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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

ORTODOXO: A raiz do cisma: o pensamento mundano na Igreja (Parte 2/3)

O Patriarca Bartolomeu I, ladeado por 12 metropolitas do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, durante a liturgia | 30Giorni.

ORTODOXO

Arquivo 30Dias nº 01 - 2004

Entrevista com Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla

A raiz do cisma: o pensamento mundano na Igreja

"De todas as divergências entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente, a que se pode compreender mais facilmente é por que e como a Igreja do Ocidente fundamentou sua esperança em sua força mundana."

Por Gianni Valente

Historiadores católicos observam que já existiam tensões entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente durante o primeiro milênio, especialmente em relação ao papel do Papa. Portanto, o primeiro milênio não deve ser descrito como uma espécie de era de ouro. O senhor concorda com essa avaliação?
BARTOLOMEU I: O mundo em que a Igreja, em seu contexto histórico, vive é um campo de treinamento, não um lugar de repouso. Durante o primeiro milênio, a Igreja enfrentou centenas de heresias e desvios ou lapsos de todos os tipos por parte de grupos de fiéis. Portanto, ninguém que conheça os fatos pode definir o primeiro milênio da Igreja como sua era de ouro, e as relações entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente durante o primeiro milênio também não foram isentas de problemas.

No entanto, durante o primeiro milênio, o vínculo de paz e unidade de fé foi mantido entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente, pelo menos em questões fundamentais, porque os desvios, embora tivessem se manifestado cedo, ainda não eram considerados incuráveis. O diálogo era ativo, mantendo um senso de unidade e comunhão, confirmado no Corpo e Sangue de Cristo — isto é, nos sacramentos — enquanto todos os esforços eram feitos para eliminar os desvios.

Infelizmente, esses esforços foram infrutíferos e, no fim, prevaleceu o movimento oposto: o acirramento das diferenças e o cisma, como já mencionamos. Consequentemente, o primeiro milênio, embora não tenha sido uma era de ouro para as relações entre Oriente e Ocidente, foi, no entanto, uma era de comunhão espiritual, e isso é muito importante.

Segundo o Cardeal Kasper, as excomunhões mútuas entre o Patriarca Cerulário e o Legado Papal Humberto da Silvacandida não foram um cisma entre duas Igrejas, mas uma excomunhão "entre dois homens idosos e obstinados da Igreja, ambos os quais cometeram erros e cujas ações tiveram consequências que ultrapassaram as controvérsias de seu próprio tempo". O senhor concorda com essa avaliação?
BARTOLOMEU I: Não exatamente. Já explicamos que os anátemas de 1054 foram um episódio de pouca importância em si mesmos, mas resultaram de um longo processo, a ruptura de uma inflamação purulenta de longa duração. Seus indivíduos e seus caracteres certamente desempenharam seu papel, mas não foram esses os fatores que determinaram o curso da história da Igreja. As forças que determinaram esse curso foram mais profundas, mais amplas, mais espirituais e mais eficazes. Elas diziam respeito a populações e mentalidades inteiras, não a indivíduos isolados, mesmo aqueles influentes na hierarquia civil ou eclesiástica, e em todo caso não se referiam às suas reações isoladas e imprevisíveis.

Se os cristãos do Oriente e do Ocidente não estivessem já espiritualmente distantes uns dos outros, os atos de Cerulário e Humberto teriam sido revogados por seus sucessores imediatos. O fato de terem permanecido em vigor por um milênio atesta o espírito comum predominante que aprovou o cisma como expressão da diversificação espiritual existente.

Bartolomeu I abraça o Cardeal Walter Kasper, chefe da delegação enviada pela Santa Sé a Istambul para a festa patronal do Patriarcado Ecumênico | 30Giorni.

Além disso, esse sentimento de diversificação espiritual entre Oriente e Ocidente, ou, em outras palavras, entre os mundos católico romano e protestante, por um lado (já que esses dois mundos sentem uma afinidade mais profunda entre si, apesar de suas divergências), e o mundo ortodoxo, por outro, é reconhecido e proclamado até mesmo pelos maiores intelectuais da era moderna.

O teólogo dominicano Yves Congar observou que, mesmo depois de 1054 e até o Concílio de Florença em 1431, houve tantos casos de comunhão que não se podia falar de uma ruptura total. O que tornou a separação "provisoriamente definitiva" nos séculos que se seguiram?
BARTOLOMEU I: Uma ruptura espiritual que envolve milhões de fiéis e continentes inteiros não ocorre da noite para o dia, nem mesmo de forma uniforme. A doença e a consequente ruína não atacam todas as células simultaneamente. É, portanto, bastante compreensível que elementos de comunhão tenham sido preservados local e temporariamente. Mas isso não altera a situação geral, que, infelizmente, continuou a piorar.

Em 1204, Constantinopla foi saqueada de forma desumana e bárbara, como se fosse uma cidade de infiéis e não de pessoas da mesma fé cristã. Uma hierarquia eclesiástica latina foi instalada nela e em muitas outras cidades, como se a Igreja Ortodoxa não fosse cristã. Proclamou-se que fora da Igreja papal não há salvação, o que significava que a Igreja Ortodoxa não salva. Um esforço maciço dos francos para latinizar a Igreja Ortodoxa Oriental foi iniciado e implementado sistematicamente.

Esse comportamento severo ampliou o abismo psicológico entre o Oriente e o Ocidente, resultando na situação atual, em que muitas Igrejas Ortodoxas, unanimemente ou em sua maioria, questionam a sinceridade das intenções unionistas da Igreja Católica Romana em relação à Igreja Ortodoxa e desconfiam da esperança de alcançar um resultado unionista por meio do diálogo. Elas veem essa tentativa como uma forma de absorver e subjugar os ortodoxos ao Papa. Nós, pessoalmente, sempre consideramos o diálogo útil e esperamos que ele dê frutos, mesmo que amadureçam lentamente. Para além dos esforços humanos de boa vontade, contamos com a iluminação do Espírito Santo, com a graça divina, que sempre cura das enfermidades e supre o que falta.

Umberto da Silvacandida foi um representante dos inovadores da Igreja Ocidental que iniciaram a reforma gregoriana. Por que esse movimento levou a um distanciamento e a uma ruptura entre a Igreja Ocidental e a Igreja Oriental?
BARTOLOMEU I: A reforma gregoriana provocou reações na Igreja Ortodoxa e em seus fiéis devido ao espírito que inspirou sua implementação (um espírito de autoritarismo, poder e ações unilaterais que subvertiam as tradições). As reações foram contra a dominação espiritual, contra a escravidão espiritual, contra o autoritarismo espiritual. Poderíamos dizer, em geral, que as reações derivaram do senso de liberdade pessoal, que é familiar à civilização ortodoxa oriental.

Continua...

Fonte: https://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF