Formação da personalidade (3): O correto amor a nós
mesmos
O autoconhecimento, com virtudes e defeitos, me faz feliz?
13/07/2021
Aceitação pessoal: o Senhor nos ama assim
Ao considerar o nosso modo de ser à luz de Deus, estamos em
condições de nos aceitarmos como somos: com talentos e virtudes, mas também com
defeitos que admitimos humildemente. A verdadeira autoestima implica reconhecer
que nem todos são iguais e aceitar que outras pessoas podem ser mais
inteligentes, tocar melhor um instrumento musical, ser mais atléticas... Todos
temos boas qualidades que podemos desenvolver e, o que é mais importante, todos
somos filhos de Deus. Nisso consiste a genuína autoaceitação, o sentido
positivo do amor próprio do cristão que quer servir a Deus e aos outros,
rejeitando as comparações excessivas que poderiam nos levar à tristeza.
Também nos aceitaremos como somos se não perdemos de vista que Deus nos ama com as nossas limitações, que fazem parte do nosso caminho de santificação e são matéria da nossa luta. O Senhor nos escolhe, como os primeiros Doze: homens comuns, com defeitos, com fraquezas, com a palavra mais fácil que as obras. E, entretanto, Jesus chama-os para fazer deles pescadores de homens, corredentores, administradores da graça de Deus[5].
Diante dos sucessos e dos fracassos
Com base nessa perspectiva sobrenatural, contemplam-se com
maior profundidade o nosso modo de ser e a nossa trajetória biográfica,
compreendendo todo o seu sentido. Relativizamos, com uma visão de eternidade,
os sucessos e as conquistas temporais. Então, se nos alegramos com o sucesso na
nossa atividade, sabemos também que o mais importante é que esta tenha servido
para crescer em santidade. É o realismo cristão, maturidade humana e
sobrenatural, que, do mesmo modo que não se deixa levar pela exaltação, que
pode provocar o triunfo ou elogios, não se deixa levar pelo pessimismo diante
de uma derrota. Como ajuda dizer, como São Pedro, que fizemos o bem em
nome de Jesus Cristo Nazareno![6]
Ao mesmo tempo, admitir que as dificuldades externas e as
próprias imperfeições limitam as nossas conquistas é um dos aspectos que dá
forma à nossa autoestima, fundamenta a maturidade pessoal e abre as portas do
aprendizado. Só podemos aprender com o reconhecimento das nossas carências e
com a atitude de extrair experiências positivas do que aconteceu.
Fracassaste! – Nós nunca fracassamos. – Puseste por completo a tua confiança em
Deus. Não omitiste, depois, nenhum meio humano. Convence-te desta verdade: o teu
êxito – agora e nisto – era fracassar. – Dá graças ao Senhor e... torna a
começar![7].
Estamos em condições de empreender o caminho da Cruz, que mostra os paradoxos
da fortaleza da fraqueza, a grandeza da miséria e o crescimento na humilhação,
e ensina sua extraordinária eficácia.
Trabalhar com segurança e saber retificar
A segurança pessoal é mais firme quando nos apoiamos em
saber-nos filhos amados de Deus, e não na certeza obter o sucesso, que muitas
vezes foge de nós. Essa convicção permite tolerar o risco que acompanha
qualquer decisão, superar a paralisia da insegurança e ter uma atitude de
abertura à novidade. Não é prudente quem nunca se engana, mas quem
sabe retificar os seus erros. Esse é prudente porque prefere não acertar vinte
vezes a deixar-se levar por um cômodo abstencionismo. Não atua com tresloucada
precipitação ou com absurda temeridade, mas assume o risco das suas decisões e
não renuncia a conseguir o bem por medo de não acertar[8].
Partindo das limitações pessoais e da capacidade de aprender
do ser humano, retificar supõe uma melhoria, um enriquecimento pessoal que, por
sua vez, reverte nas coisas e pessoas que nos rodeiam, contribuindo
simultaneamente a aumentar a confiança em nós mesmos e no ambiente em que
vivemos. Quem se põe nas mãos do Pai celestial está seguro, pois todas
as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus[9],
inclusive as quedas, quando pedimos perdão ao Senhor e, com a sua graça, nos
levantamos com mais humildade. Deste modo, saber retificar faz parte do
processo de conversão: Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a
nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se reconhecemos os nossos pecados,
(Deus aí está) fiel e justo para nos perdoar os pecados e para nos purificar de
toda iniquidade[10].
Uma virtude indispensável
A autoestima cresce, em síntese, com a ajuda da
humildade, porque é a virtude que nos ajuda a conhecer
simultaneamente a nossa miséria e a nossa grandeza[11].
Quando falta essa atitude da alma, não é raro que apareçam problemas de estima
pessoal. Mas quando se cultiva, a pessoa se enche de realismo, e se avalia de
modo certo: não somos homens nem mulheres impecáveis, mas também não somos
seres corrompidos! Somos filhos de Deus, e, acima das nossas limitações, temos
uma dignidade inesperada.
A humildade gera um ambiente interior que permite
conhecer-nos como somos e nos impulsiona a procurar sinceramente o apoio dos
outros, ao mesmo tempo que os damos o nosso. Em última análise, todos e cada um
de nós necessitamos de Deus, em quem vivemos, nos movemos e existimos[12],
que é Pai misericordioso e vela continuamente por nós. Quanta segurança e
confiança existiram na vida de Santa Maria! Ela pôde dizer realizou em
mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo[13] por
ser muito consciente da sua humildade de escrava de Deus[14].
Nela, humildade e consciência da grandeza da própria vocação se conjugam
maravilhosamente.
J. Cavanyes
[5] É
Cristo que passa, n. 2.
[6] At 3,6.
[7] Caminho,
n. 404.
[8] Amigos
de Deus, n. 88.
[9] Rm 8,28.
[10] 1 Jo 1,8-9.
[11] Amigos
de Deus, n. 94.
[12] At 17,28.
[13] Lc 1,
49.
[14] Lc 1,
48.
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