Sei que te alegrou muito, Jesus. As coisas pequenas
São Josemaria nos ensinou a cuidar das coisas pequenas porque compreendia a capacidade do homem de agradar a Deus com pequenos e quase minúsculos detalhes realizados por amor.
Os “detalhes caseiros do herói”
Olhar para a imensidão do amor de Deus, que nos ama com
loucura, pode ajudar-nos a compreender o valor que as pequenas coisas têm para
Deus, precisamente porque são nossas. Temos consciência de que nunca pagaremos
a dívida, mas entusiasma-nos sonhar em contribuir para sustentar
as despesas familiares. É o seu amor que
transforma as nossas quinquilharias em joias preciosas. Tudo serve para tornar
feliz a Deus: bastam, como nos diz o Evangelho, duas moedas que formam
a quarta parte do ás, mas que Deus considera aptas para a sua infinita
capacidade de amar e ser amado. Estas coisas pequenas libertam a alma porque a
ajudam a deixar-se amar a troco de nada. Vividas assim, não sufocam. Pelo
contrário, não é possível estar atento a com perseverança se forem fruto do
anseio de controlar, de pagar a dívida. Trata-se, na verdade,
de detalhes espontâneos e simples de quem se sabe olhado com carinho por um
Deus todo-poderoso e eterno, mas, ao mesmo tempo, um Deus muito caseiro.
Muitos de nós não teremos a categoria dos grandes santos ou
dos mártires, teremos, porém, a sorte de que nossos atos cativem a Deus. Nunca
pensaremos que fazemos algo que mereça o seu carinho e é precisamente isso que
abre plenamente o nosso coração à sua graça. Ele se deleita com a nossa luta
gratuita, livre e alegre. Como não percebemos a altura, não temos vertigem e
atuamos com uma naturalidade e uma fé encantadoras para ele: “Muito bem, servo
bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito; vem regozijar-te
com teu senhor” (Mt 25, 23).
Penetrar, com esta perspectiva, no universo das coisas
pequenas permite-nos evitar duas caricaturas que não são dignas do humor e do
amor com que Deus nos olha. Aparentemente distantes um do outro, os dois
desvios têm algo decisivo em comum: colocam o foco em nós, no que fazemos. Por
um lado, podemos descobrir depois de anos de luta que o cuidado das coisas
pequenas nos proporciona certa segurança e corremos o risco de buscar nelas a
tranquilidade de quem se limita a cumprir. Sem perceber, talvez, transformaram-se
em atos rígidos que servem de analgésico para a nossa insegurança. Nós as
vivemos externamente, mas não desfrutamos delas. Por outro lado, pode acontecer
também que representem para nós um peso insuportável, uma carga que oprime e
desfoca o rosto amável de Cristo porque tornam a luta aflitiva para nós.
OLHAR PARA A IMENSIDÃO DO
AMOR DE DEUS, QUE NOS AMA COM LOUCURA, PODE AJUDAR-NOS A COMPREENDER O VALOR
QUE AS PEQUENAS COISAS TÊM PARA DEUS
De qualquer forma, a solução não está em não lhes dar
atenção. Trata-se antes de observar como é a nossa luta diante de Deus, e não
os resultados que tenhamos obtido. É questão de voltar a ater-nos a ele. Essa
luta pode ser muitas vezes escondida, ínfima e sem fruto, mas é parte do
“eterno diálogo entre a criança inocente e o pai, doido por seu filho: – Quanto
me queres?... Fala! – E o garotinho diz, marcando as sílabas: – Mui-tos
mi-lhões!”[10].
São Josemaria escreve sobre isso em uma carta: “Que tolices
te conto! É verdade: mas tudo em que intervimos os pobrezinhos dos homens – até
a santidade – é um tecido de pequenas miudezas que, corretamente retificadas,
podem formar uma tapeçaria esplêndida de heroísmo ou de baixeza, de virtudes ou
de pecados. As gestas – o nosso Mio Cid – relatam sempre
aventuras gigantescas, mas misturadas com detalhes caseiros do herói. – Oxalá
dês sempre muita importância – é a linha reta! – às coisas pequenas. E eu também;
e eu também [...]”[11].
A graça nos torna ágeis
Enlouquecer a Deus é possível em Cristo. Os
nossos pequenos esforços – as nossas moedinhas – unidos a Cristo, transformados
em sua própria oferenda, convertem-se em um “sacrifício puro, imaculado e
santo” (Oração Eucarística I); constituem um dom agradável a Deus Pai, como diz
o sacerdote em voz baixa uma vez apresentadas as oferendas na Santa Missa. A
expressão latina é muito significativa: “Ut placeat tibi” para que
te compraza. Produzem esse efeito porque a Eucaristia “nos faz penetrar no ato
oblativo de Jesus”[12].
Os santos encontraram um trampolim para estar à altura;
descobriram que inclusive os nossos defeitos ajudam-nos a amar mais a nosso
Senhor se, arrependidos, os colocarmos em suas mãos: “Repito-lhe que o amo, e
depois encho-me de vergonha, porque, como posso assegurar que lhe quero bem, se
tantas vezes eu o ofendi? A reação então não é pensar que minto, porque não é
verdade. Continuo a minha oração: Senhor, quero desagravar-te pelo que
te ofendi e pelo que te ofenderam todas as almas. Repararei com a única coisa
que posso oferecer-te: os méritos infinitos do teu Nascimento, da tua Vida, da
tua Paixão, da tua Morte e da tua Ressurreição gloriosa; os da tua Mãe e os de
São José; as virtudes dos Santos e as fraquezas de meus filhos e as minhas, que
reverberam de luz celestial – como joias – quando detestamos com todas as
forças de nossa alma o pecado mortal e o pecado venial deliberado”[13].
A alma que se deixa amar, apropria-se dos méritos de Cristo e se sente capaz de
alcançar cumes, que, para as suas forças, seriam inatingíveis. Tanta audácia –
impulsionada pela graça de Deus – pode ser inclusive paradoxal,
divertida, faz-nos rir. E este bom humor estimula a nossa melhor
resposta a esse amor que nos é presenteado.
“SENHOR, QUERO
DESAGRAVAR-TE PELO QUE TE OFENDI E PELO QUE TE OFENDERAM TODAS AS ALMAS” (SÃO
JOSEMARIA)
Neste sentido, Bento XVI confiava numa entrevista uma
intuição muito pessoal sobre como é Deus: “Pessoalmente creio que Ele tem um
grande senso de humor. Às vezes dá a uma pessoa um empurrão e diz: ‘Não te dês
tanta importância!’. Na realidade, o humor é um componente da alegria da
criação. Em muitas questões de nossa vida nota-se que Deus também nos quer
impulsionar a ser um pouco mais leves; a perceber a alegria; a descer de nosso
pedestal e a não esquecer o gosto pelo que é divertido”[14].
Deus quer que entremos em sua alegria (Mt 25,
23), que participemos da sua alegria íntima, do seu gozo infinito que nada pode
destruir. Para isso nos criou[15].
Possivelmente, a boa mulher do evangelho não perdeu muito
tempo pensando se sua oferenda é maior ou menor do que a dos outros que iam ao
gazofilácio. Teve a intuição de que Deus não se importava muito com a
quantidade. Não foram necessários muitos cálculos e nem fez comparações.
Pareceu-lhe simplesmente lógico dar tudo. Não fez drama da sua pobreza, embora
talvez a sua condição não fosse das melhores. É assim que vivem e entendem os
santos. São audazes e espirituosos, divertidos e engraçados: “Estou muito contente
de ir logo ao céu. Mas quando penso naquelas palavras do Senhor: ‘Trago comigo
meu salário, para pagar a cada um segundo suas obras’, digo a mim mesma que no
meu caso Deus vai se ver em apuros: Eu não tenho obras! De modo que não poderá
pagar-me ‘segundo minhas obras’ ...Pois bem, pagar-me-á ‘segundo as d’Ele’...”[16].
O profeta Sofonias narra o que Deus pensa e sente por seus
filhos: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como herói Salvador! Ele anda
em transportes de alegria por causa de ti, e ele te renova seu amor. Ele exulta
de alegria a teu respeito como em um dia de festa” (So 3, 16-18). O
Papa contou que essas palavras o impactaram sempre: “Enche-me de vida reler
este texto”[17].
São palavras que a Igreja aplica também à Mãe de Deus. A Virgem pode
explicar-nos como chegar a esta convicção, já que ela nunca duvidou de que
Gabriel dizia-lhe a verdade: “Achaste graça diante de Deus” (Lc 1,30);
tornaste o teu Criador louco.
Diego Zalbidea
[10] São
Josemaria, Caminho, n. 897.
[11] Carta
de Josemaria Escrivá a Juan Jiménez Vargas, Burgos 27-III-1938. Citado em Pedro
Rodríguez, Caminho. Edição Comentada, Quadrante, São Paulo,
2014, p. 826.
[12] Bento
XVI, Encíclica Deus caritas est, n. 13.
[13] São
Josemaria, En diálogo con el Señor, “La alegria de servir a Dios”,
25/12/1973, n. 4a.
[14] Bento
XVI, Dios y el mundo , Círculo de Lectores, Barcelona, 2005,
p. 13.
[15] Cfr. Catecismo
da Igreja Católica, n.1.
[16] Santa
Terezinha do Menino Jesus, Carta 226.
[17] Francisco,
Ex. ap. Evangelii Gaudium, n. 4.

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