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sábado, 19 de julho de 2025

O “Espírito de Geometria” e o “Espírito de Finesse” em Blaise Pascal

O "Espírito de Geometria" | Tribuna do Norte.

O “ESPÍRITO DE GEOMETRIA” E O “ESPÍRITO DE FINESSE” EM BLAISE PASCAL 

18/07/2025

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)

Nas Pensées de Blaise Pascal, encontramos uma das distinções mais marcantes do pensamento moderno: a diferença entre o “esprit de géométrie” (espírito de geometria) e o “esprit de finesse” (espírito de fineza). Essa distinção ilumina duas formas complementares de conhecer e pensar, lançando luz não apenas sobre os limites da razão, mas também sobre a centralidade da vida interior e da busca espiritual. 

Pascal, homem de ciência e fé, compreendia profundamente o “espírito de geometria”, a capacidade de raciocinar com clareza, exatidão e coerência, partindo de princípios bem definidos e avançando por meio de deduções rigorosas. Essa forma de pensar domina as ciências exatas e é essencial para o progresso técnico. Contudo, tem dificuldade em apreender as realidades humanas mais sutis e profundas, como o amor, a fé, a graça e a sabedoria prática. 

É nesse ponto que entra o “esprit de finesse”. Trata-se de uma inteligência sensível, intuitiva, que percebe nuances e capta os primeiros princípios por meio da experiência interior, especialmente do coração. Pascal insiste que esse espírito não apenas é legítimo, mas, muitas vezes, muito mais seguro que o raciocínio lógico. Ele é fundamental para a vida moral, para a fé e para as relações humanas, pois permite compreender o não dito, agir com empatia e discernir com profundidade. 

Para Pascal, o coração não é apenas sede de emoções, mas uma faculdade de conhecimento real e profundo. É nesse contexto que ele afirma: “O coração tem razões que a própria razão desconhece” (Pensées, 277). Essa célebre frase expressa a convicção de que nem tudo o que é verdadeiro pode ser demonstrado pela lógica formal e que há uma forma de sabedoria que brota da experiência vivida e da abertura ao mistério. 

A distinção entre esses dois espíritos não é um convite à oposição entre razão e sentimento, mas à integração. O espírito de geometria sem fineza torna-se frio e insensível; o espírito de fineza sem geometria corre o risco de ser sentimentalista e instável. A verdadeira sabedoria nasce do diálogo entre os dois, da razão iluminada pelo coração, e do coração purificado pela razão. 

No contexto contemporâneo, essa distinção mostra-se especialmente atual. Vivemos em uma era em que o espírito de geometria predomina: algoritmos, inteligência artificial e lógica técnica orientam decisões e estruturas. Contudo, os grandes desafios éticos, espirituais e humanos — como o sentido da vida, a dignidade da pessoa humana, a justiça, o sofrimento e a fé — não se resolvem apenas com dados e técnica. Eles exigem escuta, empatia, discernimento e abertura ao transcendente. 

Na prática pastoral, essa distinção também é fecunda. As estruturas e normas (espírito de geometria) são necessárias. Mas, sem o espírito de fineza — isto é, sem misericórdia, acolhida e discernimento — corre-se o risco de tornar a fé árida e o Evangelho sufocado por formalismos. 

Ao recuperar essa distinção, Pascal nos convida a redescobrir a beleza da intuição espiritual e a cultivar a humildade diante do mistério. Em um mundo tentado pelo controle total e pela superficialidade emocional, a sabedoria pascaliana nos indica um caminho seguro: unir razão e coração na busca do que realmente importa — a verdade, o bem e o amor. Como ele mesmo escreveu: “Não se entra no coração senão pelo coração.” 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF