Cristo Rei, homilia de São Josemaria
Disponibilizamos, em áudio e texto, a homilia Cristo Rei que
São Josemaria Escrivá pronunciou no dia 22 de novembro de 1970, festa de Cristo
Rei, e posteriormente publicada em “É Cristo que passa”.
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14/11/2022
Disponibilizamos, em áudio, a homilia Cristo Rei que
São Josemaria Escrivá pronunciou no dia 22 de novembro de 1970, festa de Cristo
Rei, e posteriormente publicada em “É
Cristo que passa”.
Homilia completa:
Cristo deve reinar, acima de tudo, na nossa alma. Mas que
resposta lhe daríamos se nos perguntasse: como me deixas reinar em ti? Eu lhe
responderia que, para que Ele reine em mim, necessito da sua graça
abundantemente: só assim é que o último latejo do coração, o último alento, o
olhar menos intenso, a palavra mais intranscendente, a sensação mais elementar
se traduzirão num hosana ao meu Cristo Rei.
Se pretendemos que Cristo reine, temos que ser coerentes,
começando por entregar-lhe o nosso coração. Se não o fizermos, falar do reinado
de Cristo será palavreado sem substância cristã, manifestação externa de uma fé
inexistente, manejo fraudulento do nome de Deus para barganhas humanas.
Se a condição para que Jesus reine em minha alma, na tua
alma, fosse contar previamente com um lugar perfeito dentro de nós, teríamos
motivos para desesperar. Mas não temas, filha de Sião: eis que o teu Rei vem
montado sobre um jumentinho. Vemos? Jesus contenta-se com um pobre animal por
trono. Não sei o que se passa convosco; quanto a mim, não me humilha
reconhecer-me aos olhos do Senhor como um jumento: Sou como um burrinho diante
de Ti; mas estarei sempre a teu lado, porque me tomaste pela tua mão direita ,
Tu me conduzes pelo cabresto.
Pensemos nas características do jumento, agora que vão ficando tão poucos. Não
no burro velho e teimoso, rancoroso, que se vinga com um coice traiçoeiro, mas
no burrinho jovem, de orelhas esticadas como antenas, austero na comida, duro
no trabalho, de trote decidido e alegre.
Há centenas de animais mais belos, mais hábeis e mais
cruéis. Mas Cristo escolheu esse para se apresentar como rei diante do povo que
o aclamava. Porque Jesus não sabe o que fazer com a astúcia calculista, com a
crueldade dos corações frios, com a formosura vistosa mas oca. Nosso Senhor ama
a alegria de um coração jovem, o passo simples, a voz sem falsete, os olhos
limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. É assim que reina na alma.
Se deixarmos que Cristo reine na nossa alma, não nos
converteremos em dominadores; seremos servidores de todos os homens.
Serviço. Como gosto dessa palavra! Servir ao meu Rei e, por
Ele, a todos os que foram redimidos pelo seu sangue. Se nós, cristãos,
soubéssemos servir! Confiemos ao Senhor a nossa decisão de aprender a realizar
essa tarefa de serviço, porque só sentindo poderemos conhecer e amar Cristo,
dá-lo a conhecer e conseguir que outros mais o amem.
Como havemos de mostrá-lo às almas? Com o exemplo: que
sejamos suas testemunhas em todas as nossas atividades, mediante a nossa
voluntária servidão a Jesus Cristo, porque Ele é o Senhor de todas as
realidades da nossa vida, porque é a única e a última razão da nossa
existência. Depois, quando tivermos prestado esse testemunho do exemplo,
seremos capazes de instruir com a palavra, com a doutrina. Cristo agiu assim:
Coepit facere et docere , primeiro ensinou com obras, e depois com a sua
pregação divina.
Servir os outros, por Cristo, exige que sejamos muito
humanos. Se a nossa vida for desumana, Deus nada edificará sobre ela, pois
normalmente não constrói sobre a desordem, sobre o egoísmo, sobre a
prepotência. Temos que compreender a todos, temos que conviver com todos, temos
que desculpar a todos, temos que perdoar a todos. Não diremos que o injusto é
justo, que a ofensa a Deus não é ofensa a Deus, que o mau é bom. No entanto,
perante o mal, não responderemos com outro mal, mas com a doutrina clara e com
a ação boa: afogando o mal em abundância de bem. Assim Cristo reinará na nossa
alma e nas almas dos que nos rodeiam.
Alguns tentam construir a paz no mundo sem semear amor de
Deus em seus corações, sem servir por amor de Deus as criaturas. Assim, como
será possível realizar uma missão de paz? A paz de Cristo é a paz do reino de
Cristo; e o reino de Nosso Senhor deve cimentar-se no desejo de santidade, na
disposição humilde de receber a graça, numa esforçada ação de justiça, num
derramamento divino de amor.
Não é um sonho irrealizável ou inútil. Se nós, os homens,
nos decidíssemos a albergar o amor de Deus em nossos corações! Cristo, Senhor
Nosso, foi crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a
paz entre Deus e os homens. Jesus Cristo recorda a todos: Et ego, si exaltatus
fuero a terra, omnia traham ad meipsum , se vós me colocardes no cume de todas
as atividades da terra, cumprindo o dever de cada instante, dando testemunho de
mim no que parece grande e no que parece pequeno, omnia traham ad meipsum, tudo
atrairei a mim. Meu reino entre vós será uma realidade.
Cristo, Nosso Senhor, continua empenhado nesta semeadura de
salvação dos homens e de toda a criação, deste nosso mundo, que é bom porque
saiu bom das mãos de Deus. Foi a ofensa de Adão, o pecado da soberba humana,
que rompeu a divina harmonia da Criação.
Mas Deus Pai, quando chegou a plenitude dos tempos, enviou
seu Filho Unigênito, que, por obra do Espírito Santo, tomou carne em Maria
sempre Virgem para restabelecer a paz, para que, redimindo o homem do pecado,
adoptionem filiorum reciperemus , fôssemos constituídos filhos de Deus, capazes
de participar da intimidade divina; para que assim fosse concedido a este homem
novo, a esta nova estirpe dos filhos de Deus , o poder de libertar todo o
universo da desordem, restaurando em Cristo todas as coisas , que por Ele foram
reconciliadas com Deus.
Foi para isso que nós, os cristãos, fomos chamados, essa é a
nossa tarefa apostólica e a preocupação que deve consumir a nossa alma:
conseguir que o reino de Cristo se torne realidade, que não haja mais ódios nem
crueldades, que estendamos pela terra o bálsamo forte e pacífico do amor.
Peçamos hoje ao nosso Rei que nos faça colaborar humilde e fervorosamente com o
propósito divino de unir o que se quebrou, de salvar o que está perdido, de
ordenar o que o homem desordenou, de levar a seu termo o que se extraviou, de
reconstruir a concórdia entre todas as coisas criadas.
Abraçar a fé cristã é comprometer-se a continuar entre as
criaturas a missão de Jesus. Cada um de nós tem que ser alter Christus, ipse
Christus, outro Cristo, o próprio Cristo. Só assim poderemos empreender essa
tarefa grande, imensa, interminável: santificar por dentro todas as estruturas
temporais, levando até elas o fermento da Redenção.
Nunca falo de política. Não encaro a tarefa dos cristãos na
terra como se tivesse por fim fazer brotar uma corrente político-religiosa -
seria uma loucura -, nem mesmo com o bom propósito de infundir o espírito de
Cristo em todas as atividades dos homens. O que é preciso situar em Deus é o
coração de cada um, seja ele quem for. Procuremos falar a cada cristão, para
que lá onde estiver - nas circunstâncias que não dependem apenas da sua posição
na Igreja ou na vida civil, mas também do resultado das mutáveis situações
históricas -, saiba dar testemunho da fé que professa, com o exemplo e com a
palavra.
Por ser homem, o cristão vive no mundo com pleno direito. Se
aceitar que Cristo habite em seu coração, que Cristo reine, a eficácia
salvadora do Senhor estará intensamente presente em todas as suas ocupações
humanas. E não interessa que sejam ocupações altas ou baixas, como se costuma
dizer, pois um ápice humano pode ser aos olhos de Deus uma baixeza; e o que
chamamos baixo ou modesto pode ser um ápice cristão, de santidade e de serviço.
Quando trabalha, como é de sua obrigação, o cristão não deve
iludir nem esquivar-se às exigências próprias da natureza das coisas. Se pela
expressão abençoar as atividades humanas, se entendesse anular ou escamotear a
sua dinâmica própria, negar-me-ia a usar essas palavras. Pessoalmente, nunca me
convenci de que as ocupações habituais dos homens devessem ostentar um
qualificativo confessional, à moda de um letreiro postiço. Embora respeite a
opinião contrária, parece-me que se correria o perigo de usar em vão o santo
nome da nossa fé, e de utilizar, além disso, a etiqueta católica - como já se
tem visto em certas ocasiões - para justificar atitudes e operações que, às
vezes, nem sequer são honradamente humanas.
Se, à exceção do pecado, o mundo e tudo o que nele se contém
é bom, por ser obra de Deus Nosso Senhor, o cristão, lutando continuamente por
evitar as ofensas a Deus - uma luta positiva de amor -, deve dedicar-se a todas
as realidades terrenas, ombro a ombro com os outros cidadãos; e defender todos
os bens derivados da dignidade da pessoa.
E existe um bem que, de forma especial, deverá promover
sempre: o da liberdade pessoal. Só se defender a liberdade individual dos
outros, com a correspondente responsabilidade pessoal, poderá defender
igualmente a sua própria, com honradez humana e cristã. Repito e repetirei sem
cessar que o Senhor nos concedeu gratuitamente um grande dom sobrenatural, que
é a graça divina; e outra maravilhosa dádiva humana, a liberdade pessoal, que -
para não se corromper, convertendo-se em libertinagem - exige de nós integridade,
empenho eficaz em desenvolver a conduta dentro da lei divina, pois onde se
encontra o Espírito de Deus, lá se encontra a liberdade.
Continua...

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