BELEZA OCULTA
17/11/2025
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de montes Belos (GO)
Há uma beleza que se guarda e não chama
atenção, nem se ostenta, apenas existe. Uma beleza que mora
no brilho de olhos distraídos, na paz que visita o coração no
meio do dia, na pequena alegria que resiste ao castigo do tempo. Uma
beleza que prefere o
que está esquecido e encostado nas coisas
gastas.
Essa beleza conhece as feridas. Sabe que toda
cicatriz é desenho de retorno, linhas que mostram por onde a vida
passou antes de voltar do abismo.
O Evangelho de Lucas mostra uma cena em que essa beleza
parece ausente. Alguns apontavam, admirados, a grandeza do templo, as pedras
imensas, os adornos, o esplendor visível. Jesus ouve e responde com uma frase
que parece contrariar a admiração: “não ficará pedra sobre
pedra”. É como se dissesse que aquilo que os olhos chamam de definitivo não
suporta o peso do tempo. E Ele continua, enumerando guerras,
revoluções, abalos, fome, perseguições, traições. Coisas não estranhas à
história, pois reaparecem, século após século, com novos nomes e as mesmas
feridas.
É fácil imaginar que num mundo assim a beleza seja apenas
luxo. Mas é justamente aí que ela mostra sua força. As pedras caem, as
estruturas se movem, o chão treme, e no entanto há um olhar que
aprende a não se assustar.
A beleza é esse olhar! Sem negar a gravidade dos
acontecimentos, ela se recusa a deixar que eles sejam a
conclusão. Sem se opor ao real, ela apenas o
aprofunda, abrindo uma fissura na dureza da vida.
Jesus não promete um caminho fácil, nem
uma caminhada plaina. Fala de prisões, incompreensões, ódio, famílias
divididas. Mas, dentro desse cenário, oferece um dom que não se compra.
Palavras e sabedoria que ninguém consegue silenciar, cuidado
minucioso que conta até os fios de cabelo, uma promessa de que a vida não será
perdida. É como se dissesse que, enquanto as estruturas visíveis desabam, outra
construção silenciosa se ergue por dentro.
A beleza que vem de Cristo é resistência luzente. Ele
não se apresenta como um ornamento do templo, e sim como o próprio Templo que
permanece quando todas as paredes caem.
Um dia, essa mesma beleza subiu um monte. Não
levava nenhum adorno, mas o peso manso de uma autoridade que ninguém
podia contestar. A multidão se aproximou, carregando seus medos, suas
faltas, suas perguntas. Então Ele se sentou, e o mundo teve a sensação de que,
por um instante, respirava com mais profundidade. A voz que anunciou a queda
das pedras também revelou o que permanece quando tudo cai.
Ele começou a falar de felicidade, mas não daquela que se
mede pelo sucesso ou pela ausência de problemas.
Falou dos pobres de espírito, daqueles que não se bastam e
deixam lugar para Deus, e ali revelou que o Reino escolhe essa casa humilde
para morar.
Falou dos que choram, e não prometeu que nunca mais haveria
lágrimas, mas disse que deles é o consolo, como se cada pranto pudesse ser
colhido pela mão de alguém que conhece o peso da dor. Falou
dos mansos e mostrou que a terra, tantas vezes violenta, reconhece e
confia na leveza.
Falou dos que têm fome e sede de justiça, não como
idealistas, mas como gente que traz no peito a impaciência de Deus diante da
injustiça; a esses prometeu saciedade, como quem garante que o mundo não
ficará alquebrado para sempre
Falou dos misericordiosos, que se arriscam a perdoar quando
tudo pede vingança, e revelou que o coração que se abre dessa maneira acaba
encontrando uma medida nova de misericórdia. Falou dos puros de coração, não
como perfeitos sem manchas, mas como aqueles que permanecem inteiros, sem
duplicidade, e disse que esses verão a Deus, como se a própria beleza divina
estivesse escondida na simplicidade do olhar limpo.
Falou dos que promovem a paz, não como
diplomatas nacionalistas, mas como artesãos que costuram tecidos
rasgados; chamou-os filhos de Deus, como se a paz fosse a assinatura do Pai em
suas vidas. E, por fim, falou dos perseguidos por causa da justiça, daqueles em
quem o mundo descarrega sua fúria, e afirmou que deles é o Reino dos
céus.
Nele, a beleza escondida no mundo ganhou rosto, voz e forma.
Tudo o que estava disperso, tudo o que aparecia como sussurro em meio ao
barulho das catástrofes, tudo o que se insinuava como esperança em meio ao
medo, reuniu-se naquela fala sobre o monte. A beleza não era mais uma presença
tímida em cantos discretos da vida. Ela estava ali, sentada, falando, revelando
que o verdadeiro esplendor é a vida transformada em bem-aventurança.
Desde então, a beleza mais resplandecente é o
próprio Cristo, que atravessa o tempo como uma promessa viva. Nele, o mundo
ferido encontra o seu contorno e a vida descobre que não
é forjada para terminar em ruínas. Nele, toda catástrofe perde o
direito de decidir. E, quando a sua voz ecoa no coração, é como se a
nascente escondida sob a pedra e colunas viesse à tona, e das
ruínas do templo devastado emerge uma beleza como nunca se havia visto.

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