Cibele
Battistini - publicado em 05/12/25
No final do ano, as luzes tomam as ruas, as vitrines
piscam e os carrinhos dos shoppings parecem ganhar vida própria.
No Brasil, esse país imenso e desigual, o Natal costuma
acender contrastes: de um lado, a classe média alta com suas ceias fartas,
viagens marcadas e presentes importados; do outro, famílias que fazem milagres
para colocar algo simples na mesa.
Ainda assim, há um traço que
atravessa essas diferenças: a capacidade de doar, de estender a mão, de se
comover com o outro.
É aqui que a parábola da viúva (Lucas 21, 2–4) que ofertou
suas duas únicas moedas ressurge com força. Ela não deu o que “sobrou”. Deu
tudo o que tinha. Não porque queria reconhecimento, mas porque acreditava que
ajudar importa — mesmo quando parece pouco.
A narrativa bíblica (Lucas 21, 2–4) — recontada
Jesus observava as pessoas depositando suas ofertas no
templo. Muitos ricos colocavam quantias grandes, chamando atenção pelo barulho
das moedas ao cair. Mas entre eles surgiu uma viúva pobre, que deixou cair
apenas duas pequenas moedas — moedas tão simples que quase não faziam som. Foi
então que Jesus disse aos que estavam ao seu lado que aquela mulher, embora
parecesse ter dado pouco, na verdade tinha oferecido mais do que todos, porque
entregou tudo o que possuía para viver naquele dia.
E essa parábola, contada há séculos, continua
surpreendentemente moderna.
Quando a gente olha para o Brasil real — o da senhora que
doa um pacote de arroz mesmo sabendo que fará falta na semana seguinte, ou do
jovem que reparte o que ganhou no trabalho informal — percebe que o coração
generoso costuma morar nos lugares mais improváveis.
Em comunidades onde o dinheiro
é curto, a solidariedade é larga. Onde falta luxo, sobra partilha. Há quem se
organize para montar ceias coletivas, quem dê brinquedos usados mas limpos e
arrumados, quem entre numa vaquinha sabendo que o próprio bolso está apertado.
É quase como se o espírito da viúva ainda caminhasse entre nós.
Mas e quem tem mais? Como fica quem vive com conforto,
estabilidade, cartão de crédito sem susto? A oferta dessas pessoas é maior em
valor numérico, claro — mas será que pesa no coração? Será que transforma? Será
que custa? Ou é um gesto automático, quase protocolar?
E você, leitor — como se encaixa nessa história?
No meio da correria das compras, das festas e dos compromissos, cabe uma pausa
honesta: o que eu tenho ofertado realmente me envolve?
Minhas “duas moedas” são só o que sobra… ou algo que eu escolho dar de
verdade?
Meu Natal toca alguém além da minha própria mesa?
O Brasil, com toda a sua diversidade e contrastes, talvez
nos ensine algo fundamental: solidariedade não é sobre quantidade, é sobre
intenção.
E, às vezes, quem tem menos entrega mais — não em cifras, mas em significado.
Neste Natal, talvez valha perguntar:
Será que eu daria as minhas duas únicas moedas?
O sentido teológico — um gesto que revela o coração
Teologicamente, a viúva revela o núcleo da fé cristã:
confiança radical. Ela entrega mais do que moeda; entrega dependência, entrega
vulnerabilidade, entrega sua própria segurança material nas mãos de Deus.
Enquanto os ricos ofertam do que lhes sobra, ela oferece do que lhe sustenta —
um gesto que ultrapassa a matemática e entra no campo da espiritualidade. A
lógica divina, presente no ensinamento de Jesus, vira o raciocínio humano de
cabeça para baixo: o valor de uma oferta não está no tamanho da quantia, mas na
profundidade do amor que a motiva. A viúva encarna o que Jesus mais admirava —
a entrega sincera, o coração que não calcula, a fé que não espera retorno. E é
exatamente isso que confronta cada um de nós: quando ajudo, estou
realmente oferecendo algo de mim… ou apenas liberando o que não me faz falta?

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