"Solidão mata 100 pessoas por hora no mundo",
alerta neurologista
Leandro Freitas, doutor em neurologia e neurociências e
professor da UCB, alerta para os efeitos nocivos à saúde física e mental de
ficar sozinho, mesmo com acesso a redes sociais. O problema atinge todas as
faixas etárias, mas entre os jovens é mais preocupante, destaca o especialista.
Por Mariana
Saraiva
postado em 18/07/2025
Os efeitos da solidão no cérebro foram tema central do
programa CB.Saúde — uma produção realizada em parceria entre o Correio
Braziliense e a TV Brasília — exibido nesta quinta-feira (17/7). As jornalistas
Carmen Souza e Paloma Oliveto entrevistaram o doutor em neurologia e
neurociências e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Leandro
Freitas.
A conversa repercutiu relatório inédito, divulgado
recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que revelou dados
alarmantes sobre as consequências da solidão prolongada. Segundo o documento, os impactos da
solidão persistente na saúde física e mental podem ser comparados aos efeitos
para o corpo de fumar 15 cigarros por dia. A solidão, portanto, não deve ser
encarada apenas como uma condição emocional ou passageira, mas como um fator de
risco importante para o bem-estar geral dos indivíduos.
Durante o programa, foi destacado que essa condição afeta
pessoas de todas as idades, demonstrando que o isolamento social não é um
fenômeno restrito a uma faixa etária específica. Crianças, adolescentes,
adultos e idosos podem vivenciar sentimentos de desconexão e ausência de
vínculos significativos, o que contribui para o agravamento de questões de
saúde mental e até mesmo de doenças neurológicas.
Um dos fatores que têm agravado a solidão atualmente é o uso
excessivo da tecnologia. Muitas pessoas vivem imersas nas redes sociais e acabam se afastando das interações
humanas reais. A sociedade vem confundindo qualidade de vida com conforto
individualizado: casas grandes, quartos separados com televisão, frigobar e
wi-fi potente. No entanto, qualidade de vida, em sua essência, era estar à mesa
com pessoas queridas, compartilhar afeto e cultivar a convivência.
De que forma a saúde é afetada pela solidão?
São várias questões que precisamos considerar. A primeira
delas é de que o cérebro é feito de presença. Sempre que falamos em sistema
nervoso, estamos falando de interação, e essa interação é feita com pessoas.
Quando nos isolamos, deixamos de receber estímulos essenciais: visuais,
auditivos, olfativos. Tudo isso alimenta o nosso sistema nervoso. Quando esses
estímulos cessam, o cérebro sofre. Se eu não estou utilizando essas células,
elas entram em um processo de morte programada. Isso aumenta o risco de demência,
de doenças neurodegenerativas. O cérebro começa a atrofiar.
É uma questão fisiológica?
Às vezes, as pessoas tentam separar o cognitivo do
fisiológico, mas o psicológico é uma construção biológica. Isso me preocupa
muito. No mundo primitivo, a gente sobrevivia por meio das interações. Até dois
séculos atrás, não existiam relatos das condições neurológicas que enfrentamos
hoje. Estamos desenvolvendo uma nova forma de viver, hiperconectada,
tecnológica, para a qual nosso corpo, nossa biologia, não está preparada.
Redes sociais ajudam a aliviar a solidão?
A resposta é não. E a ciência comprovou isso. Estudos
mostram que, mesmo uma videochamada, não substitui a presença física. Isso nos
engana, porque cria a falsa sensação de companhia. Tenho milhares de seguidores
nas redes, participo de vários grupos no WhatsApp, mas, ainda assim, posso
estar só. Essa sensação de presença é mascarada. Por isso, a romantização das
redes sociais precisa ser questionada com urgência.
A solidão é pior entre os jovens?
O impacto da solidão em um cérebro ainda em
desenvolvimento é particularmente preocupante. Muitos jovens, hoje, estão
imersos nas redes sociais e deixam de vivenciar interações humanas reais. Isso
é ainda mais perigoso, porque a juventude é um período crítico em que o cérebro
precisa de estímulos constantes para se desenvolver de forma saudável. As redes
sociais não substituem a presença física nem oferecem os mesmos benefícios
neurológicos da convivência real.
Isso pode ser prejudicial até para quem gosta de ficar
sozinho?
É natural que algumas pessoas gostem de passar mais tempo
sozinhas, mas, quando o isolamento se torna excessivo e constante, ele
representa um risco real. Não existe isolamento crônico que não seja
patológico. O ser humano não foi biologicamente preparado para viver isolado.
Isso é incompatível com a nossa saúde, com a nossa sobrevivência física e
emocional.
Quais são os sinais de alerta?
É importante observar comportamentos, especialmente entre
os mais jovens. O alerta acende quando a pessoa começa a evitar o convívio com
amigos, familiares, ou prefere se isolar em vez de participar de interações
sociais. Essa fase da vida é marcada pela necessidade de pertencimento a
grupos. Outro alerta é que hoje, confundimos qualidade de vida com conforto
isolado: casas grandes, quartos separados com televisão, frigobar e wi-fi
potente. Mas qualidade de vida, na essência, era uma mesa cheia, afeto e convivência.
Precisamos resgatar isso.
Qual é a melhor forma de tratamento?
O primeiro passo é reconhecer o problema e buscar ajuda
profissional. Conversar com um psicólogo pode ser essencial para que o
indivíduo compreenda o que está sentindo. Em casos mais graves, em que a pessoa
sente pânico ao sair de casa ou interagir, pode ser necessário o acompanhamento
psiquiátrico, com medicação adequada.
E quais estratégias ajudam a sair da solidão?
Precisamos voltar à essência do convívio humano. Somos
seres sociais, não digitais. Se a gente não mudar isso, a sociedade vai
continuar adoecendo. Antigamente, ligávamos para dar os parabéns; hoje,
mandamos mensagens prontas. Estamos nos afastando muito. O caminho envolve
resgatar o contato humano, com atividades comunitárias, encontros ao ar livre,
jogos em grupo, ações solidárias. O cérebro precisa de interação, de afeto. A
tecnologia veio para ajudar, mas deve ser usada com equilíbrio.
De que forma a solidão pode agravar casos de demência?
Embora fatores genéticos influenciem, os hábitos de vida
são determinantes. Nosso cérebro tem cerca de 86 bilhões de neurônios. Eles
precisam de estímulos constantes. Quando há privação, seja por falta de
convívio, sedentarismo, má alimentação, sono ruim ou ausência de afeto, essas
células começam a morrer. E isso contribui diretamente para o surgimento ou
agravamento de quadros de demência.
A solidão mata?
Mata, sim. Estima-se que quase 100 pessoas no mundo
morrem por hora em decorrência direta ou indireta da solidão (de acordo com o
relatório da OMS). Ela mata fisicamente, ao agravar doenças, e simbolicamente.
Quando nos isolamos, mesmo vivos biologicamente, emocionalmente estamos mortos.
Somos feitos de presença, de vínculo, de troca.
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