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quinta-feira, 3 de julho de 2025

Meio ambiente não deve servir para exercer poder e explorar os pobres, diz Leão XIV

Jardins Vaticanos em Castel Gandolfo, Itália. | Courtney Mares/EWTN

Por Kristina Millare*

3 de julho de 2025

O papa Leão XIV disse ontem (2) que a natureza não deve ser uma “moeda de troca” em sua mensagem anunciando o tema Sementes de Paz e Esperança para o 10º Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, marcado para 1º de setembro.

Inspirando-se na encíclica Laudato si', escrita pelo papa Francisco há dez anos, o papa disse que “a Bíblia não promove o domínio despótico do ser humano sobre a criação” e, portanto, não deve ser explorada.

“A própria natureza se torna, por vezes, um instrumento de troca, uma mercadoria a negociar para obter ganhos econômicos ou políticos”, disse Leão XIV. “Nessas dinâmicas, a criação transforma-se num campo de batalha pelo controle dos recursos vitais”.

O papa disse que países pobres, sociedades marginalizadas e comunidades indígenas são desestabilizadas e penalizadas como resultado de conflitos por água e recursos naturais, e pela destruição de florestas e áreas agrícolas.

“Essas várias feridas devem-se ao pecado”, disse também Leão XIV. “Não era certamente isso que Deus tinha em mente quando confiou a Terra ao homem criado à sua imagem (cf. Gn 1, 24-29)”.

Em sua mensagem divulgada ontem, o papa disse que três coisas são necessárias para uma verdadeira justiça ambiental: oração, determinação e ações concretas.

Leão XIV convidou os fiéis a considerarem em oração o significado das sementes como uma metáfora da vinda do reino de Deus nas Escrituras, dizendo: “Jesus usa com frequência a imagem da semente”.

“Assim, em Cristo, somos sementes. Não só isso, mas sementes de Paz e Esperança”, disse o papa. “Como diz o profeta Isaías, o Espírito de Deus é capaz de transformar o deserto árido e ressequido num jardim, num lugar de repouso e serenidade”.

Segundo Leão XIV, a justiça ambiental não é um “conceito abstrato” ou um “objetivo distante”. “Chegou verdadeiramente o tempo de dar seguimento às palavras com obras concretas”, disse o papa. “Trabalhando com dedicação e ternura, muitas sementes de justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança”.

Este ano, Leão XIV visitou duas vezes locais ligados aos projetos de ecologia integral da Santa Sé fora de Roma. Além de visitar o projeto Borgo Laudato si' em Castel Gandolfo em maio, ele visitou o local proposto para o projeto de energia solar da Santa Sé em Santa Maria di Galeria no mês passado.

O papa elogiou essas iniciativas, como exemplos de “como as pessoas podem viver, trabalhar e construir comunidades aplicando os princípios da encíclica Laudato si’ ”.

“Peço ao Todo-Poderoso que nos envie em abundância o seu espírito do alto (cfIs 32, 15), para que essas sementes e outras semelhantes possam dar frutos abundantes de paz e esperança”, disse Leão XIV.

*Kristina Millare é jornalista freelance com experiência profissional em comunicação no setor de ajuda humanitária e desenvolvimento, jornalismo de notícias, marketing de entretenimento, política e governo, negócios e empreendedorismo.

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/63469/meio-ambiente-nao-deve-servir-para-exercer-poder-e-explorar-os-pobres-diz-leao-xiv

“Um samaritano, porém, que estava viajando, chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão.” (Lc 10,33)

Palavra de Vida Julho 2025 (Revista Cidade Nova)

“Um samaritano, porém, que estava viajando, chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão.” (Lc 10,33) | Palavra de Vida Julho 2025

por Organizado Letizia Magri com a comissão da Palavra de Vida   publicado às 00:00 de 23/06/2025, modificado às 11:02 de 01/07/2025

Marinho está no metrô de uma grande cidade. Todos os passageiros estão concentrados em seus celulares: virtualmente conectados mas, na realidade, presos na armadilha do isolamento. Ele pergunta a si mesmo: “Será que não somos mais capazes de olhar nos olhos uns dos outros?”

Essa é a experiência habitual, especialmente nas sociedades que são ricas de bens materiais, mas cada vez mais pobres de relacionamentos humanos. Enquanto o Evangelho volta sempre com sua proposta original, criativa, capaz de “fazer novas todas as coisas1”.

No longo diálogo de Jesus com um doutor da Lei, este lhe pergunta o que deve fazer para herdar a vida eterna2. Jesus responde com a conhecida parábola do Bom Samaritano: um sacerdote e um levita, figuras importantes para a sociedade da época, veem na beira da estrada um homem que tinha sido atacado por assaltantes, mas passam direto.

“Um samaritano, porém, que estava viajando,  chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão.”

Ao doutor da Lei, que conhece bem o mandamento divino do amor ao próximo3, Jesus propõe como modelo um estrangeiro, considerado cismático e inimigo: também esse vê o homem ferido, mas é movido pela compaixão – um sentimento que vem de dentro, do mais profundo do coração humano –; por isso, interrompe sua viagem, se aproxima do ferido e cuida dele.

Jesus sabe que todos os seres humanos são feridos pelo pecado, e que a sua missão é precisamente esta: curar os corações com a misericórdia e o perdão gratuitos de Deus, para que eles, por sua vez, sejam capazes de mostrar proximidade e partilha.

“[…] Para aprendermos a ser misericordiosos como o Pai, perfeitos como Ele, devemos olhar para Jesus, que é a plena revelação do amor do Pai. […] O amor é o valor absoluto que dá sentido a todo o resto, […] que encontra sua expressão mais alta na misericórdia. Misericórdia que ajuda a ver sempre novas as pessoas com as quais vivemos a cada dia, na família, na escola, no trabalho, sem nos lembrarmos mais dos seus defeitos, dos seus erros; que nos leva a não julgar, mas a perdoar as injustiças sofridas. Mais ainda: a esquecê-las4”. 

“Um samaritano, porém, que estava viajando,  chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão.”

A resposta final e decisiva de Jesus é expressa com um convite claro: “Vai e faze o mesmo5”. É isto que Ele repete a todo aquele que acolhe a sua Palavra: fazer-se próximo, tomando a iniciativa de “tocar” as feridas das pessoas que encontra todos os dias nos caminhos da vida.

Para viver a proximidade mostrada pelo Evangelho, peçamos a Jesus, inicialmente, que nos cure da cegueira dos preconceitos e da indiferença que nos impede de vermos para lá de nós mesmos.

Além disso, aprendamos com o samaritano a abertura à compaixão, que o leva a arriscar a própria vida. Imitemos a sua prontidão de dar o primeiro passo em direção ao outro e a disponibilidade para escutá-lo, para assumir como nossa a sua dor, livres de julgamentos e da ansiedade de estar “perdendo tempo”.

Foi esse o testemunho de uma jovem coreana: “Procurei ajudar uma adolescente que não era da minha cultura e que eu não conhecia bem. Mesmo sem saber direito o que ou como deveria fazer, criei coragem e tentei. E fiquei surpresa ao perceber que, ao oferecer essa ajuda, eu mesma me vi ‘curada’ das minhas feridas interiores.”

Esta Palavra de Vida nos oferece a chave de ouro para realizar o humanismo cristão: ela nos torna conscientes da humanidade que temos em comum, na qual se reflete a imagem de Deus; ela nos ensina a superar com coragem os esquemas da “proximidade” física e cultural. De acordo com essa perspectiva, é possível expandir os limites do “nós” até o horizonte do “todos” e descobrir os próprios fundamentos da vida em sociedade.

Organizado por Letizia Magri com a comissão da Palavra de Vida 

1) Cf. Ap 21,5.

2) Cf. Lc 10,25-37.

3) Dt 6,5; Lv 19,18.

4) LUBICH, Chiara, Amor que é misericórdia, Palavra de Vida, junho de 2002. 

5) Lc 10,37. 

Fonte: https://www.cidadenova.org.br/editorial/inspira/4062-um_samaritano_porem_que_estava_viajando

A cooperação do trabalho humano para o projeto de Deus sobre o mundo (Parte 1/2)

Identidade e Missão (Opus Dei)

A cooperação do trabalho humano para o projeto de Deus sobre o mundo

Quarto artigo da série “A caminho do centenário”. Este artigo apresenta a visão de São Josemaria sobre o trabalho como participação na obra criadora de Deus, em continuidade com a tradição bíblica e o Magistério. Longe de ser uma tarefa meramente instrumental e extrínseca, o trabalho é uma colaboração ativa no aperfeiçoamento do mundo criado.

01/06/2025

A partir da metade do século XIX, o tema do trabalho e de suas dinâmicas ganhou profundidade na reflexão teológica. É a época da revolução industrial e das grandes mudanças socioculturais. Surgem tensões entre classes sociais. A vida familiar e comunitária experimenta novas formas de organização. Com a publicação da encíclica Rerum novarum (1891) de Leão XIII, primeira de uma longa tradição de encíclicas sociais, a Doutrina Social da Igreja se desenvolveu gradualmente. Nas primeiras décadas do século XX nasce a teologia das realidades terrenas, que em breve se verá relacionada com uma incipiente teologia do laicato. Nesses anos, antes e durante o Concílio Vaticano II, se experimentam novas formas de ação pastoral, destinadas a difundir o Evangelho nas novas situações sociais e trabalhistas.

A questão do valor do trabalho e o papel das atividades humanas na edificação do Reino de Deus começam a fazer parte dos estudos do Concílio e são objeto de um novo e profundo desenvolvimento na constituição Gaudium et spes, especialmente os números 33-39. Os Padres conciliares não têm medo de fazer perguntas exigentes:

“O homem sempre procurou, com o seu trabalho e engenho, desenvolver mais a própria vida; hoje, porém, sobretudo graças à ciência e à técnica, estendeu o seu domínio à natureza inteira , e continuamente o aumenta [...]. Muitas são as questões que se levantam entre os homens, perante este imenso empreendimento, que já atingiu o inteiro gênero humano. Qual o sentido e valor desta atividade? Como se devem usar estes bens? Para que fim tendem os esforços dos indivíduos e das sociedades??” (Gaudium et spes, n. 33).

Em meados do século XX surgem diversas obras teológicas que abordam essas questões. Ao refletir sobre o sentido do trabalho humano, vários autores tentam esclarecer o que a perspectiva cristã, iluminada pelo mistério pascal de Jesus Cristo, traz para o dinamismo do progresso social, técnico e científico. Onde deve situar-se a esperança cristã: na construção do Reino de Cristo já presente na história, em seu cumprimento futuro no final dos tempos ou em algum ponto intermediário? De onde emana a luz que orienta o sentido das atividades humanas: do mistério da Encarnação ou de sua orientação escatológica rumo à Jerusalém celeste?

Muitos teólogos trouxeram suas próprias reflexões a este debate. Entre eles destacam-se Gustave Thils, com Théologie des réalités terrestres [Teologia das realidades terrenas] (1946); Marie-Dominique Chenu, Pour une théologie du travail [Para uma teologia do trabalho] (1955); Alfons Auer, Christsein im Beruf [Ser cristão no trabalho] (1966); Johann Baptist Metz, Zur Theologie der Welt [Sobre a teologia do mundo] (1968); e Juan Alfaro, Hacia una teología del progreso humano [Em direção a uma teologia do progresso humano] (1969). Todos coincidem em ressaltar que a atividade humana no mundo tem uma dimensão espiritual e que, tendo sido criados à imagem e semelhança de Deus, o homem e a mulher cooperam ativa e livremente em seu plano sobre a criação.

Nas obras filosóficas e poéticas de Karol Wojtyla, como depois no magistério pontifício de São João Paulo II, o trabalho humano ocupa um lugar central. O professor de Ética de Lublin desenvolve a dimensão imanente do trabalho no sujeito, ou seja, o que traz dignidade à pessoa e à formação de sua identidade. Em sua obra poética, Wojtyla enfatiza que a fadiga inerente ao trabalho se traduz em generosidade e afeto para aqueles que dele se beneficiam, revelando assim um compromisso de amor. A grandeza do trabalho material, não está, portanto, no produto final e sim no sujeito que o realiza. O mistério do Verbo encarnado fundamenta tanto a dignidade da pessoa que trabalha, quanto a dignidade da matéria que o trabalho transforma. Muitos elementos da “teologia do trabalho” de Karol Wojtyla confluirão posteriormente na encíclica Laborem exercens (1981), o documento magisterial mais extenso e profundo até agora sobre o significado humano e cristão do trabalho.

Ao longo do tempo, o magistério da Igreja acompanhou e continua acompanhando as questões que surgem do progresso social e técnico pois a sociedade humana e as dinâmicas do trabalho evoluem com rapidez. O extraordinário progresso do homem, tanto no conhecimento da realidade como em sua capacidade de transformá-la, traz novas perspectivas, mas também novos desafios que requerem uma orientação moral.

Uma dignidade ancorada na Escritura

Diversos autores analisaram os ensinamentos de São Josemaria sobre o trabalho, contextualizando-os no contexto teológico e social de sua época[1]. Seus escritos não entraram em debate com a teologia do seu tempo, nem a proposta era desenvolver o magistério do Concílio Vaticano II. No entanto, o fundador do Opus Dei transmitiu uma visão específica do trabalho que merece ser estudada com atenção. A luz fundacional que recebeu de Deus levou-o a uma compreensão renovada da mensagem bíblica sobre a atividade humana no mundo e proporcionou-lhe uma compreensão nova e mais profunda da lógica da Encarnação.

O fundador do Opus Dei comentou extensamente a presença do trabalho humano na Sagrada Escritura, especialmente no livro do Gênesis no contexto da criação do homem e da mulher e em referência ao mandato recebido de Deus de cultivar e povoar a terra (cfr. Amigos de Deus n. 57; É Cristo que passa, n. 47). O mundo, a terra e a matéria são realidades boas porque saíram das mãos de Deus e o ser humano é chamado a atuar de acordo com os fins dos planos divinos (cfr. É Cristo que passa, n. 112; Entrevistas, n. 114). Da mesma forma, São Josemaria recorreu frequentemente aos livros sapienciais especialmente os que louvam as virtudes humanas, o trabalho bem feito e a sábia administração do mundo recebido de Deus.

Na economia do Novo Testamente, caracterizada pela radical novidade da Encarnação do Verbo, São Josemaria ressaltou muitas vezes que Jesus de Nazaré, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, ao assumir a natureza humana, assumiu também o trabalho, exercendo o ofício de tektón, de artesão, que aprendeu na oficina de José (cfr. É Cristo que passa, n. 55). Para explicar o sentido cristão do trabalho como caminho de santificação no meio do mundo, costumava propor o exemplo dos primeiros cristãos: seguindo os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos, realizavam todos os tipos de atividades honestas e santificáveis, transformando com a caridade de Cristo a sociedade na qual viviam e tornando-a mais humana (cfr. Entrevistas, n. 24; Sulco n.os 320, 490).

Enquanto o período medieval não elaborou uma “espiritualidade do trabalho” propriamente dita, a modernidade tende a apresentar o homem em oposição a Deus, exaltando sua razão e sua capacidade técnica como fundamentos de uma dignidade e autonomia contrapostas à autoridade do Criador. Nenhuma destas etapas históricas, com poucas exceções, ofereceu uma estrutura teológica ou espiritual que enfatizasse o ser humano como colaborador do poder criador de Deus; alguém que, com seu trabalho, participa em seu projeto para o mundo. São Josemaria está, no entanto, persuadido de que a nova fundação que Deus lhe pede para promover na Igreja implica precisamente a difusão desta nova visão do trabalho; ou melhor, a recuperação de uma perspectiva que a passagem dos séculos tinha feito cair no esquecimento.

“O trabalho é participação na obra criadora, é vinculo de união com os outros homens e meio para contribuir com o progresso de toda a humanidade, é fonte de recursos para sustentar a própria família, é ocasião de aperfeiçoamento pessoal, é – importa muito dizê-lo claramente – meio e caminho de santidade, realidade santificável e santificadora” (Carta 14, n.4).

A dignidade do trabalho está ancorada no mandato dado por Deus a nossos primeiros pais e, na economia do Novo Testamento, no trabalho assumido pelo Verbo encarnado no contexto da vida cotidiana da Sagrada Família de Nazaré. Voltar a ressaltar esta perspectiva faz parte integrante da missão que São Josemaria atribui à nova fundação:

“O Senhor suscitou o Opus Dei em 1928 para ajudar a recordar aos cristãos que, como conta o livro do Gênesis, Deus criou o homem para trabalhar. Viemos chamar de novo a atenção para o exemplo de Jesus que, durante trinta anos, permaneceu em Nazaré trabalhando, desempenhando um ofício. Nas mãos de Jesus, o trabalho, e um trabalho profissional semelhante àquele que desenvolvem milhões de homens no mundo, converte-se em tarefa divina, em trabalho redentor, em caminho de salvação” (Entrevistas, n. 55).


[1] J.L. Illanes, La Santificación del trabajo, (1980); “Trabajo” (2013) em Diccionario de San Josemaría Escrivá de Balaguer; Ante Dios y en el mundo. Apuntes para una teología del trabajo (1997); P. Rodríguez Vocación, trabajo, contemplación (1986); E. Burkhart – J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, vol III, cap. 7 (2013); G. Faro, Il lavoro nell’insegnamento del Beato Josemaría Escrivá (2000); A. Aranda, Identidad cristiana y configuración del mundo. La fuerza configuradora de la secularidad y del trabajo santificado” (2002), emLa grandeza della vita quotidiana, vol. 1.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/a-cooperacao-do-trabalho-humano-para-o-projeto-de-deus-sobre-o-mundo/

O cristianismo: uma história simples (Parte 4/4)

Caravaggio, A vocação de Pedro e André, Royal Gallery Collection, Hampton Court Palace, Londres  30Giorni

RECORDANDO PADRE GIACOMO...

Arquivo 30Dias nº 05 - 2012

O cristianismo: uma história simples

Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural Fabio Locatelli, de Bérgamo 15 de dezembro de 2000.

pelo Padre Giacomo Tantardini

Queria dizer uma última coisa. O que pede ao homem essa graça sem a qual o homem nada faz? “Que a Tua graça sempre nos preceda e acompanhe”, diz uma das orações da Igreja. Lex orandi legem statuat credendi, dizia a antiga fórmula que Pio XII citou, mas, talvez prevendo o que aconteceria, trocou depois por Lex credendi legem statuat orandi, ou seja, que a lei da fé estabeleça a lei da oração. Porém, a antiga fórmula dizia que é a lei da oração que estabelece a lei da fé. Santo Agostinho, para responder aos pelagianos, usa normalmente este argumento: vocês dizem que a fé não é graça, então por que a Igreja roga que um não crente se converta? Ou essas orações são por modo de dizer ou é Deus que converte o coração. Vocês dizem que permanecer na fé não é graça, mas então por que pedimos na oração do Senhor que não nos deixe cair em tentação? Se fosse capacidade nossa vencer a tentação, não rezaríamos pedindo não cair em tentação. Portanto, isso significa que não deixar-se vencer pela tentação é graça. Ou a Igreja diz as suas orações por modo de dizer ou vocês têm de aceitar, diz Agostinho aos hereges pelagianos, que cada passo da vida cristã é graça; do contrário, teriam de eliminar as orações da Igreja. “Que a Tua graça sempre nos preceda e acompanhe, ó Senhor”. Então, que cabe ao homem neste caminho em que a iniciativa é Sua? “Se não tomas a iniciativa, eu nada faço”, dizia na véspera da sua morte inesperada o papa Luciani. Na quinta-feira à noite morreu e na quarta-feira tinha feito o gesto que toda quarta-feira o papa faz, falando da caridade. Gesto todo centrado nesta coisa: se Tu não tomas a iniciativa, eu nada faço. E dizia: que significa tomar a iniciativa (e citava Santo Agostinho, uma das frases mais fantásticas de Agostinho)? Não significa apenas que atrai a minha liberdade, mas significa também que me concede estar contente por ser atraído. Não só me atrai, mas me dá o prazer (Agostinho diz realmente voluptas, prazer) de ser atraído. Se não me dá o prazer de aderir, se não me dá o prazer de ir atrás dEle, não posso ir atrás dEle. Não só atrai a vontade, mas doa o prazer de ser atraído. É uma das páginas mais bonitas do magistério ordinário da Igreja, esse discurso sobre a caridade do papa Luciani há vinte e dois anos.

Mas então o que é possível ao homem? Digo-o com as palavras de Dom Giussani num artigo sobre o Santo Rosário publicado em 30 de abril no jornal Avvenire (na minha opinião, uma das coisas absolutamente mais belas, não apenas de Dom Giussani, mas de toda a Igreja nestas décadas): “A resposta a essa graça está toda na oração de que somos capazes”. A resposta a essa graça (que não é só o início, mas está em cada passo) está toda na oração de que somos capazes. A nossa resposta é uma oração, é um pedido. A nossa resposta é a surpresa de um pedido, um pedido como o de João e André: “Onde ficas?” Diante de uma coisa tão bela, a nossa resposta é: “Fica!”. Diante de uma doçura tão grande, a nossa resposta é: “Não nos abandones, fica!”. Toda a nossa resposta é essa, e é toda a resposta da criança quando o pai e a mãe lhe querem bem. “A nossa resposta é uma oração. Não é uma capacidade particular, é apenas o ímpeto da oração”. Pode ser o choro da criança que pede ao pai e à mãe que lhe queiram bem. O choro. Na antiga liturgia havia uma missa para pedir o dom das lágrimas. Pedimos muito mais com as lágrimas que com as palavras. O ímpeto, o ímpeto de um pedido. Habet et laetitia lacrimas suas. Santo Ambrósio diz isso. Quando a pessoa está contente com essa doçura, essa letícia também tem suas lágrimas. No fundo a alegria se exprime somente chorando. Assim diz Giussani naquele artigo: “A nossa resposta é uma oração, não é uma capacidade particular, é apenas o ímpeto da oração”. Depois acrescenta Giussani (quero ler esta coisa porque retoma Péguy, com quem iniciamos): “Entramos no mês de maio [agora estamos na novena de Natal]. O povo cristão há séculos foi abençoado [o início é Seu: abençoado] e confirmado no seu estar protendido para a salvação [confirmado: porque, se Ele não confirma, mesmo que O tenhamos encontrado, não permanecemos no encontro. É isso que diz a simplicidade da Tradição. Por exemplo, um dogma do Concílio de Trento diz: “Se alguém está em estado de graça, não pode permanecer em estado de graça sem uma ajuda especial da graça”. Vocês entendem como toda a vida cristã é sustentada pela iniciativa dEle? Se alguém está em estado de graça, não pode pedir sem uma especial ajuda da graça; sem uma atração que se renova, não permanece nessa atração. Não é possível viver de um amor passado, não é possível viver da atração de ontem, nem da atração de um instante atrás. Não é possível. Só vivemos do presente. Portanto, se alguém está em estado de graça, para permanecer em estado de graça é preciso a renovação dessa ajuda especial]. O povo cristão por séculos foi abençoado e confirmado no seu estar protendido para a salvação, eu creio, especialmente por uma coisa: o Santo Rosário”. É simples a vida cristã, é simples. Depois de décadas de tantas palavras, de tantas lutas, de tantos desafios... Havia um ângelus do papa Luciani que dizia: “Menos batalhas e mais orações”. O povo cristão foi abençoado e confirmado, eu creio, por uma coisa: a oração do Santo Rosário.

E termino lendo alguns versos da poesia de Péguy com que comecei. Descreve a permanência dessa graça. “Eis o lugar do mundo onde tudo se torna fácil”. Fácil também o pecado, também a traição, como em Pedro. Fácil também a tentação de correr atrás da luxúria, da usura e do poder. Mas fácil ser reabraçados. E chorar de gratidão. Mais fácil. A diferença é que quem não faz experiência disso não sabe dessa coisa mais fácil. Sabe de todas as outras coisas, mas não sabe dessa coisa mais fácil. Mais fácil, mais bela, mais simples. Tudo se torna fácil. “O arrependimento, a partida e também o acontecimento.” Até o reacontecer dessa surpresa é fácil: no Paraíso será perene, aqui é fácil, aqui é fácil que reaconteça, não perene. E diz ainda Santo Agostinho: o Senhor também aos Seus eleitos, aos Seus santos pode não dar em alguns momentos a atração fascinante a Si, para que assim, experimentando serem pecadores, ponham nEle a esperança e não neles mesmos. “E o adeus temporário, a separação, / O único canto da terra em que tudo se faz dócil. [...] O que por toda parte requer um exame / Aqui nada mais é que o efeito de uma indefesa juventude”. O que por toda parte requer um exame, pelo qual você deve demonstrar que é bom... Até em casa é assim, muitas vezes. Você tem de demonstrar que é bom. E não pode ser um pobre pecador. Tem de demonstrar que é bom. Assim, ao fato de ser pecador como todos, acrescenta também a hipocrisia, que é pecado mais grave, o dos fariseus. “O que por toda parte requer um exame / Aqui nada mais é que o efeito de uma indefesa juventude. / O que por toda parte pede um adiamento / Aqui nada mais é que uma presente fragilidade. // O que por toda parte requer um atestado / Aqui nada mais é que o fruto de uma pobre ternura. / O que por toda parte pede um toque de destreza/ Aqui nada mais é que o fruto de uma humilde incapacidade[...]. O que por toda parte é obrigação de regra / Aqui nada mais é que um ímpeto e um abandono”. Como diz Giussani. Só o ímpeto da oração, só o ímpeto do pedido. Como a criança que durante o dia pode quebrar muitos copos. Quebrasse ela mil copos e mil vezes diria “mamãe, ajude-me a não quebrá-lo”; esse é o homem cristão. “Mamãe, ajuda-me a não quebrá-lo.” E é mais fácil, mais fácil para a criança dizer nos braços da mãe: “Mamãe, ajuda-me a não quebrá-lo”, que quebrar o copo. “O que por toda parte é obrigação de regra / Aqui nada mais é que um ímpeto e um abandono; / O que por toda parte é uma dura pena / Aqui nada mais é que uma fraqueza que é soerguida. [...] O que por toda parte seria um duro esforço / Aqui nada mais é que simplicidade e paz; / O que por toda parte é a casca rugosa / Aqui nada mais é que a seiva e as lágrimas da trepadeira. [...] O que por toda parte é um bem perecível / Aqui nada mais é que paz e veloz desimpedimento; / O que por toda parte é um empertigar-se / Aqui nada mais é que uma rosa e uma pegada na areia. [...] Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dos Apóstolos/ Perdemos o gosto pelos discursos / Já não temos altares, a não ser os vossos / Nada mais sabemos senão uma oração simples”. Bom Natal.

Caim mata Abel, Catedral de Monreale, Palermo | 30Giorni
A oferta de Abel e Caim, Capela Palatina, Palermo [© Franco Cosimo] | 30Giorni
Caravaggio, A vocação de Mateus, igreja de São Luís dos Franceses, Roma | 30Giorni

Fonte: https://www.30giorni.it/

Entre as “carreteras” de Lima, a recordação do missionário vindo de Chicago

Entre as "carreteras" de Lima (Vatican News)

A reportagem sobre os locais de missão de Robert Francis Prevost no Peru. Uma parada na capital do país sul-americano entre os agostinianos que lembram o confrade que agora se tornou Papa: “um homem próximo da Eucaristia, nas orações, na preparação da pizza, porque gostava de cozinhar. Um homem fraterno, mas ao mesmo tempo firme quando era necessário”.

Salvatore Cernuzio - enviado ao Peru

No barulho contínuo de buzinas e motores nas “carreteras” de Lima e sob o cinza geral do céu, que os habitantes chamam de “panza de burro” em referência ao cinza esbranquiçado da barriga de um burro, o convento de Santo Agostinho, no centro histórico, parece um oásis de cores, silêncio e recolhimento. Uma antiga estrutura de arquitetura rococó, a poucos passos da Plaza de Armas, embelezada por afrescos e efígies sagradas, entre as quais Nuestra Señora de Gracia, padroeira do Peru, venerada em 8 de maio. A data, ou seja, de eleição de Robert Francis Prevost.

A Igreja de Santo Agostinho no centro de Lima (Vatican News)

O então missionário agostiniano raramente visitava esta capital que imediatamente envolve e perturba os cinco sentidos, entre a umidade que gruda nas roupas, o cheiro que varia de borracha queimada a banana-da-terra assada, o zumbido dos mototáxis (muitos) e combis (uma espécie de ônibus com uma dezena de assentos) que parecem competir entre si mais do que dirigir. De seus territórios no norte – vilarejos, cidades, bairros – o agostiniano de Chicago mudou-se para a capital apenas para as assembleias gerais de sua ordem religiosa. Os confrades, porém, lembram-se bem dele, desde quando, com pouco mais de 30 anos, em meados dos anos 80, começou a missão em Chulucanas e depois em Trujillo, sua residência por 11 anos, e finalmente em Chiclayo como bispo.

«Ehhh, o nosso Roberto!», suspira o Pe. Gioberty Calle, cruzando os braços sob a batina preta com cinto de couro. «Lembro-me dele muito próximo de nós na Eucaristia, nas orações, na preparação da pizza, porque gostava de cozinhar... Lembro-me dele fraterno, mas ao mesmo tempo firme quando era necessário».

O “padre” fala com voz de barítono, passeando pelo pátio do convento, decorado com azulejos hispano-mouriscos, enquanto o canto dos periquitos se mistura ao barulho externo. A atmosfera permanece, no entanto, abafada, suspensa no tempo. Não era assim aqui em San Agustín na noite de 8 de maio, quando o cardeal protodiácono anunciou o Habemus Papam. Sinos, gritos de alegria e aplausos ressoaram por todo o convento. O Pe. Gioberty estava comemorando o aniversário de um amigo sacerdote de outra comunidade. Era hora do almoço e ele correu imediatamente para a casa que divide com outros três irmãos para se sentar em frente à TV e assistir à fumaça branca. “Sentamos e ligamos rapidamente a TV. Estávamos esperando. A pergunta era: será que é o nosso irmão Roberto?”.

E foi o “padre Roberto” que apareceu no Balcão das Bênçãos, saudando o seu Peru e proclamando-se “filho de Santo Agostinho”. Uma passagem que o Pe. Calle lembra colocando a mão na cabeça, em sinal de emoção. “Foi realmente uma surpresa. Eu olhava como se não fosse verdade... Ele é um homem de fé, é um agostiniano. Agradeço-lhe por ter dito isso livremente”. O religioso aproveita os meios de comunicação do Vaticano para enviar uma mensagem ao seu “velho amigo”: “Você é um agostiniano. Você sabe bem, Roberto, que isso te envolve e te compromete. Te compromete com sua vocação, com sua fé, com seu seguimento de Deus. Não tenha medo, nós te acompanhamos em oração. Aqui você tem seus irmãos e o Peru te ama. Conte conosco e volte ao Peru, estamos esperando por você”.

O Pe. Gioberty Calle (Vatican News)

Todos dizem “volte ao Peru” a este Papa que, apesar de suas raízes americanas, é considerado “peruano” em todos os aspectos. Por outro lado, o Peru é um país que, apesar de suas contradições e limitações, abre uma brecha na alma e lá se sedimenta. Irmã Margaret Walsh, missionária marista, australiana, mas agora naturalizada peruana, sabe bem disso. Baixa estatura, olhos azuis vivos, um espanhol irresistível com os “R” e os “O” com um acento anglo-saxão marcado, ela também guarda lembranças pessoais do Padre Prevost, especialmente dos primeiros tempos de sua missão. “Quando ele chegou, era tão jovem... mas desde o início foi muito aberto, muito atencioso e com uma grande capacidade de falar com as pessoas, sensível às diferenças, sem nunca cair na crítica de uma cultura tão diferente”.

A Irmã Margaret, que está no Peru há cerca de 30 anos, após várias viagens pelo mundo (incluindo a Itália), compartilha suas memórias da capela da casa de dois andares, na zona de Callao, nos arredores de Lima, onde ela e suas irmãs vivem, cantam e rezam todos os dias. As outras missionárias preparam café e um bolo de cenoura, ela arruma um vaso de flores ao lado de uma foto do Papa Leão. Ela ri ao lembrar-se da noite de 8 de maio: “¿Quién será? ¿Quién será? Todos nós aqui em Callao nos perguntávamos. Talvez o Padre Robert...”.

A freira sorri novamente ao pensar que o homem vestido de branco hoje é o mesmo que, anos atrás, ela viu montado em uma mula. “Era até perigoso, sabe? Porque a mula tende a andar perto das margens”. Na estação das chuvas, porém, era a única alternativa para se deslocar a pé para zonas altas, distantes e frias, e Prevost “era uma pessoa com o desejo de chegar aos outros”. Sobre ele, a Irmã Margaret lembra também o grande respeito que demonstrava pelo papel das mulheres na Igreja. Ela conta as muitas conversas com sua superiora e também a estima demonstrada pelas outras religiosas com quem conversava durante os almoços e jantares. A uma “mulher”, a Irmã Walsh confia o pontificado de Leão XIV, a Nossa Senhora Mãe do Bom Conselho: “espero que continue na sua presença. Rezo para que a Mãe o acompanhe em seu caminho, especialmente nos momentos difíceis”.

A "Plaza de Armas" na cidade de Lima, no Peru (Vatican News)
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

quarta-feira, 2 de julho de 2025

O olhar de pesquisador italiano sobre a Arte Sacra nas Missões Jesuíticas

Nossa Senhora da Conceição (Vatican News)

Na entrevista ao VN, o pesquisador Luca Ruggieri recorda que a arte é um instrumento necessário para a evangelização, algo que foi desafiador para os jesuítas no contexto dos índios guaranis, onde não existia uma “cultura visiva como no contexto europeu, mas uma cultura visiva diferente”. Com o passar do tempo, os próprios guaranis passaram a imprimir as próprias características nas esculturas sacras, um patrimônio com uma “riqueza polifônica pela sua diversidade na expressão”.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

Quando se fala de Missões e Reduções Jesuítico-Guaranis, recorda-se o grupo das trinta cidades fundadas pela Companhia de Jesus a partir do século XVII, entre os indígenas guaranis, na chamada Província de Paraguaia, jurisdição localizada no Vice-Reino do Peru e que abrangia regiões onde hoje é o Paraguai, Argentina, Uruguai e partes da Bolívia, Brasil e Chile.

Em 18 de maio último, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul deu início às celebrações oficiais pelos 400 anos das Missões Jesuíticas Guaranis, marco histórico que será comemorado em 2026.

Luca Ruggieri fala aos microfones da Rádio Vaticano (Vatican News)

As Missões testemunharam, entre outros, o nascimento da primeira fundição de aço da América, o que levou a região a ser chamada por Montesquieu de “o primeiro Estado industrial da América”. Mas não só. A pecuária, o desenvolvimento do comércio da erva-mate, da carne, do couro, da lã, foram elementos fundamentais que moldaram a cultura gaúcha. E paralelamente ao desenvolvimento econômico, surgiram as escolas, a música, a arte sacra.

E precisamente a “Arte produzida nas Missões Jesuíticas” é o tema do Mestrado em História da Arte na Universidade Roma Tre de Luca Ruggieri (cujo orientador da dissertação é o Prof. Mauro Vincenzo Fontana), que em visita ao Brasil, Argentina e Paraguai, pode ter um contato mais direto com algumas das Reduções, como São Miguel, Santo Inácio, Loreto, Corpus, um patrimônio não só da América do Sul, mas de toda a humanidade, como fez questão de ressaltar na entrevista ao Vatican News.

A história dessa região, não obstante tenha sido enaltecida no passado por escritores, historiadores e filósofos de renome, voltou a despertar interesse com o filme "The Mission", de Roland Joffé. No entanto, "poucas pessoas na Europa conhecem a história da arte, da produção artística nas Reduções Jesuíticas", observa o jovem pesquisador.

Igreja de São Miguel das Missões (Foto: Luca Ruggieri)

Mas, o que levou um jovem italiano da região das Marcas a se interessar pela arte de uma região tão distante da Itália, berço do Renascimento? Quem o introduziu nesse "mundo das Missões, dos jesuítas", durante seu período da Graduação na Universidade de Macerata, de fato, foi a Prof. Sabiana Pavone, importante pesquisadora deste tema. A partir daí, ele passou a focar seus estudos nas Missões Jesuíticas do Paraguai:

Nossa Senhora de Loreto e a evangelização do Novo Mundo

Mas há uma outra razão que o aproximou deste tema: Loreto. No conhecido Santuário mariano, localizado a poucos quilômetros de sua cidade natal, Mogliano, ele colaborou com o Museu Pontifício. E precisamente de suas leituras e pesquisas na biblioteca brotou a compreensão de que "Loreto foi uma academia espiritual dos jesuítas. De lá, por exemplo, partiu o jesuíta Giuseppe Cataldini, responsável pela Redução de Loreto, no Paraguai."

Luca explica, ademais, que Nossa Senhora de Loreto foi a iconografia que os jesuítas utilizaram para evangelizar o mundo. "Eles tinham consciência de que a Virgem de Loreto não havia sido utilizada por outras Ordens religiosas no Novo Mundo", e por isso decidiram "levar a Virgem de Loreto a todos os lugares da América do Sul e Central.

Estátua de São Luiz Gonzaga (Vatican News)

O jovem pesquisador italiano recorda que a arte foi e é um instrumento necessário para a evangelização. Isso, no entanto, "foi mais difícil para os jesuítas, pois chegaram em um contexto, como o dos guaranis, onde não havia uma cultura visiva como no contexto europeu, mas uma cultura visiva diferente, definida por um pesquisador como “cultura visiva antimimética”. E essa combinação desses dois aspectos diferentes - espanhol (europeu) e o aspecto indígena -, acabou por despertar o interesse de Luca na condução de seus estudos.

Para um historiador de arte - observa ele - a coisa mais importante "é estudar a obra de arte, compreendê-la bem, e na sua linguagem visual". Um dos mais importantes historiadores da arte das reduções na Argentina, fala de “evolução diacrônica entre a produção artística missioneira. Evolução da cultura castelhana que caracterizava as peças de arte".

E com seu olhar atento de pesquisador, Ruggeri destaca na entrevista o momento em que os guaranis passaram a imprimir nas estátuas, características suas.

Quando guaranis se tornaram hábeis na construção das obras, "foi o momento onde a peculiaridade deles chegou". Tem muitas estátuas que tem uma peculiaridade particular na realização dos olhos. Uma característica tipicamente da cultura guarani, mas também a qualidade do rosto. E isso facilita para datar as peças, que seriam mais perto do século XVIII, pois neste século já se sabia que muitos guaranis trabalhavam em conhecido atelier.

Para ilustrar, ele cita a estátua de São Lorenço, nos Museus das Missões, onde há a presença da flor do maracujá, "uma flor muito importante na cultura figurativa indígena guarani".

Vista do Parque Arqueológico, em São Miguel das Missões (Vatican News)

A "riqueza polifônica desse patrimônio" e sua valorização

A bibliografia é fundamental em uma pesquisa ou trabalho científico. Nesse sentido, Luca fala da dificuldade em encontrar bibliografia sobre este tema na Europa, o que é natural, carência esta superada pelo material existente e disponibilizado, por exemplo, em Museus e Bibliotecas na América do Sul, incluindo o Pátio do Colégio, em São Paulo, o Museu Júlio de Castilhos em Porto Alegre.

Nessa revisão bibliográfica, o jovem italiano constata a existência de uma falta de comunicação entre a crítica do mundo hispânico (Argentina e Paraguai), que usa uma modalidade mais europeia, e a produção bibliográfica lusófona. "Existe uma impostação muito diferente entre elas em relação ao assunto da arte, o que gera considerações extremamente diferentes".

De qualquer forma, Luca faz questão de destacar que "a riqueza desse patrimônio é uma riqueza polifônica, pela sua diversidade na expressão. E para bem compreender essa riqueza, é preciso estudá-la, principalmente a estátua. É a coisa mais importante, que “não fala”; depois, todas as outras fontes e arquivos, fontes documentais que podem ajudar na leitura das obras. Por isso também um trabalho “polifônico” de pesquisadores pode ajudar na valorização das peças. Um trabalho polifônico que é um trabalho dos historiadores da arte, europeus, mas majoritariamente na América do sul.".

Luca Ruggieri lamenta que o Museu de São Miguel das Missões, que é tão importante, ainda está fechado. "Não é possível! Pois não é só o patrimônio do Brasil, é um Patrimônio da Humanidade São Miguel das Missões, onde estão as peça artísticas e se pode admirar a sua qualidade".

Neste sentido, ele recorda a importância do trabalho de valorização deste patrimônio também no campo político: "As pessoas que trabalham na política precisam compreender que o patrimônio  artístico das Missões não é só um patrimônio a ser admirado, mas é um patrimônio que também pode gerar dinheiro, com o turismo, e por isso tem uma qualidade que não é num breve período, mais num longo prazo".

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Padre celebra missa no monte Everest, o "teto do mundo"

Padre Ninian Doohan. | Cortesia/Gele Trekking.

Por Andrew Likoudis

1 de julho de 2025

O padre Ninian Doohan, de 44 anos, ergueu um cálice na missa a 5.364 metros acima do nível do mar no acampamento base do monte Everest, no vale do Khumbu, Nepal, usando uma pedra esculpida como altar.

A liturgia — Missa pro Pace ("Missa pela Paz") — coroou uma escalada de oito dias desde Lukla, cumprindo a promessa que ele fez ao guia sherpa Gele Bishokarma quando o batizou na igreja de São Patrício em Edimburgo, Escócia, no Natal de 2023, dizendo-lhe que o "encontraria em sua própria terra natal".

"Gostaria de ajudar a Igreja lá”, disse o padre. “Pelo menos para ver nossa fé católica vivida no ponto mais alto da Terra".

O padre Doohan, padre de Dunkeld, Escócia, chegou ao Nepal em 2 de maio, levando suprimentos médicos para a igreja de Santo Inácio, em Katmandu, capital do país, e depois partiu com Bishokarma e uma pequena equipe de carregadores para o acampamento base do Everest — 6,4 mil metros mais alto que o Ben Nevis, o monte mais alto da Escócia.

"O céu desceu à Terra novamente em seu ponto mais alto", disse ele aos outros alpinistas na missa no acampamento base. "É certamente a primeira missa aqui no pontificado nascente do papa Leão XIV".

O altar usado pelo padre Doohan foi esculpido por um dos carregadores, que era hindu, então esse foi um momento evangelizador para o carregador, que recebeu uma explicação de um de seus compatriotas sobre o significado do altar.

Há cerca de 8 mil católicos no Nepal, 0,03% da população do país, que tem 29 milhões de habitantes. No entanto, esse número está crescendo.

Missa celebrada pela paz no acampamento base do monte Everest em 14 de maio de 2025. Cortesia.

O padre Doohan também pôde abençoar as cerca de 20 pessoas presentes na missa com relíquias que ele levou consigo até o cume.

A caminhada não foi nada fácil, disse o padre Doohan.

“Até os alpinistas mais aptos descobrem seus limites no Everest”, disse ele. “Seu corpo é limitado por todos os elementos possíveis".

Entre os limites, há o ar rarefeito, o frio brutal, dores musculares e a constante ameaça do mal de altitude. Às vezes, é simplesmente "um pé na frente do outro". Mas, disse o padre, há "um sentimento de gratidão em meio à exaustão".

O padre Doohan usou sua batina por toda a escalada, um lembrete de que a escalada era uma peregrinação, não só um feito esportivo.

Antes de sua chegada, os paroquianos em casa lançaram uma página no site JustGiving para arrecadar £750 (cerca de R$ 5,6 mil) para a missão jesuíta de Santo Inácio, que administra clínicas móveis e uma escola para crianças com necessidades especiais. As doações ultrapassaram £ 5 mil (cerca de R$ 37,5 mil) antes mesmo do padre Doohan chegar ao "teto do mundo".

O padre Doohan brinca dizendo que agradece a Deus, mas também agradece à cadela que lhe deu filhotes, que ele conseguiu vender aos seus paroquianos para pagar sua viagem, já que os padres na Escócia vivem uma vida que um padre descreve como " pobreza distinta".

Enquanto Edmund Hillary, um dos primeiros escaladores do monte Everest, enterrou um crucifixo abençoado pelo venerável papa Pio XII no cume da montanha em 1953, a celebração da missa do padre Doohan é a missa mais alta registrada no local atual do acampamento base do Everest.

Fundamento da fé

O padre Doohan cresceu em circunstâncias difíceis — o vício do pai levou ao divórcio de seus pais e a mudanças frequentes, deixando-o principalmente aos cuidados da mãe e dos avós —, mas o enclave católico unido de Glasgow, Escócia, o enraizou na fé. Batizado na Igreja de St. Margaret Mary, em Rutherglen, descobriu o amor pela Eucaristia desde cedo, e a missa diária antes da escola tornou-se rotina depois que a família migrou para a Austrália, quando ele tinha 12 anos de idade, onde sua vocação finalmente floresceu.

Em 2002, enquanto participava da missa com os Padres do Santíssimo Sacramento em Sydney, o celebrante pregou: "Talvez haja alguém aqui hoje que seja chamado por Deus para ser padre. Ele só precisa dizer sim".

Doohan — então o único jovem em uma congregação de "mulheres idosas piedosas" — sabia que o convite "precisava ser atendido", disse ele num vídeo sobre vocação.

O padre Doohan mergulhou de cabeça na vida paroquial depois daquele "sim". Seu pároco scalabriniano o colocou para trabalhar imediatamente: contando as coletas semanais, visitando famílias migrantes e assumindo quaisquer tarefas apostólicas necessárias. As Missionárias da Caridade então o instruíram no ministério de rua: servindo refeições quentes no refeitório comunitário, lendo as Escrituras para os visitantes, combinando isso com "homilias" curtas e práticas, e aprendendo, como ele diz, "a não ser excessivamente piedoso em situações que exigem prudência excepcional". Isso foi combinado com a leitura das obras do papa são João Paulo II, internalizando seu chamado para levar Cristo ao mundo.

“Como qualquer relacionamento, leva tempo e esforço”, diz o padre Doohan. “E certamente, num relacionamento com Deus, somos obrigados a corresponder à graça que Ele já nos concede. Então, Ele dá o primeiro passo em nossa direção. Deus é sempre fiel, mesmo quando não somos tão fiéis”.

“Muitas pessoas podem pensar que é como aqueles filmes antigos de Hollywood”, diz o padre com um toque de humor. “De algum modo, haverá uma instrução muito clara dada num momento muito específico, quase como um raio… Acho que muitas vezes acontece de Deus revelar um chamado gradualmente e ao longo do tempo”.

Inicialmente, ele considerou o sacerdócio diocesano em oposição à vida agostiniana, atraído pela combinação de trabalho pastoral e oração monástica. Seguiram-se 12 anos com os norbertinos. Entrou na casa deles em Manchester, Inglaterra, e foi investido com o hábito branco de são Norberto na festa de santo Agostinho. Sempre meticuloso, chegou a experimentar a vida cisterciense e cartuxa antes de voltar aos norbertinos em Antuérpia, Bélgica. Doohan foi ordenado diácono como norbertino da abadia de Tongerlo em 8 de setembro de 2014. Ele foi ordenado sacerdote aos 34 anos de idade na catedral de Santo André em Dundee, Dunkeld, Escócia.

Depois de sua primeira missa, ao oferecer bênçãos tradicionais para um padre recém-ordenado, ele fez questão de pedir às pessoas que rezassem por tudo o que lhes viesse à mente.

"Então, pedi que rezassem por coisas como: que eu sempre ame os pobres e seja fiel ao celibato e à santa castidade, que eu seja um bom confessor, que me dedique às escolas e às crianças — tudo o que me viesse à mente", disse Doohan. Isso é algo pelo qual os fiéis frequentemente o lembram que continuam a rezar.

Mesmo como padre diocesano, ele ainda valoriza o carisma norbertino da reconciliação, dizendo: “É um dom maravilhoso poder restaurar a amizade plena àqueles que se afastaram de Deus em pequenas ou até grandes coisas”.

Atualmente, ele atende na igreja de St. Patrick's, na área de Cowgate, no centro histórico de Edimburgo, e em dois hospitais da cidade. Também está trabalhando e considerando a criação do primeiro oratório de São Filipe Neri na Escócia.

*Andrew Likoudis formou-se em Comunicação Social pela Towson University, EUA, e foi estagiário no verão de 2025 no jornal National Catholic Register, da EWTN.

Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/63443/padre-celebra-missa-no-monte-everest-o-teto-do-mundo

A conversão de Elba Ramalho: “experimentei o cálice amargo, de sabores que a vida nos oferece”

Elba Ramalho | web

Paulo Teixeira - publicado em 11/06/25

O testemunho da cantora que conta sua trajetória, do sucesso, a família e a conversão.

Elba Ramalho é paraibana e desde 1979 faz sucesso com suas músicas animadas. Recebeu duas vezes o Grammy Latino, em 2008 e 2009, e foi premiada como "melhor show do ano” em 1989 e 1996. 

Elba foi profundamente marcada pela religiosidade popular em sua cidade natal que leva o nome de Conceição e tem Nossa Senhora da Conceição como padroeira. “Desde criança eu conheci o amor de Maria pelo amor da minha mãe, que eu acho que a gente começa isso na família, em casa. Naturalmente, essa devoção começou na infância quando eu tive oportunidade de coroar Nossa Senhora nas festas do dia 8 de dezembro da festa Nossa Senhora da Conceição e acho que uma vez tocada por esse amor, ele me acompanhou”, relatou a cantora em entrevista ao programa Encontro com Maria. 

Na adolescência, Elba deixou sua pequena cidade no Vale do Piancó e foi para o Rio de Janeiro onde, além de se dedicar ao teatro, foi baterista de uma banda de rock. “Experimentei o sabor do que eu considerava a liberdade, mas acabou se tornando, no momento da minha vida, uma prisão”, relata Elba que conta emocionada: “em muitas ocasiões da minha adolescência sozinha, sem família e sem a Igreja, eu comecei a gostar de voar e experimentar um pouco de tudo, até que experimentei o cálice amargo, de sabores que a vida nos oferece”. 

Depois de provar o sucesso e as amarguras, Elba Ramalho teve uma experiência mística de reorientou o seu coração, conforme relata: "Por Nossa Senhora eu fui resgatada! Vivi experiências místicas com ela, aliás, acho que todos nós temos um encontro pessoal com Deus, mesmo que de uma forma velada. Nossa Senhora veio, sim, e me fez alcançar a misericórdia. Senti o peso dos meus pecados, um chamado à conversão e Nossa Senhora me pediu para voltar para o banco da igreja que os meus pais tinham me colocado. Voltei para as missas, para a confissão. Então assim, eu fui encontrando essa consciência de que somos perdoados e somos acolhidos na proporção que efetuamos mudanças nas nossas vidas”.  

Com sua vida transformada Elba Ramalho deixa uma mensagem a todos para que se abram à misericórdia de Deus. “Reze o Rosário, não se esqueça que é um instrumento de salvação e de transformação. Cada ave maria bem rezada pode parar uma guerra no mundo, pode curar uma doença dentro do teu corpo, principalmente os males do espírito. Muita gente me chama de beata e sofro também ataques, mas não tem nada melhor pra mim, diariamente rezo o Rosário, participo da Missa todos os dias, vivo com Deus meu cotidiano”, conclui. 

Elba Ramalho continua lotando teatros com seu trabalho artístico e também atua na causa de defesa da vida, apoiando organizações que ajudam mulheres grávidas. 

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/06/11/a-conversao-de-elba-ramalho-experimentei-o-calice-amargo-de-sabores-que-a-vida-nos-oferece/

O cristianismo: uma história simples (Parte 3/4)

Bartolomé Esteban Murillo, Descanso na fuga para o Egito, Museu Puskin, Moscou [© Foto Scala Firenze] | 30Giorni

RECORDANDO PADRE GIACOMO...

Arquivo 30Dias nº 05 - 2012

O cristianismo: uma história simples

Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural Fabio Locatelli, de Bérgamo 15 de dezembro de 2000.

pelo Padre Giacomo Tantardini

Por que o cristianismo é uma história simples? É uma história simples (usamos uma palavra que a Igreja usa há dois mil anos) porque é graça, porque é um acontecimento e portanto uma história de graça. Se não fosse graça, seria uma coisa complicada. Por que a religiosidade humana não é simples? Porque nasce do homem. Porque é a tentativa boa do homem, partindo das coisas criadas, de reconhecer o Criador. Mas essa não é uma coisa simples, é uma coisa difícil. Diz o dogma de fé: é uma coisa difícil, uma coisa para poucos, uma coisa que, mesmo quando a religiosidade chega a seu termo (o Mistério existe), é mesclada a erros. São as palavras do dogma da Igreja. Não só é para poucos, não só é difícil, mas, mesmo quando a pessoa chega a dizer “Deus existe”, essa afirmação é mesclada a erros. No entanto, há dois mil anos começou uma coisa que é extremamente simples. Àquela menina foi prometido que conceberia e daria à luz. E, naqueles nove meses, quantos fatos humaníssimos... Em primeiro lugar ela se dá conta de que está grávida (e de que a barriga crescia como a barriga de qualquer mulher grávida). E o testemunho de José, que obedecendo ao Mistério maior do que ele a toma consigo. E o testemunho da prima Isabel: ela também tem um filho. E aquele Natal, aquele primeiro Natal, quando pela primeira vez os olhos de dois jovens, de Maria e José, viram a Deus. Viram a Deus. Começa assim o cristianismo. Não é que acreditaram em que Deus existe, não; nisso também acreditam os muçulmanos, que talvez nessa religiosidade sejam mais religiosos que nós, mas não viram. Não viram – no entanto, veio –, e na religiosidade e na moralidade podem ser mais morais e mais religiosos do que nós. Também por isso Paulo VI foi grande quando não fez nada para que não construíssem a mesquita em Roma; aliás, quando lhe diziam que deveria obter a reciprocidade, respondia que a Igreja não se rebaixava a esse nível. Mas é uma outra coisa. O cristianismo é uma outra coisa se comparado a todas as religiões do mundo, a todas as morais do mundo. O cristianismo é que há dois mil anos um jovem e uma jovem, José e Maria, viram a Deus com seus olhos, não numa visão mística. Maria deu à luz aquela criança. E José e ela a olharam maravilhados. Começou assim a história cristã. Ficaram ali a olhar para Deus. E depois naquela mesma noite os anjos anunciaram aos pastores que na cidade de Davi (pois Deus é fiel à suas promessas), “na cidade de Davi nasceu para vós o Salvador”. E os pastores foram, foram e viram um menino. Aquele menino era Deus. Assim, quando no Credo dizemos “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro [aquele menino], gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas, e por nós, homens, e para nossa salvação [por nós, homens, para o homem que se contenta com a luxúria, a usura e o poder, para esse homem, não para os homens de boa vontade (é Sua a boa vontade), mas para esse homem concreto], por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo...”

Acrescento isto. Depois de Maria e José, depois daqueles trinta anos em que o Eterno, que começou a existir e a crescer no tempo (o Eterno, continuando a ser eterno, começou a existir e a crescer no tempo e a contar os dias, as horas, os meses e os anos, como qualquer criança), depois daqueles trinta anos em que viveu em Nazaré, obedecendo a seu pai e a sua mãe, começa a missão, quando os dois primeiros, naquela tarde, às margens do Jordão, o encontraram, quando João e André, depois que João Batista indicou “Eis o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo”, foram atrás dele. Foram atrás dele atraídos por Ele. E então Jesus se volta e a esses dois rapazes – André era casado, portanto devia ter alguns anos mais, mas João era mesmo um rapazote –, a esses dois jovens pergunta: “O que buscais?”. Isso sempre me impressiona. Não lhe responderam buscamos a verdade, buscamos a felicidade, não lhe disseram nem mesmo buscamos o Messias. O que o coração buscava eles O tinham à sua frente. Eles O tinham à sua frente. O coração é infalível, nisso o coração é infalível. Há uma tese belíssima da teologia católica que fala da infalibilidade da fé. A infalibilidade do magistério é secundária em relação à infalibilidade da fé. A fé é infalível. O que buscavam, o que o coração buscava, eles O tinham à sua frente. Então àquela pergunta, “O que buscais?”, respondem perguntando a única coisa que alguém pode perguntar. Quando alguém encontra o que o coração deseja pode apenas pedir que essa coisa permaneça. “Mestre, onde moras?”, ou seja, “onde ficas?”. Onde ficas, para que eu fique contigo? Publicamente, aqui. Com Maria e José, digamos, ficava privadamente. Os trinta anos de vida privada, privada mas com muitos episódios públicos: os pastores, depois os Magos, depois quando aos doze anos no Templo... Mas, seja como for, uma história particular. Aqui o início é da história pública, da história pela qual esta noite estamos aqui. Por isso existe no mundo essa história simples de pessoas que se fascinaram porque O encontraram. História simples: fascinaram-se porque O encontraram e depois, uma vez encontrado, depende dEle, não depende em primeiro lugar de você, depende dEle que fique com você. É simples por isso. Caso contrário – posto que o início do cristianismo é graça (se a pessoa é cristã, não pode deixar de dizer isso) –, se introduz uma outra dinâmica. Não! Uma vez encontrado, o que acontece? O que você fez para encontrá-Lo? Nada. Então, veja, não se agite, porque depende dEle. Depende dEle, que o encontrou e continua fiel. Depende dEle, que se mantém fiel a você; não depende em primeiro lugar da sua fidelidade. Depende dEle. É simples por isso. É simples porque não só Ele encontra você, não só foi Ele que foi ao encontro dos primeiros, mas depende dEle, que ficou com os primeiros, depende dEle, que no dia seguinte se deixou encontrar novamente pelos primeiros, depende dEle, que no dia seguinte mais uma vez...

André foi para casa naquela noite e disse a seu irmão Pedro: “Encontramos o Messias”. Uma outra coisa que me maravilha é pensar que Pedro da primeira vez que vislumbrou humanamente o Mistério feito carne foi olhando para o rosto de seu irmão. Nunca tinha visto o rosto de André assim, nunca tinha visto o rosto de seu irmão dessa forma, pois a graça tem um reflexo no humano. A graça é visível. Tem uma fonte invisível, mas tem um reflexo visível; o reflexo da graça pode ser visto, pode ser visto e é inconfundível. É infalível o reflexo da graça, é inconfundível com qualquer outra beleza. É a beleza pela qual o coração foi criado. Então não apenas é Ele que se deixa encontrar, mas é Ele que permanece, tanto assim que no dia seguinte, quando viu Pedro, lhe disse: “Tu és Simão, filho de João, tu te chamarás Pedro”. E assim, de dois, se tornaram três e dessa forma foram adiante durante três anos... Assim. Mas pensem naqueles três anos, pensem de quem era a iniciativa. Não era daqueles que O seguiam, a iniciativa era sempre Sua. Como quando o jovem rico, convidado a segui-Lo, ou melhor, amado por Ele... Jesus o olhou e se enterneceu, quis o seu bem. No entanto o jovem não O segue, e então Jesus diz que é impossível para um rico entrar no Reino dos Céus, e Pedro lhe pergunta: “Mas então quem se pode salvar?”. E aqui está uma das mais belas frases do Evangelho: “E Jesus, olhando para eles [olhando para eles, não fazendo teologia, olhando para eles] disse: ‘A Deus nada é impossível’”. Olhando para eles: porque o que lhe era evidente, como Mistério, como homem ele aprendia das coisas que aconteciam, tal como nós aprendemos daquilo que acontece. Se Pedro estava ali, se João estava ali, se Mateus estava ali (pensava eu hoje, vendo os quadros de Caravaggio, pensava na Vocação de Mateus de Caravaggio, em São Luís dos Franceses, em Roma), se Zaqueu tinha descido cheio de alegria, isso significa que a Deus nada é impossível. Pois Mateus era rico, aliás, recolhia dinheiro para os invasores romanos, e Zaqueu, o mais rico de Jericó... se eles estavam ali, isso significa que a Deus nada é impossível. Jesus também, como homem, aprendeu a natureza do Mistério a partir daquilo que acontecia. O que, como Deus, ele conhecia, aprendeu como homem pela experiência. Diz São Bernardo numa das frases mais estupendas sobre o mistério de Jesus: o que por natureza conhecia desde a eternidade (que a Deus nada é impossível), ele o aprendeu pela experiência humana. Ele também se surpreendeu quando viu Zaqueu descer correndo. Pensem no episódio de Zaqueu. Esse pequeno homem que teve de subir na árvore para vê-lo passar. Esse pequeno homem que era o chefe das quadrilhas ilegais da cidade de Jericó, e Jesus, passando, olha para ele e lhe diz: “Zaqueu, vou a tua casa”. Não disse nada, não lhe respondeu nada. Cheio de alegria desceu. E depois distribuiu quatro vezes o que havia roubado. Mas depois, depois! De imediato, cheio de alegria, desceu e correu a sua casa. Então é simples, é simples não apenas porque o início é graça, mas porque cada passo é graça. Diz Santo Tomás numa de suas frases mais belas (a Igreja Católica, usando também essa frase, no ano passado, assinou um documento com os luteranos em que dizia que sobre aspectos essenciais da doutrina da justificação os católicos e os protestantes reconhecem a mesma coisa): “Gratia facit fidem”, a graça cria a fé. A fé é o reconhecimento dessa atração, a fé é o reconhecimento desse encontro, a fé é a surpresa reconhecida desse encontro. “Gratia facit fidem non solum quando fides incipit esse in homine”, a graça cria a fé não apenas quando a fé começa a existir num homem, “sed quamdiu fides durat”, mas a cada momento em que a fé permanece. A cada momento, não apenas no início, a cada momento a iniciativa é Sua.

Esta tarde visitei a mostra de Caravaggio, aqui em Bérgamo. Belíssima. Fomos guiados por um sacerdote que muito humanamente, de maneira muito bela, descrevia as coisas. A certa altura, porém, ele disse que Caravaggio exprime a dificuldade da fé. Eu não diria isso. A fé, quando acontece, nunca é difícil. É fácil a “falta de fé”. Isto sim, a “falta de fé” é facílima. “Homens de pouca fé, por que duvidais?” É facílima, até para aqueles que O seguiam, é facílima a “falta de fé”, é facílima a dúvida, é facílima a blasfêmia, isto sim. Pois a graça do Batismo cancela o pecado original, mas não as consequências do pecado original. É facílima a “falta de fé”, facílima a dúvida, é facílima a traição. Pensem em Pedro: “Mesmo que todos te abandonassem, eu nunca te abandonaria”. Três horas depois... Três horas depois! Em primeiro lugar, meia hora depois, tinha adormecido. E depois, três horas mais tarde, O traiu. É facílima a traição. Mas a fé é mais fácil. É mais fácil a fé. Senão, significa que não sabemos o que é. É mais fácil, pois quando Jesus, depois da traição, olhou para ele, era mais fácil explodir em pranto, mais fácil que qualquer outra coisa. A fé é mais fácil. Não existe uma fé difícil. É mais fácil. É uma imagem não cristã de fé dizer que a fé é difícil. É mais fácil, é ainda mais fácil que a traição. Pensem naquele pobre homem que era Pedro, naquele pobre pecador que era Pedro: quando Jesus olhou para ele, foi a coisa mais fácil da vida estourar em lágrimas, foi a coisa mais fácil da vida pôr-se a chorar. Foi a coisa mais fácil da vida dizer: “Como me queres bem, como me queres bem! No entanto, eu te traí”. É fácil a fé, é fácil. Não existe fé (este é um dogma de fé), não existe fé se o Espírito Santo não doa a doçura (fala de doçura; a doçura não pode ser difícil, seria uma coisa desumana), a doçura de aderir. É o Espírito, é a graça que doa a doçura de aderir. Usa a palavra doçura: mais fácil que isso! É fácil a fé. No instante seguinte, podemos não crer. No instante seguinte, podemos blasfemar, no instante seguinte podemos correr atrás do dinheiro, da luxúria e do poder. Mas, se experimentamos essa doçura, podemos correr atrás como todo o mundo, mas essa doçura é a coisa mais fácil, é a coisa mais fácil. E pôr-se a chorar depois de ter corrido atrás da luxúria, do dinheiro, do poder, pôr-se a chorar, porque essa doçura se reapresenta, porque esse olhar volta a olhar para você, pôr-se a chorar é a coisa mais fácil. Não há coisa mais fácil para a criança, que, depois de todos os caprichos deste mundo, se abandona nos braços do pai e da mãe; não há coisa mais fácil. Vocês dizem que é difícil para a criança? Seria uma coisa desumana se não se abandonasse. É a coisa mais fácil deste mundo abandonar-se nos braços do pai e da mãe.

Fonte: https://www.30giorni.it/

DENTRO DO VATICANO: Dicastério para os Bispos

O Papa Leão XIV celebrou a Missa na capela do Dicastério para os Bispos (20 de maio de 2025)  | Vatican News.

A missão deste organismo é auxiliar o Papa na escolha dos pastores a quem confiará as comunidades eclesiais nos territórios sob sua jurisdição. Após a identificação dos sacerdotes a serem propostos ao episcopado, a decisão final cabe ao Pontífice.

Amedeo Lomonaco – Cidade do Vaticano

O Dicastério para os Bispos foi guiado desde janeiro de 2023, com a função de prefeito, pelo então cardeal Robert Francis Prevost, que posteriormente ascendeu ao trono de Pedro com o nome de Leão XIV. O secretário é monsenhor Ilson de Jesus Montanari.

A tarefa que a Igreja confia a este Dicastério é auxiliar o Pontífice na escolha dos pastores do Povo de Deus. É de competência deste organismo curial tudo o que se refere à constituição e provisão das Igrejas particulares e ao exercício do múnus episcopal na Igreja Latina, sem prejuízo da competência do Dicastério para a Evangelização.

Competências

O âmbito de ação e das competências do Dicastério para os Bispos está delineado na Constituição Apostólica “Praedicate Evangelium”. Compete a este Dicastério, após reunir os elementos necessários e em colaboração com os Bispos e as Conferências Episcopais, tratar de questões relativas à constituição das Igrejas particulares e seus agrupamentos, sua divisão, unificação, supressão e outras alterações.

O Dicastério dispõe sobre tudo o que diz respeito à nomeação de bispos, diocesanos e titulares, dos administradores apostólicos. O Dicastério também trata da renúncia dos bispos ao seu cargo, de acordo com as disposições canônicas. Compete também ao Dicastério preparar tudo o que se refere às visitas "ad limina Apostolorum" das Igrejas particulares confiadas aos seus cuidados.

Pontifícia Comissão para a América Latina

Junto ao Dicastério para os Bispos está instituída a Pontifícia Comissão para a América Latina, cuja tarefa é estudar questões que dizem respeito à vida e ao desenvolvimento das mesmas Igrejas particulares. É de sua competência promover as relações entre as instituições eclesiásticas internacionais e nacionais que atuam nas regiões da América Latina e as instituições curiais.

Notas Históricas

O Dicastério para os Bispos tem origens antigas. Sisto V, com a Constituição "Immensa" de 22 de janeiro de 1588, instituiu a Congregação para a Ereção de Igrejas e Provisões Consistoriais, nome posteriormente alterado para Sagrada Congregação Consistorial.

São Pio X, com a Constituição "Sapienti Consilio" de 1908, ampliou suas atribuições, designando-lhe, entre outras coisas, a competência relativa à eleição de bispos, à ereção de dioceses e dos capítulos dos cônegos.

Com a Constituição Apostólica "Regimini Ecclesiae Universa", de 15 de agosto de 1967, de Paulo VI, o nome foi novamente alterado para Sagrada Congregação para os Bispos. Com a Constituição Apostólica Pastor Bonus, de 28 de junho de 1988, de João Paulo II, fica determinado que a Congregação para os Bispos é chamada, entre outras coisas, a realizar tudo o que se refere à constituição das Igrejas particulares e seus Concílios, sua divisão, unificação, supressão e outras mudanças.

A Congregação para os Bispos mudou de nome em 2022. Com a promulgação da Constituição Apostólica "Praedicate Evangelium", o nome anterior da Congregação foi alterado. O nome atual é Dicastério para os Bispos.

Dicastério para os Bispos: a Capela | Vatican News.

Escolher homens que sejam pastores

O critério não é a busca pela perfeição. O Dicastério para os Bispos, diferentemente do das Causas dos Santos, é responsável por avaliar os perfis pastorais dos candidatos que são homens em caminho à luz do Evangelho.

Em um sacerdote a ser proposto ao episcopado, as virtudes teologais e cardeais, e em particular a prudência, certamente contam. O trabalho do Dicastério para os Bispos deve ser realizado colegialmente, com fé e espírito de serviço. A avaliação final é então submetida ao Papa para sua decisão final.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF