Cyprien Viet - publicado em 27/08/25
Desde o início de seu pontificado, Leão XIV fez numerosas referências a Santo Agostinho, bispo de Hipona. Este Padre da Igreja, marcado pela experiência de uma conversão radical aos 32 anos, estruturou uma teologia cristã voltada para a aceitação da graça divina.
“Sou filho de Santo Agostinho”: essas palavras de Leão XIV,
pronunciadas já em sua primeira aparição na sacada da Basílica de São Pedro, na
tarde de sua eleição, marcaram o tom de um pontificado “agostiniano”, assim
como o de Francisco foi “ignaciano”. Robert Francis Prevost, que foi Prior
Geral da Ordem de Santo Agostinho de 2001 a 2013, forjou sua vocação e sua
trajetória à sombra desse Padre da Igreja, que marcou de forma duradoura o
pensamento cristão, insistindo na fé, na graça divina e na conversão.
A partir do século XIX, a formação do clero tendeu a
centrar-se em São Tomás de Aquino, cuja concepção da relação entre fé e razão
se inspira na filosofia grega, em particular em Aristóteles. No pensamento
tomista, a observação da natureza e o conhecimento da história devem conduzir a
uma ética virtuosa e a uma demonstração racional da existência de Deus.
Santo Agostinho, que não era propriamente helenista, deu
maior ênfase à experiência da Revelação e da conversão, na perspectiva da união
com o divino. Marcado pelas invasões bárbaras e pelo colapso das instituições
herdadas do Império Romano, propôs uma concepção da história que revela uma
luta dramática entre a Cidade de Deus e a cidade terrena.
De Tomás a Agostinho, uma nova inflexão teológica
O magistério dos papas contemporâneos geralmente seguiu o
quadro tomista, com a notável exceção de Bento XVI, que defendeu uma tese sobre
Santo Agostinho quando era ainda um jovem sacerdote, em 1953. Em várias
ocasiões, ele destacou seu afeto por esse Padre da Igreja. “Quando leio seus
escritos, nunca tenho a impressão de que sejam de um homem que morreu há 16
séculos. Encontro um homem contemporâneo, um amigo que me fala, que nos fala,
com uma fé fresca e absolutamente atual”, afirmou Bento XVI durante uma
catequese em 2008.
Leão XIV poderia, sem dúvida, ecoar essas palavras do Papa
alemão, tamanha foi a influência de Santo Agostinho em seu pensamento e em seus
discursos. Em 12 de maio, durante seu primeiro encontro com o mundo da
comunicação, o novo Papa confidenciou que “não pode haver comunicação e
jornalismo fora do tempo e da história”, retomando a célebre citação de um
discurso de Santo Agostinho: “Vivamos bem, e os tempos serão bons. Nós somos os
tempos.”
Os “tempos” deste novo pontificado se abrem, portanto, com
um tom agostiniano que promove a unidade. “A Igreja é formada por todos aqueles
que estão em harmonia com seus irmãos e que amam o próximo”, disse Leão XIV,
citando um sermão de Santo Agostinho em sua Missa de Investidura, no dia 18 de
maio. O objetivo do novo Papa era promover “uma Igreja fundada no amor e sinal
de unidade”.
No dia 19 de maio, em seu discurso aos delegados de outras
Igrejas e religiões que haviam participado de sua Missa de instalação no dia
anterior, Leão XIV retomou o significado de seu lema: In Illo uno unum,
uma expressão de Santo Agostinho de Hipona que significa: “No Uno — isto é,
Cristo — somos um.”
Em 21 de junho, em seu discurso por ocasião do Jubileu dos
Líderes Políticos, o Papa reiterou a importância da liberdade religiosa e do
diálogo inter-religioso, sublinhando que “a crença em Deus, com os valores
positivos que dela derivam, é uma imensa fonte de bem e de verdade na vida das
pessoas e das comunidades”. Ele se apoiou na Cidade de Deus de
Santo Agostinho, “uma sociedade em que a caridade é a lei fundamental” e para a
qual o homem deve passar do “amor egoísta a si mesmo, fechado e destrutivo” ao
“amor gratuito, enraizado em Deus e que conduz ao dom de si mesmo”.
Amar a Igreja
Dirigindo-se ao clero de Roma em 12 de junho, Leão XIV
também se inspirou em Santo Agostinho para lançar este vibrante apelo aos
sacerdotes da capital italiana:
“Amem esta Igreja, vivam nela, formem-na tal como ela acaba
de lhes aparecer (…). Rezem também pelas ovelhas dispersas, para que também
elas retornem, para que também elas reconheçam e amem a verdade, para que haja
um só rebanho e um só pastor.”
O atual Prior Geral dos agostinianos, padre Alejandro Moral
Antón, destacou em uma entrevista que três palavras essenciais resumem a
espiritualidade agostiniana: a busca da verdade, a prática da caridade e a
unidade. Agostinho também falou muito da interioridade, afirmando que Deus é
“mais íntimo que a intimidade de mim mesmo”. O religioso, que sucedeu o padre
Prevost em 2013, acredita que “o Papa Leão XIV traz com força essas dimensões
espirituais, algo de que a Igreja tem grande necessidade hoje”.
Essa teologia agostiniana também dá um lugar importante às
emoções: ao deixar escapar algumas lágrimas, especialmente quando recebeu o
Anel do Pescador durante sua Missa de instalação em 18 de maio, Leão XIV
seguia, de certo modo, os passos de Santo Agostinho, às vezes apelidado de
“Doutor das Lágrimas”. A dimensão da “graça das lágrimas” está muito presente
em seus escritos, sobretudo nos de sua mãe, Santa Mônica, que rezou intensa e
dolorosamente pela conversão do filho.
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