CUIDAR DA CRIAÇÃO TORNA-SE UMA QUESTÃO DE FÉ E DE
HUMANIDADE
02/09/2025
Dom Juarez Albino Destro
Bispo Auxiliar de Porto Alegre (RS)
De 1º de setembro a 04 de outubro somos convidados, ou
melhor, convocados a exercer nossa vocação de cuidadores da Criação, rezando,
louvando, agradecendo o dom da vida, mas também reconhecendo nossos erros e
omissões, pedindo perdão para recomeçar a semear paz e esperança.
Apesar de a data ter sido instituída há 10 anos, o Dia
Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação ainda é pouco conhecido.
No Angelus do último domingo de agosto, o papa Leão XIV
recordou que, há dez anos, o seu antecessor, papa Francisco, em sintonia com o
Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, instituiu para a Igreja Católica este Dia de
Oração. Recordou o tema: Sementes de paz e esperança, e nos
convidou para, unidos a todos os cristãos, celebrarmos este Dia Mundial de
Oração pelo Cuidado da Criação, prolongando tal celebração até o dia 4 de
outubro, festa de São Francisco de Assis. É o Tempo da Criação. No
espírito do Cântico do Irmão Sol, composto por São Francisco
há 800 anos, louvemos a Deus e renovemos o compromisso de não destruir o seu
dom, mas de cuidar da nossa Casa Comum, o planeta.
Naquele mês de agosto de 2015, o papa Francisco escreveu aos
cardeais presidentes de dois Pontifícios Conselhos: o da Justiça e Paz; e
o da Promoção da Unidade dos Cristãos. Pediu a eles que animassem todas as
Conferências Episcopais, Organismos nacionais e internacionais comprometidos no
âmbito ecológico, a celebrar este Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da
Criação, com a participação de todo o Povo de Deus: ministros ordenados,
consagrados e consagradas, cristãos leigos e leigas. O objetivo: fazer com que
a celebração anual seja momento forte de oração, reflexão, conversão e
oportunidade para assumir estilos de vida coerentes. Vale ressaltar que o
Pontifício Conselho da Justiça e da Paz deixou de existir a partir de 1º de
janeiro de 2017, com sua missão tendo sido incorporada no Dicastério para
o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (cf. Carta Apostólica, em forma
de Motu Proprio, 17/08/2016).
Papa Francisco, na carta, recordou que o Dia Mundial de
Oração pelo Cuidado da Criação já ocorre há tempos na Igreja Ortodoxa. E, como
cristãos, disse o papa, “queremos oferecer a nossa contribuição para a
superação da crise ecológica que a humanidade está vivendo. Por isso devemos,
antes de tudo, buscar no nosso rico patrimônio espiritual as motivações que
alimentam a paixão pelo cuidado da Criação, lembrando sempre que para aqueles
que creem em Jesus Cristo, Verbo de Deus que se fez homem por nós, a
espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das
realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que
nos rodeia (LS 216)”. A Encíclica Laudato Si (LS)
também é de 2015. E Francisco a utiliza mais vezes na carta: “A crise
ecológica nos chama, portanto, a uma profunda conversão espiritual: os cristãos
são chamados a uma conversão ecológica, que comporta deixar
emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do
encontro com Jesus. De fato, viver a vocação de guardiões da
obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência
cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa (LS
217)”.
Na mensagem do papa Leão XIV para o 11º Dia Mundial de
Oração pelo Cuidado da Criação percebe-se que o tema já tinha sido escolhido
pelo papa Francisco, e foi mantido pelo papa Leão: Sementes de Paz e
Esperança. “A semente entrega-se inteiramente à terra e aí, com a força
impetuosa do seu dom, a vida germina, mesmo nos lugares mais inesperados, numa
surpreendente capacidade de gerar um futuro. Pensemos, por exemplo, nas flores
que crescem à beira da estrada: ninguém as plantou, mas elas crescem graças a
sementes que foram parar ali quase por acaso e conseguem decorar o cinzento do
asfalto e até mesmo penetrar na sua dura superfície”, escreveu o papa Leão na
mensagem. E citou o profeta Isaías para reforçar que “o Espírito de Deus é
capaz de transformar o deserto árido e ressequido num jardim, num lugar de
repouso e serenidade: «Uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o
deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra,
agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da
justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre. O
povo de Deus repousará numa mansão serena, em moradas seguras e em lugares
tranquilos» (Is 32,15-18)”.
São palavras proféticas, disse o papa, mas “junto à oração,
são necessárias vontades e ações concretas que tornem
perceptível esta carícia de Deus sobre o mundo (cf. LS
84). A justiça e o direito parecem remediar a inospitalidade do deserto.
Trata-se de um anúncio extraordinariamente atual. Em várias partes do mundo, já
é evidente que a nossa terra está em ruínas. Por todo o lado, a injustiça, a
violação do direito internacional e dos direitos dos povos, a desigualdade e a
ganância provocam o desflorestamento, a poluição, a perda de biodiversidade. Os
fenômenos naturais extremos, causados pelas alterações climáticas provocadas
pelo ser humano, aumentam de intensidade e frequência”, citando também a
Exortação Apostólica do papa Francisco, Laudate Deum, sobre a crise
climática, sem esquecer das guerras, que devastam a humanidade.
Seguem outras partes da mensagem, que nos fazem pensar,
refletir:
Parece ainda haver uma falta de consciência de
que a destruição da natureza não afeta todos da mesma forma: espezinhar a
justiça e a paz significa atingir principalmente os mais pobres, os
marginalizados, os excluídos. A este respeito, o sofrimento das comunidades
indígenas é emblemático.
A própria natureza torna-se, por vezes, um instrumento de
troca, uma mercadoria a negociar para obter ganhos econômicos ou
políticos. A Criação transforma-se num campo de batalha pelo
controle dos recursos vitais, como testemunham as áreas agrícolas e as
florestas que se tornaram perigosas por causa das minas, os conflitos em torno
das fontes de água, a distribuição desigual das matérias-primas, penalizando as
populações mais fracas e minando a própria estabilidade social.
Não era certamente isso que Deus tinha em mente quando
confiou a Terra ao ser humano criado à sua imagem, como lemos em Gênesis.
“Cultivar” quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, “guardar” significa
proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de
reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza.
A justiça ambiental já não pode ser considerada um conceito
abstrato ou um objetivo distante. Representa uma necessidade urgente que
ultrapassa a mera proteção do ambiente. Trata-se verdadeiramente de uma questão
de justiça social, econômica e antropológica. Para os que creem em Deus, além
disso, é uma exigência teológica, que para os cristãos tem o rosto de Jesus
Cristo, em quem tudo foi criado e redimido. Num mundo onde os mais
frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das alterações
climáticas, do desflorestamento e da poluição, cuidar da criação torna-se uma
questão de fé e de humanidade.
Trabalhando com dedicação e ternura, muitas sementes de
justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança. Por
vezes, são necessários anos para que a árvore dê os primeiros frutos, anos que
envolvem todo um ecossistema na continuidade, na fidelidade, na colaboração e
no amor, sobretudo se este amor se tornar um espelho do Amor oblativo de
Deus.
Entre as iniciativas da Igreja na dimensão da Ecologia
Integral, o papa Leão XIV citou o projeto Borgo Laudato si’,
que o papa Francisco nos deixou como herança em Castel Gandolfo, “uma semente
que pode dar frutos de justiça e paz. Trata-se de um projeto de educação para a
ecologia integral que visa ser um exemplo de como se pode viver, trabalhar e
fazer comunidade aplicando os princípios da Encíclica Laudato si’”.
Que possamos vivenciar este Tempo da Criação com orações,
certamente, mas também com reflexões, boas ideias, propostas e,
sobretudo, conversão e oportunidade para assumir estilos de vida
coerentes.
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