Pare e adore: A visita ao Santíssimo Sacramento
Esta prática constitui uma profunda expressão de fé e amor a Cristo na Eucaristia. Em meio aos afazeres cotidianos, oferece uma ocasião de encontro com Deus, um descanso em sua presença, que traz consolo e guia para a vida diária.
07/08/2025
A primeira das devoções
Santo Afonso Maria de Ligório recomendava aos cristãos a
prática da visita ao Santíssimo Sacramento: “Depois da frequência aos
sacramentos, certamente não há devoção mais agradável a Deus e mais útil a nós
que adorar Nosso Senhora na Eucaristia”[10].
Outros santos também se destacaram como exemplos de almas enamoradas do Senhor
na Eucaristia. O Cura d’Ars costumava dizer que se soubéssemos o que é o bom
Jesus no tabernáculo não poderíamos nos separar dele.
Um exemplo mais próximo no tempo é o de São Manuel González,
um bispo conhecido por promover a devoção eucarística dos sacrários
abandonados, a tal ponto que pediu para ser enterrado junto de um sacrário,
“para que meus ossos, depois da minha morte, como a minha língua e minha pena
na vida, estejam sempre dizendo aos que passarem: Jesus está aí! Está aí! Não o
deixeis abandonado!”[11].
São Josemaria quis anotar em um ponto de Caminho a petição que dom Manuel fazia
a uns sacerdotes que acabavam de ser ordenados por ele: “’Tratai-mO bem,
tratai-mO bem!’, dizia, entre lágrimas, um velho Prelado aos novos Sacerdotes
que acabava de ordenar. - Senhor! Quem me dera ter voz e autoridade para clamar
desta maneira ao ouvido e ao coração de muitos cristãos, de muitos!”[12]
O costume da visita também foi fomentado pelo magistério dos
últimos papas. São João XXIII, ao evocar precisamente a piedade eucarística do
Cura d’Ars, dizia que: “nada pode substituir a oração silenciosa e prolongada
diante do altar. A adoração de Jesus, nosso Deus; a ação de graças, a reparação
pelas nossas próprias faltas e pelas dos homens, a súplica por tantas intenções
que lhe são confiadas, elevam (...) ao máximo de amor para com o divino Mestre”[13].
São João Paulo II escreve: “Como não sentir de novo a necessidade de permanecer
longamente, em diálogo espiritual, adoração silenciosa, atitude de amor, diante
de Cristo presente no Santíssimo Sacramento? Quantas vezes, meus queridos
irmãos e irmãs, fiz esta experiência, recebendo dela força, consolação, apoio!”[14].
São Josemaria animava a fazer da Eucaristia o centro da
própria vida: “Luta por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro
e a raiz da tua vida interior, de maneira que toda jornada se converta num ato
de culto – prolongamento da Missa que ouviste e preparação para a seguinte –
que vai transbordando em jaculatórias, em visitas ao Santíssimo, no
oferecimento do teu trabalho profissional e da tua vida familiar...”[15].
E falava frequentemente da necessidade de vê-la como um refúgio em que a alma
encontra consolo e fortaleza. A visita ao Santíssimo é, de certa forma, um
reflexo deste desejo: um encontro pessoal com Deus no meio do dia. Basta, às
vezes, ir até o sacrário uns instantes – inclusive com a imaginação – para
dizer ao Senhor que o amamos e que confiamos nele.
O fundador da Obra cultivou esta devoção desde a juventude.
No seminário de Saragoça, o horário incluía uma breve visita ao Santíssimo na
igreja depois do almoço, como ação de graças. Na capela do seminário, no
entanto, o Santíssimo não ficava reservado de forma permanente até 1926, exceto
em algumas festividades[16].
Em alguns momentos de recreio, São Josemaria dava umas fugidas para
visitar o Santíssimo de uma tribuna, com vista para a igreja, fato que não
passava despercebido e que chamava a atenção de seus colegas.
Depois das novas disposições de São Pio X sobre a comunhão
frequente, esta prática foi promovida entre os seminaristas, junto com uma
maior devoção eucarística fora da Missa. Eram estimuladas as visitas
reparadoras, as visitas em comum ao entrar e sair da casa, e inclusive se
procurava que o Santíssimo fosse acompanhado por algum aluno durante os
intervalos.
No Opus Dei este antigo costume se realiza na prática
diária de fazer uma breve visita ao Santíssimo Sacramento, de preferência no
meio do dia, depois do almoço. Consiste em rezar três vezes o Pai Nosso, a Ave
Maria e o Glória, e terminar com uma comunhão espiritual. Antes de cada
estação, quem dirige a oração diz, como ato de fé e desagravo: Adoremus
in aeternum Sanctissimum Sacramentum, e todos repetem a mesma
aclamação[17].
Os fiéis do Opus Dei procuram também, naturalmente, visitar o Senhor em
outros momentos do dia, mesmo que seja brevemente: ao entrar ou sair de um
centro, ao passar diante de uma igreja, etc.
Um leiteiro e uma camponesa
Josemaria via o sacrário como o lugar em que Jesus está
sempre nos esperando para nos ouvir e ajudar, e considerava as visitas ao
Santíssimo como momentos privilegiados para corresponder ao amor do Senhor,
mostrando-lhe nosso agradecimento por ter ficado conosco. Às vezes, ele usava
alguns fatos pitorescos que inspiravam a viver as devoções de modo natural. Um
deles é de um homem que, ao passar todos os dias em frente de uma igreja,
entrava um instante e dizia: “Jesus, aqui está Juan, o leiteiro”[18].
A visita é um convite a fazer uma parada em nosso dia, entrar em uma igreja ou
oratório, olhar para o sacrário e falar com do fundo do coração. Essas pausas
podem ser, além disso, um momento para que o Senhor renove nossas forças e
alivie as cargas do dia.
Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein, intelectual
judia, contava que, na época em que estava se aproximando da fé cristã observou
certo dia uma aldeã entrar na catedral de Frankfurt com suas cestas de compras,
e permanecer alguns momentos rezando. “Para mim, aquilo era algo totalmente
novo. Era só para o culto religioso que se ia às sinagogas e às igrejas
protestantes que eu conhecia. Agora eu via ali alguém que, em meio a suas
preocupações cotidianas, dirigia-se à igreja deserta para uma conversa íntima”[19].
Em um mundo de ritmo vertiginoso, a visita ao Santíssimo
constitui um refúgio, um espaço em que achamos paz e consolo no Senhor. “Para
mim, o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranquilo e aprazível onde está
Cristo, onde lhe podemos contar as nossas preocupações, os nossos sofrimentos,
os nossos anelos e as nossas alegrias, com a mesma simplicidade e naturalidade
com que lhe falavam aqueles seus amigos Marta, Maria e Lázaro”[20].
Assim, podemos desenvolver a capacidade de ouvir o que Deus quer nos dizer,
muitas vezes através das pessoas que nos rodeiam. “Na nossa pressa, com mil
coisas para dizer e fazer, não encontramos tempo para parar e ouvir aqueles que
falam conosco (...) Perguntemo-nos: como vai a minha escuta? Será que me
sensibilizo com a vida das pessoas, que sei como ter tempo para ouvir os que me
rodeiam”?[21] Visitar
Jesus no sacrário é uma oportunidade para que Ele cure nossos sentidos e libere
nosso coração da inquietação da pressa.
Como o João, o leiteiro, ou como essa senhora de Frankfurt
que fazia compras, as visitas ao Santíssimo não requerem sempre longas orações
ou cerimônias elaboradas. Basta estar lá, olhar para Ele e deixar-se olhar por
Ele. Este encontro pessoal nos transforma, porque nos coloca diante do maior
amor, do Deus que quis ficar conosco na Eucaristia. “A sagrada Eucaristia
introduz a novidade divina nos filhos de Deus, e devemos corresponder in
novitate sensus, com uma renovação de todos os nossos sentimentos e de
toda a nossa conduta. Foi-nos dado um princípio novo de energia, uma raiz
poderosa, enxertada no Senhor. Não podemos voltar ao antigo fermento, nós que
temos o Pão de hoje e de sempre”[22].
Deter-se diante do sacrário é mais que um ato de piedade: é
uma declaração de fé. No silêncio do templo, longe da agitação do mundo, Jesus
nos convida descansar nele. Este tempo dedicado à adoração não só ajuda a
fortalecer nossa relação com Deus, mas nos transforma, tornando-nos mais
conscientes do seu amor e da nossa missão no mundo.
“Jesus ficou na Hóstia Santa por nós: para permanecer ao
nosso lado, para amparar-nos, para guiar-nos. – e amor somente com amor se paga
– como não havemos de ir ao Sacrário, todos os dias, nem que seja apenas por
alguns minutos, para levar-Lhe a nossa saudação e o nosso amor de filhos e de
irmãos?”[23] No
Opus Dei, este costume milenar concretiza-se em realizar uma breve visita
a um oratório, capela ou igreja rezando algumas orações vocais e uma comunhão
espiritual diante do Santíssimo, como sinal de adoração trinitária: “A adoração
do Deus três vezes santo e sumamente amável nos enche de humildade e dá
garantia a nossas súplicas”[24].
Este costume é também uma oportunidade para recordar que
Cristo está sempre próximo, à nossa espera, disposto a ouvir-nos e
acompanhar-nos em cada passo. Cada vez que fazemos uma visita ao Santíssimo
podemos levar conosco, além disso, as intenções das pessoas que amamos, nossas
preocupações e nossas alegrias. “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob
o fardo, e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). Estas palavras de Jesus podem
tornar-se realidade em cada visita ao Santíssimo. Lá, diante da sua presença, achamos
o alívio e a paz que só Ele pode dar, e encontramos força para continuar em
frente e luz para enfrentar os desafios de cada dia.
Na Obra, costuma-se terminar a visita com a comunhão
espiritual que São Josemaria aprendeu de um padre escolápio durante seus anos
escolares. Considerava essa pequena oração uma fonte inesgotável de graças e um
meio eficaz para viver a presença de Deus.
Além disso, a comunhão espiritual é também uma preparação
para receber o Senhor na Eucaristia cada vez que participamos na santa Missa.
De fato, esta é a razão de ser da visita e das outras devoções eucarísticas:
preparar, agradecer, recordar..., numa palavra, atualizar a comunhão
eucarística no santo sacrifício do altar. Assim o compreenderam e viveram os
santos, destacando a conexão da visita e da comunhão espiritual com a Comunhão
sacramental.
Durante o confinamento da recente pandemia, devido às
restrições às missas presenciais e ao acesso limitado à Eucaristia, muitos
fiéis recorreram à comunhão espiritual como expressão do desejo e do amor para
com a Eucaristia, de seu anseio de receber Jesus em seu coração quando não é
possível fazê-lo sacramentalmente.
“Maria pode guiar-nos para este Santíssimo Sacramento porque
tem uma relação profunda com ele”[25].
Nossa Senhora, que teve o Senhor em seu seio durante nove meses, e pôde
tratá-lo durante grande parte de sua vida, pode ajudar-nos a cuidar com esmero
de nossas visitas ao Santíssimo e, assim, continuar adorando-o com todos os
anjos.
[10] Santo
Afonso Maria de Ligório, Visitas ao Santíssimo Sacramento, São
Paulo, 2022, p. 13.
[11] Epitáfio
do túmulo de São Manuel González, Capela do sacrário da catedral de Palência
[12] Caminho, n.
531
[13] São
João XXIII, Sacerdotii nostri primordia, II.
[14] São
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 25
[15] Forja n.
69
[16] Cfr.
R. Herrando Prat de la Riba, Los años de seminario de Josemaria Escrivá
en Zaragoza, 1920-1925: el seminario de Sam Francisco de Paula, Rialp,
Madri 2002, p. 53
[17] De
spiritu (35). Em português, quem está dirigindo a visita costuma dizer
antes de cada estação: “Graças e louvores sejam dados a todo momento” e todos
respondem: “ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!”
[18] A.
Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei, I, Quadrante, São
Paulo 2004, p. 459.
[19] E.
Stein, Vida de uma família judia e outros escritos, Paulus, Roma
2007, p. 303.
[20] É
Cristo que passa, n. 154.
[21] Francisco,
Ângelus, 5/09/2021
[22] É
Cristo que passa, n. 155
[23] Sulco,
686
[24] Catecismo
da Igreja Católica, n. 2628
[25] São
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n. 53.
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