JOÃO PAULO I
Arquivo 30Dias nº 01 - 2007
Aquele encontro em Fátima
Em julho de 1977, Albino Luciani conheceu a Irmã Lucia. Como
aconteceu esse encontro e como ele se desenrolou? Pela primeira vez, o
secretário do Patriarca Luciani relata e revela... Uma entrevista com Monsenhor
Mario Senigaglia.
Entrevista com Mario Senigaglia por Stefania Falasca
Há fatos e fatos. Alguns, com o tempo, permanecem como são.
Outros se perdem e se desvanecem até se tornarem lenda. Vejamos um. Local:
Coimbra. Data: 11 de julho de 1977. Encontro entre o Patriarca de Veneza,
Albino Luciani, e a Irmã Lúcia dos Santos, a vidente de Fátima. Eis um dos
muitos que foram cobertos de tinta.
Diz-se que foi a própria Irmã Lúcia quem pediu para se
encontrar com o Patriarca Luciani. Diz-se que a vidente o acolheu chamando-o de
"Santo Padre". Diz-se também que ela previu a brevidade de seu
pontificado e que o Patriarca saiu daquele encontro perturbado. Diz-se... E não
foi difícil, então, explorar esses "rumores", a ponto de retratar
Luciani como obcecado por essa profecia. Atormentado por essa sombra oculta nas
linhas do terceiro segredo. A única voz dissonante no coro crescente desses
"rumores" tem sido, nos últimos anos, a do Cardeal Tarcisio Bertone.
O cardeal, tendo questionado a própria Irmã Lúcia sobre essa conversa em
dezembro de 2003, reiterou repetidamente que a freira não tinha qualquer
pressentimento a respeito de Albino Luciani. Em suma, esses rumores têm algum
fundamento ou são apenas mais uma velha história de um típico caso de profecia
ex eventu ? É melhor navegar pelas águas frias da história e voltar às
notícias. Revisitá-las desde o início. Passo a passo. Com aqueles
familiarizados com as circunstâncias que levaram a esse encontro.
Monsenhor Mario Senigaglia foi pároco da igreja de Santo
Stefano, em Veneza, por trinta anos. O próprio Luciani o acompanhou a Santo
Stefano, em outubro de 1976. Por sete anos, Dom Mario esteve ao seu lado como
seu secretário particular. Sua presença discreta e atenta durante aqueles
conturbados anos venezianos foi retribuída pela estima e confiança de Luciani,
que se mantiveram ao longo do tempo. Em julho de 1977, Senigaglia encontrou-se
com Luciani alguns dias após seu retorno de Fátima. "Sim, ele me ligou e
eu fui vê-lo no patriarcado..." começa ele, "mas espere",
interrompe, virando-se para uma prateleira, "vamos pegar o diário do
patriarca..."
Nossa história começa aqui.
Excelentíssimo Senhor, vejamos
o que está escrito no diário...
MARIO SENIGAGLIA: Sim. Vamos
ler... Sexta-feira, 8 de julho de 1977: o patriarca está em Pádua. Sábado, dia
9, pronto: ele parte para Fátima. Domingo, dia 10: ele concelebra a missa na
bacia da Cova da Iria. Segunda-feira, dia 11: ele celebra com outros sacerdotes
na capela do mosteiro carmelita em Coimbra. Ele retorna a Veneza na
terça-feira, dia 12, e no dia 13 preside o capítulo geral das freiras
franciscanas... é tudo.
É o que diz o boletim. Mas como aconteceu o encontro com a Irmã Lúcia no
claustro de Coimbra?
SENIGAGLIA: Em primeiro lugar, Luciani não entrou sozinho.
Como? Ele não estava sozinho naquele encontro? SENIGAGLIA: Não. Uma
nobre veneziana o acompanhou e estava presente.
E quem era ela?
SENIGAGLIA: A Marquesa Olga Morosini de Cadaval.
Espere um momento... vamos
entender os fatos desde o início. De onde veio essa nobre? E por que Luciani
foi a Fátima? Havia algum motivo, alguma ocasião específica...?
SENIGAGLIA: Não. Nenhuma motivação específica. Ele foi a Fátima simplesmente em peregrinação. Todos os anos, aqui em Veneza, o padre jesuíta Leandro Tiveron, que também havia sido confessor de Luciani, organizava uma peregrinação a algum santuário mariano. E naquele ano ele escolheu Fátima. Luciani já havia ido a Lourdes várias vezes. Mas nunca tinha ido a Fátima. O padre Tiveron então sugeriu que ele fosse, e ele aceitou. Assim, o patriarca juntou-se ao grupo de peregrinos, cerca de cinquenta pessoas. No dia 10 de julho, visitaram o santuário e participaram na celebração eucarística em Fátima. No dia seguinte, viajaram para Coimbra para assistir à missa no convento carmelita. Foi a Marquesa de Cadaval, que tinha ligações ao convento, quem sugeriu e organizou a paragem no mosteiro de clausura em Coimbra.
E como é que esta nobre senhora era tão familiarizada com
o convento de Coimbra a ponto de ter acesso ao claustro? SENIGAGLIA: A
Marquesa de Cadaval era casada com um português, um latifundiário do sul. Era
uma mulher de grande cultura e sensibilidade, mas também de profunda piedade, e
durante as suas estadias em Portugal, trabalhou como enfermeira da Cruz
Vermelha no santuário de Fátima, tornando-se também, pouco depois, benfeitora
do convento de Coimbra. Lá conheceu a Irmã Lúcia, com quem estabeleceu uma estreita
relação de confiança. Durante anos, trabalhou como sua colaboradora. Auxiliou a
Irmã Lúcia na tradução da sua correspondência. Durante a guerra, ela chegou a
ser encarregada de entregar pessoalmente, muitas vezes de cor, mensagens a Pio
XII e, de lá, à Irmã Lúcia. Pacelli conhecia a Marquesa desde a juventude.
Cadaval, aliás, havia estudado na universidade em Roma e tinha um bom
relacionamento com a família do futuro Pontífice. Assim, ela também se viu
atuando como intermediária entre a Irmã Lúcia e o Papa. Em
1977, ela já era idosa, provavelmente na casa dos setenta anos.
Luciani a havia conhecido
antes disso?
SENIGAGLIA: Ele a vira em algumas ocasiões em Veneza.
E você a conhecia pessoalmente?
SENIGAGLIA: Sim. Ela era uma das minhas paroquianas. Durante suas estadias em
Veneza, ela morava a um passo da igreja de Santo Stefano e, todos os dias, bem
cedo pela manhã, vinha à missa na paróquia. Foi assim que a conheci. E foi numa
dessas manhãs, depois da missa, que, enquanto conversávamos sobre a
peregrinação a Fátima, surgiu a ideia de uma visita a Coimbra.
Então, o encontro de Luciani com a Irmã Lúcia foi
iniciativa da Marquesa; não foi a vidente de Fátima que perguntou por ele...
SENIGAGLIA: Enquanto conversávamos sobre a visita a Coimbra, a Marquesa disse:
"Se o Patriarca vier... eu ficaria feliz em apresentá-lo, nesta ocasião, à
Irmã Lúcia." Foi assim que aconteceu. E o resto da história foi mais ou
menos assim: "Se você quiser...", eu respondi, "tente perguntar
a ele..." "Mas tenha cuidado", acrescentei, "se você
mencionar essa possibilidade ao Patriarca antes de partir, é provável que ele
diga não." Luciani, de fato, sempre foi discreto e relutante em relação a
essas coisas. Ele tinha o cuidado de nunca incomodar ninguém. E,
"certamente", eu disse a Cadaval, "se você perguntar a ele primeiro,
ele vai objetar que se separar dos peregrinos não seria apropriado, que seria
uma perda de tempo... Mas se você disser a ele ali mesmo, no último minuto,
então... talvez ele finalmente aceite apenas para dizer olá." E assim ele
fez, em acordo com o Padre Tiveron.
E como foi o encontro?
SENIGAGLIA: Cadaval já estava no mosteiro quando os peregrinos chegaram e havia
informado a Irmã Lúcia da presença do Patriarca Luciani. Quando chegou a hora,
ao final da celebração eucarística, ela disse ao patriarca que a Irmã Lúcia
teria prazer em cumprimentá-lo. Juntamente com a priora do convento, eles
entraram no claustro. Cadaval o acompanhou até a Irmã Lúcia e permaneceu com
eles. Como Luciani entendia português muito bem, afastou-se e, após a conversa,
acompanhou-o até onde seu secretário, Dom Diego Lorenzi, o esperava para
almoçar com os outros.
Dom Diego disse que a reunião durou uma hora e meia.
Outros acreditam que durou mais. O próprio Luciani relatou que conversaram por
um longo tempo…
SENIGAGLIA: Mas… é verdade que um longo tempo para Luciani poderia ter sido
meia hora. Para quem esperava, pode ter parecido ainda mais… De qualquer forma,
nem Luciani nem Cadaval jamais mencionaram esse tempo como algo excepcional.
Sei que ele se juntou aos outros no restaurante e que, depois do almoço, no
carro fornecido por Cadaval, voltou para Lisboa e depois para Veneza, onde
tinha compromissos. Só isso.

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