Zyta
Rudzka - Aleteia
Brasil - publicado em 17/02/17 - atualizado em 21/07/25
As experiências da infância têm reflexos na idade adulta.
Mas não precisa ser assim.
Gabi faz de tudo para que seu marido esteja contente com
ela. Mas André continua se queixando. “Por que comprou tanto queijo? Estacionou
mal o carro. Não deixou bem alinhado. Vai sair novamente? Aonde vai? Todas as
suas amigas são idiotas.... Quem mudou minhas chaves de lugar?”
Gabi não diz nada, não tenta corrigi-lo, apesar de seu
comportamento tão desagradável.
Mas, por que aguentá-lo? Porque poderia ser pior!
Gabi, que é filha de um alcoólatra, sabe que o comportamento
de Andrés é algo insignificante comparado aos espancamentos, insultos, ao fato
de ter sido largada na rua ou ter as coisas jogadas pela janela. Quando
conheceu Andrés, a informação principal para ela era que ele não tomava bebidas
alcoólicas. Que alívio! Sentia que, finalmente, ia encontrar refúgio depois de
uma infância difícil. E agora, depois de 10 anos de casamento, não acha que
este seja um mau refúgio.
Muito frequentemente, encaramos com ironia o trabalho dos
psicoterapeutas a quem recorremos com os recentes problemas matrimoniais. Eles
nos pedem para contar toda a nossa vida, desde os tempos de Adão e Eva. Não sem
razão. O cenário da infância só pode ser reproduzido na vida adulta.
Na casa de Gabi não tem álcool, tampouco felicidade
Gabi anda sempre em silêncio e pisando em ovos. Sofre, mas
finge ser uma bailarina.
Tinha medo de seu pai, e, agora, cede diante de seu marido.
É passiva, impotente. As más recordações são como um radar que alerta
constantemente: “aperte os dentes. Aguente firme. Lembre-se: poderia ser pior.”
Ela justifica que seu marido é prepotente. Não consegue ver
que sua relação poderia ser de outra maneira. Segue olhando o mundo através dos
olhos da filha de um alcoólatra: o papai está zangado, tenho que me retirar do
seu caminho.
Uma infância difícil pode ser uma fonte de fortaleza
Na verdade, existe uma grande quantidade de literatura
psicológica e científica que mostra que as pessoas que alcançaram o sucesso na
vida adulta geralmente tiveram sobrecarga emocional negativa nos primeiros anos
de vida. Na infância, sofreram abuso, negligência, abandono, mas foi justamente
isto que construiu suas resistências mentais.
A literatura não ensina somente como sobreviver, mas também
como não se dar por vencido. Ensina como atuar em uma situação de medo,
sofrimento, impotência e falta de apoio. Como tirar forças quando só podemos
contar com nós mesmos.
Os velhos traumas não devem cortar nossas asas
Geralmente, um pato feio se transforma em um lindo cisne. O
autor deste conto de fadas, Hans Christian Andersen, escreveu sobre si mesmo,
que nasceu como o filho não desejado de uma lavadeira alcoólatra e de um
sapateiro pobre e se transformou em um dos dez escritores mais publicados do
mundo, traduzido para 163 idiomas.
Gabi, como a maioria das crianças, provavelmente chorou pelo
destino do patinho feio. Mas ela foi, realmente, como ele? Por que então ela
não se deu bem? Por alguma razão seu doloroso passado é para ela um colete de
forças, e não como um fundo de onde pode extrair suas forças.
Através da síndrome da “criança maltratada” pode-se
justificar tudo. É uma boa desculpa para não fazer nada com sua vida. Para
submeter-se, ter medo, proteger, perdoar, estar sempre na segunda fila.
Podem haver muitas lascas dolorosas do passado. Se não
superarmos, podemos sofrer as consequências de uma infância difícil na vida
adulta.
É bom olhar para trás. Mas é preciso saber o motivo
Gabi deve deixar de se ver como vítima: “não é por culpa
minha que meu pai bebia. Já não sou criança, não tenho que me fechar no museu
de queixas e temores infantis.”
Crescer em uma casa com vícios não é razão para ter
vergonha, mas, sim, de orgulho! Diga a si mesma: “Estou orgulhosa por ter
sobrevivido. Sobrevivi por que fui forte. É assim que penso de mim mesma, que
sou uma mulher forte. Vou seguindo com a cabeça erguida.”
Cuide-se
O amor, o sentimento de segurança, o apoio, o respeito e a
compreensão, tudo o que Gabi não recebeu de seu pai agora ela pode receber de
si mesma.
Na infância, ela era dependente do amor de seu pai. Agora,
não precisa mais disso. Talvez devesse se cuidar. Então, existe uma
possibilidade de não ter que pagar para sempre pelos seus traumas com juros.
Com todo o respeito pelo que você sente e pensa, agora não
importa o que passou, mas o que você aprendeu com estas experiências. O que
você venceu? Contra o que você criou resistência? Como isso tudo a preparou
para o papel de esposa e mãe?
Gabi, quando era criança, te feriam. Agora, você é uma
mulher adulta e, finalmente, pode viver em um mundo em que você define as
regras.
Você já não é mais uma menina indefesa
Defenda-se, fale, negocie, estabeleça. Você tem os mesmo
direitos de seu marido. Em vez de agir com submissão, fale. Defenda seu direito
à liberdade, à amizade, a comprar a quantidade de queijo que quiser. E você
pode cuidar desta menina sofredora dentro de você. Fazer com que ela não chore
mais, que não se sinta ferida nem só.
Se você não sabe como fazer, participe de alguma reunião dos
grupos de apoio às famílias de alcoólatras, obtenha ajuda terapêutica e faça
contato com pessoas que estão enfrentando aquilo que uma vez as ajudou a
sobreviver em um lar problemático.
Crescer significa assumir a responsabilidade de nossa
própria história, comprovar a data de validade de nossos medos. Creio que o
melhor é trabalhar para superar-se, ao invés de consentir que nossas vidas
sejam governadas por medos infantis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário