POR QUE O PL DA DEVASTAÇÃO FERE A ECOLOGIA INTEGRAL E
AGRAVA A CRISE DO CLIMA?
18/07/2025
Dom Vicente de Paula Ferreira
Bispo de Livramento de Nossa Senhora (BA)
Justamente quando o mundo clama por medidas urgentes contra
a emergência climática, o Congresso brasileiro aprova um projeto que pode
aprofundar o colapso ambiental. Na madrugada de quinta-feira, 17 de julho, a
Câmara dos Deputados aprovou o PL 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação,
que agora aguarda a sanção presidencial. Trata-se de uma medida que flexibiliza
drasticamente as regras de licenciamento ambiental no Brasil. Assim, em vez de
fortalecer a legislação ambiental, a maioria dos Deputados Federais e Senadores
opta por enfraquecê-la ainda mais, em um momento crítico para o futuro do
planeta.
Essa escolha política, que ameaça diretamente os mecanismos
de proteção da vida e dos ecossistemas, contraria princípios fundamentais de
diversas tradições religiosas e espirituais — entre elas, a tradição
judaico-cristã. “Então Deus viu que tudo que havia feito era muito bom” (Gn 1,
31), afirma o texto sagrado. O salmista reza: “quando vejo os teus céus, obra
dos teus dedos, a lua e as estrelas, as coisas que criaste, que é o ser humano,
para dele te lembrares, o filho do homem, para que o visites?” (Sl 8,
4-5).
A tradição judaico-cristã, ao conceito de natureza
acrescenta o de criação, compreendendo a relação do criador com suas criaturas.
E, nesse horizonte, ensina que o ser humano possui a nobre vocação de guardião
da maravilhosa obra divina. No entanto, a complexa crise socioambiental revela
que nossa espécie é responsável pelo grande desequilíbrio do planeta. Realidade
que tem levado os cientistas a afirmarem que chegamos a um decênio decisivo
(MARQUES, 2023). E temos que ter atitudes urgentes para o enfrentamento do
aquecimento global que, como fruto das opções humanas, ameaça nossa vida no
Planeta Terra.
Conscientes desses graves problemas climáticos e de nossa
tarefa ética enquanto guardiães da criação, fomos surpreendidos pelo PL
2.159/2021. Este projeto de lei concede aos interesses econômicos o direito de
autodeclaração do que considerarem de baixo impacto. A própria empresa, por
exemplo uma mineradora, é que vai dizer se uma área a ser explorada necessita
ou não de licença ambiental. No momento em que temos que fortalecer as leis de
proteção ecológica, o Brasil se coloca na contramão ao enfraquecê-las ainda
mais. Em nota, a CNBB afirmou: “essa proposta legislativa representa um grave
retrocesso na política ambiental brasileira, desmonta o processo de
licenciamento no país e fragiliza os instrumentos de controle e prevenção de
danos socioambientais”.
De fato, flexibilizar as leis que protegem nossa
biodiversidade é reforçar os empreendimentos predatórios. Conceder ainda mais
autonomia a essas atividades para avançarem sobre territórios indígenas,
comunidades tradicionais e quilombolas, afetando nossos biomas, comprometendo a
estabilidade hídrica e a preservação dos rios, é colaborar diretamente com o
agravamento da crise climática. A exploração abusiva da natureza sustenta um
modelo de consumo insustentável, guiado principalmente pelos interesses das elites
econômicas globais. Essa parcela mais privilegiada e concentradora de poder e
riqueza no planeta é o grupo que mais polui o ar e acelera as mudanças
climáticas. Nossas matas ciliares, áreas de recarga hídrica, zonas úmidas serão
atingidas, ainda mais, em nome de poder e dinheiro. Além de ser
inconstitucional, o projeto da devastação não afetará apenas o Brasil, mas
também a Bolívia, o Peru, o Paraguai, Uruguai e outros países. O pior cenário
seria a perda de sustentabilidade da Amazônia enquanto ecossistema tropical.
Bioma que não possui 18% de sua floresta original.
Igrejas e a sociedade não podem compactuar com esse projeto
da devastação, pois ele acelerará o ecocídio e agravará a crise climática. Não
precisamos de mais projetos que contradizem os princípios da ecologia integral,
atacando territórios, vidas humanas e mudando o clima, em nome da ganância. Não
é por acaso que nosso país amarga índices muito altos de violência contra
ambientalistas. Basta de ameaças, perseguições e mortes de defensores dos
direitos humanos e da natureza. Com a proximidade da COP 30 no Brasil, o que
esperamos é um pacto pela ecologia integral.
Recentemente, as conferências e conselhos episcopais
católicos da África, Ásia e América Latina e Caribe publicaram uma mensagem
intitulada “Um chamado por justiça climática e a casa comum, conversão
ecológica, transformação e resistência às falsas soluções”. Trata-se de uma
denúncia contra o chamado capitalismo verde. Porque ele continua maquiando a
realidade para favorecer o extrativismo ilimitado. O documento também anuncia
que a sustentabilidade está na defesa da ecologia integral enquanto paradigma
para uma nova forma de relação do ser humano com a criação. Propõe reais
alternativas de proteção do meio ambiente e da sociedade que estão em curso nas
sabedorias de nossos povos e na resistência de muitos movimentos sociais. Pois
não podemos sonhar com uma existência saudável se, em nome do lucro, estamos
alterando o clima a ponto de nossa vida ficar insustentável neste planeta. É
por tudo isso que dizemos NÃO ao PL da Devastação.
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