a nossa contribuição para a superação da crise ecológica que a humanidade está vivendo. Por isso devemos, antes de tudo, buscar no nosso rico patrimônio espiritual as motivações que alimentam a paixão pelo cuidado da Criação, lembrando sempre que para aqueles que creem em Jesus Cristo, Verbo de Deus que se fez homem por nós, a espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que nos rodeia (LS 216)”. A Encíclica Laudato Si (LS) também é de 2015. E Francisco a utiliza mais vezes na carta: “A crise ecológica nos chama, portanto, a uma profunda conversão espiritual: os cristãos são chamados a uma conversão ecológicaque comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. De fato, viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa (LS 217)”. 

Na mensagem do papa Leão XIV para o 11º Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação percebe-se que o tema já tinha sido escolhido pelo papa Francisco, e foi mantido pelo papa Leão: Sementes de Paz e Esperança. “A semente entrega-se inteiramente à terra e aí, com a força impetuosa do seu dom, a vida germina, mesmo nos lugares mais inesperados, numa surpreendente capacidade de gerar um futuro. Pensemos, por exemplo, nas flores que crescem à beira da estrada: ninguém as plantou, mas elas crescem graças a sementes que foram parar ali quase por acaso e conseguem decorar o cinzento do asfalto e até mesmo penetrar na sua dura superfície”, escreveu o papa Leão na mensagem. E citou o profeta Isaías para reforçar que “o Espírito de Deus é capaz de transformar o deserto árido e ressequido num jardim, num lugar de repouso e serenidade: «Uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre. O povo de Deus repousará numa mansão serena, em moradas seguras e em lugares tranquilos» (Is 32,15-18)”. 

São palavras proféticas, disse o papa, mas “junto à oração, são necessárias vontades e ações concretas que tornem perceptível esta carícia de Deus sobre o mundo (cf. LS 84). A justiça e o direito parecem remediar a inospitalidade do deserto. Trata-se de um anúncio extraordinariamente atual. Em várias partes do mundo, já é evidente que a nossa terra está em ruínas. Por todo o lado, a injustiça, a violação do direito internacional e dos direitos dos povos, a desigualdade e a ganância provocam o desflorestamento, a poluição, a perda de biodiversidade. Os fenômenos naturais extremos, causados pelas alterações climáticas provocadas pelo ser humano, aumentam de intensidade e frequência”, citando também a Exortação Apostólica do papa Francisco, Laudate Deum, sobre a crise climática, sem esquecer das guerras, que devastam a humanidade.  

Seguem outras partes da mensagem, que nos fazem pensar, refletir: 

Parece ainda haver uma falta de consciência de que a destruição da natureza não afeta todos da mesma forma: espezinhar a justiça e a paz significa atingir principalmente os mais pobres, os marginalizados, os excluídos. A este respeito, o sofrimento das comunidades indígenas é emblemático. 

A própria natureza torna-se, por vezes, um instrumento de troca, uma mercadoria a negociar para obter ganhos econômicos ou políticos. A Criação transforma-se num campo de batalha pelo controle dos recursos vitais, como testemunham as áreas agrícolas e as florestas que se tornaram perigosas por causa das minas, os conflitos em torno das fontes de água, a distribuição desigual das matérias-primas, penalizando as populações mais fracas e minando a própria estabilidade social. 

Não era certamente isso que Deus tinha em mente quando confiou a Terra ao ser humano criado à sua imagem, como lemos em Gênesis. “Cultivar” quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, “guardar” significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. 

A justiça ambiental já não pode ser considerada um conceito abstrato ou um objetivo distante. Representa uma necessidade urgente que ultrapassa a mera proteção do ambiente. Trata-se verdadeiramente de uma questão de justiça social, econômica e antropológica. Para os que creem em Deus, além disso, é uma exigência teológica, que para os cristãos tem o rosto de Jesus Cristo, em quem tudo foi criado e redimido. Num mundo onde os mais frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das alterações climáticas, do desflorestamento e da poluição, cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade. 

Trabalhando com dedicação e ternura, muitas sementes de justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança. Por vezes, são necessários anos para que a árvore dê os primeiros frutos, anos que envolvem todo um ecossistema na continuidade, na fidelidade, na colaboração e no amor, sobretudo se este amor se tornar um espelho do Amor oblativo de Deus. 

Entre as iniciativas da Igreja na dimensão da Ecologia Integral, o papa Leão XIV citou o projeto Borgo Laudato si’, que o papa Francisco nos deixou como herança em Castel Gandolfo, “uma semente que pode dar frutos de justiça e paz. Trata-se de um projeto de educação para a ecologia integral que visa ser um exemplo de como se pode viver, trabalhar e fazer comunidade aplicando os princípios da Encíclica Laudato si’”. 

Que possamos vivenciar este Tempo da Criação com orações, certamente, mas também com reflexões, boas ideias, propostas e, sobretudo, conversão e oportunidade para assumir estilos de vida coerentes. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF