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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

JOÃO PAULO I: Aquele encontro em Fátima (Parte 2/2)

Albino Luciani com Monsenhor Mario Senigaglia, secretário do Patriarca de setembro de 1969 a outubro de 1976, em Veneza, em 1970 | 30Giorni.

JOÃO PAULO I

Arquivo 30Dias nº 01 – 2007

Aquele encontro em Fátima

Em julho de 1977, Albino Luciani conheceu a Irmã Lucia. Como aconteceu esse encontro e como ele se desenrolou? Pela primeira vez, o secretário do Patriarca Luciani relata e revela... Uma entrevista com Monsenhor Mario Senigaglia.

Entrevista com Mario Senigaglia por Stefania Falasca

Ela encontrou Luciani ao retornar de Fátima. O que ele lhe disse?
SENIGAGLIA: Lembro-me de entrar em seu escritório e ele dizer: "Sente-se". Isso significava que ele estava disposto a conversar. Ele me contou sobre a viagem, a atmosfera de oração autêntica e os comoventes atos de penitência que presenciou em Fátima. Sobre os peregrinos que fizeram a longa jornada descalços sobre as pedras da esplanada , sob o sol, e sobre as mulheres piedosas que, quando necessário, tratavam os pés desses peregrinos na chegada. Falamos então sobre a diferença com Lourdes e depois novamente sobre essas diferentes formas de piedade, e conforme a conversa prosseguia, em certo momento, perguntei-lhe sobre Coimbra: "Sei que o senhor esteve lá e também teve a oportunidade de conhecer a Irmã Lúcia..." E ele disse: "Sim, sim, eu a vi... Ah! ' Essa freira bendita '", disse-me ele, "ela pegou minhas mãos nas suas e começou a falar..." Ele ficou ali parado, pensando por um instante, com as mãos juntas, e continuou: "... Essas freiras malditas, uma vez que começam a falar, nunca mais param..." Ele me disse, porém, que não havia falado sobre as aparições e que apenas lhe perguntara algo sobre a famosa "dança do sol".

E depois?
SENIGAGLIA: E foi isso. Chegamos ao cerne da questão veneziana. Antes de encerrar o assunto, porém, eu lhe disse, já que eu era o editor da Gente Veneta na época : "Sua Eminência, por que o senhor não escreve um artigo sobre esse encontro?" E ele disse: "Está bem, com prazer, farei isso." E foi isso que ele escreveu em seguida.

Ele se refere ao relatório publicado em 23 de julho de 1977...
SENIGAGLIA: Exatamente. E lá ele escreveu o que havia me mencionado e tudo o que tinha em mente dizer sobre o assunto. Ele escreveu, não sem seu habitual bom humor , sobre a natureza jovial e a fala rápida da pequena freira, que insistia com tanta energia e convicção na necessidade de freiras, padres e cristãos com cabeças fortes hoje, e sobre o interesse apaixonado que ela demonstrava, em seu discurso, por tudo o que dizia respeito à Igreja e seus problemas urgentes. Ele então escreveu que as revelações, mesmo as aprovadas, não são artigos de fé, que se pode pensar o que quiser sobre o assunto sem prejudicar a própria fé, e concluiu com o que sempre repetia sobre o significado desses lugares marianos, ou seja: que aparições, não aparições, mensagens, não mensagens, os santuários estão lá apenas para nos lembrar do ensinamento do Evangelho, que é orar.

Ele alguma vez voltou a abordar esse assunto com ela?
SENIGAGLIA: Não. Terminou aí. E, para ser honesta, eu nem estava curiosa o suficiente para perguntar mais nada. Mesmo que houvesse oportunidades, se quiséssemos. No dia 26 daquele mesmo mês, partimos juntas para o santuário mariano de Pietralba, no Alto Adige, como fazíamos todos os anos. E ficamos lá até 5 de agosto. Dez dias. Lembro-me de que passamos esses dias tranquilamente, fazendo longas caminhadas nas montanhas.

E a Marquesa, teve a oportunidade de vê-la novamente depois? O que ela lhe disse sobre esse encontro?
SENIGAGLIA: Eu a vi novamente em Veneza, em setembro, durante a Bienal. Ela me disse que havia ficado satisfeita com a peregrinação. Que a Irmã Lúcia também havia ficado satisfeita e que, conversando com ela depois, a freira lhe disse que achava Luciani uma pessoa maravilhosa.

Ela fez alguma outra referência às palavras da Irmã Lúcia?
SENIGAGLIA: Não.

Mas isso não significa que eles não quisessem relatar outra coisa... Luciani anotava fatos e reflexões estritamente pessoais?
SENIGAGLIA: Diários pessoais... Ele não mantinha nenhum. Nem mesmo o tipo de diário espiritual, como os diários da alma de Roncalli, por exemplo. Deixe-me contar um episódio.

Histórias...
SENIGAGLIA: Após a morte do Cardeal Urbani, antecessor de Luciani na Sé de Veneza, de quem eu era secretário e cujo testamento fui nomeado executor, me vi com uma grande quantidade de seus escritos particulares com referências a pessoas, coisas e até eventos delicados. Então, fui pedir conselhos a Luciani sobre como deveria proceder a esse respeito. Ele me deu seus conselhos e, em seguida, comentou rindo: "Dom Mario, não se preocupe, no que me diz respeito, nunca lhe darei esses problemas."

Portanto, não há anotações particulares sobre esse encontro...
SENIGAGLIA: Esse tipo de escrita não era exatamente da sua natureza, do seu estilo. Metódico e organizado, ele possuía, no entanto, um vasto arquivo de anotações e esboços de suas leituras. Uma rica biblioteca de notas, na qual os tópicos eram divididos em temas e que ele continuamente reabastecia com critérios jornalísticos. Elas eram rabiscadas em diários antigos e naqueles cadernos que ele usava antes, com linhas, capa preta e borda vermelha. E esse arquivo era usado por ele para preparar sermões, discursos ou artigos de jornal. Quando foi a Roma para o conclave, ligou para mim e pediu que eu lhe enviasse os diários nos quais havia anotado suas observações sobre os documentos do Concílio. Quando fez seus primeiros discursos como Papa, eu poderia dizer de qual diário e qual página ele havia retirado as informações: eram os escritos dos quais ele tantas vezes se inspirava para seus discursos. Portanto, para entender seus pensamentos e sua postura, inclusive em relação aos eventos de Fátima, basta observar o que ele disse e escreveu publicamente.

Ele já havia falado sobre os eventos de Fátima?
SENIGAGLIA: Sim. Extensivamente. Mesmo no septuagésimo aniversário das aparições. Ele revisitou a história delas, a atitude da Igreja e a atitude que os fiéis deveriam ter em relação a esses eventos. Seu pensamento era marcado por extrema cautela, que também considerava inadequados aqueles que, aceitando as aparições como verdadeiras, as exploravam, distorcendo-as para servir a propósitos políticos ou similares, sem relação com as próprias aparições. Em suma, esses escritos nos falam sobre sua maneira de avaliar e julgar os eventos, e também sobre sua maneira de ser, de se relacionar, que é a de um homem impermeável a sugestões, equilibrado, focado no essencial e que observa com uma ironia sutil, aguda e desmistificadora. Ele desmistificava tudo. Até mesmo a si próprio e seus próprios encontros.

Um ano depois, em março de 1978, porém, houve um episódio que esteve na raiz de declarações subsequentes sobre aquele encontro em Fátima. Luciani contou ao irmão, Edoardo, que havia conhecido a Irmã Lúcia e, vendo-o transtornado, Edoardo associou esse fato às previsões que a freira havia feito sobre o seu futuro…
SENIGAGLIA: Essas são impressões, hipóteses, deduções pessoais que Edoardo expressou imediatamente após a morte do irmão. E para as quais não posso responder. Edoardo, porém, não sabia como essa circunstância havia se desenrolado. Luciani apenas lhe disse que havia conhecido a Irmã Lúcia. Nada mais.

O cardeal Albino Luciani atravessa a Praça de São Marcos, que está inundada pela cheia | 30Giorni.

Mas essa inquietação permanece...
SENIGAGLIA: Mas quantas vezes, quando fomos visitar as freiras enclausuradas em Veneza, eu o ouvi comentar depois: "Essas mulheres abençoadas... elas nunca saem e não perdem nada... elas conhecem os problemas da Igreja melhor do que nós!" Ele conversou com a Irmã Lúcia sobre essas coisas em geral. Sobre a Igreja com seus problemas atuais e agudos, o perigo da apostasia. Ele disse isso. E então ele pode ter voltado a refletir sobre isso, não sem preocupação.

Em resumo, você nunca deu importância a esse encontro, nunca o relacionou à eleição de Luciani e à sua morte repentina...
SENIGAGLIA: Não. Nem antes nem depois de sua morte. Eu lhe disse. Veja, eu vi Luciani novamente naquela manhã, quando ele saiu de Veneza para o conclave. Ele estava preparado para o que aconteceria naquele conclave; ele sabia, estava ciente disso. Assim como os outros. Nenhuma surpresa. Bispos e cardeais de todo o mundo vieram visitá-lo em Veneza. Todos o conheciam, todos o respeitavam. Afinal, ele já havia sido escolhido em 1972. Aqui mesmo, em Veneza, Paulo VI colocou a estola sobre seus ombros. É sabido. Aquilo foi mais do que uma verdadeira profecia ad personam . E diante dos olhos de todos. Mais do que isso... não havia necessidade de mais nada. Então, isso é tudo, no que diz respeito a Luciani. Quanto a Cadaval...

Quanto a Cadaval?
SENIGAGLIA: Ela morreu quase centenária em 1997. Vinte anos depois daquele encontro em Coimbra, portanto. E até o fim permaneceu ativa e lúcida. Ela nunca fez qualquer alusão, nem eu jamais intuí, por suas palavras, o menor indício da premonição ou das profecias da Irmã Lúcia a respeito de Luciani. No ano anterior à morte de Cadaval, em junho de 1996, enquanto eu estava em Fátima para exercícios espirituais, celebrei missa no convento de Coimbra com outro sacerdote, e a Marquesa também nos permitiu encontrar brevemente a Irmã Lúcia. Ela até gentilmente nos ofereceu um carro para nos levar e trazer de volta. Isso também diz muito sobre a amizade que se desenvolveu e continuou ao longo do tempo com ela, e sobre quantas oportunidades eu tive, em todos esses anos desde a morte de Luciani, de vê-la e conversar com ela.

Com licença... mas por que você nunca me contou todas essas coisas antes?
SENIGAGLIA: ...Eles não me perguntaram. Se tivessem perguntado, eu teria respondido. Se tudo se transforma em um conto de fadas, estamos apenas perdendo tempo perseguindo fantasias.

Fonte: https://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF