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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

De coração a coração: Evangelizar numa época de mudanças (2) (Parte 2/2)

Combate, proximidade e missão (Opus Dei)

De coração a coração: Evangelizar numa época de mudanças (2)

Esta é a missão que o Senhor nos confia: levar aos outros o contato com alguém vivo, deixar entrever, em nossa vida concreta, que Cristo é real, que ele pode realmente estar presente em nossa história, em nossas relações e em nossas fraquezas.

21/11/2025

De coração a coração

São Josemaria considerava a amizade o caminho principal da vida do apóstolo e percebia a força das relações interpessoais. O apostolado de “amizade e confidência”[12] implica querer o bem do outro, querer o bem que é o outro, construir relações autênticas e falar com o coração. “Quando te falo de ‘apostolado de amizade’, refiro-me à amizade ‘pessoal’, sacrificada, sincera; de tu a tu, de coração a coração”[13].

Em 2019, o Padre escreveu uma carta mais extensa para lembrar que a amizade não é apenas uma parte do apostolado de um cristão comum, mas está no núcleo de sua missão. A amizade não é algo que se pratica, mas algo que se é: sou amigo, sou uma mão aberta, um rosto que busca o encontro em tudo. “Quando uma amizade é assim, leal e sincera, ela não pode ser instrumentalizada: simplesmente um amigo deseja transmitir ao outro o bem que experimenta em sua vida. Normalmente faremos isso sem perceber, por meio do exemplo, da alegria e de um desejo de servir que se expressam em mil pequenos gestos. No entanto, ‘o valor do testemunho não significa que se deve manter em silêncio a palavra. Por que é que não havemos de falar de Jesus, contar aos outros que Ele nos dá a força de viver, que é bom conversar com Ele, que nos faz bem meditar as suas palavras?’ A amizade desemboca assim, naturalmente, na confidência pessoal, cheia de delicadeza e respeito à liberdade”[14].

Este estilo apostólico não faz barulho; costuma passar despercebido nos jornais, nos congressos e nos planos pastorais. Sua discrição não nasce de uma tendência ao secretismo, mas de uma realidade mais profunda: o fato inevitável de que uma parte essencial da verdadeira história se forja na vida diária. Uma grande escritora do século XIX intuiu isso: “o bem crescente do mundo depende em parte de atos não históricos; e que as coisas não estão tão ruins para você e eu como deveriam estar, é em parte devido ao número que viveu fielmente uma vida oculta, e descansou em tumbas não visitadas”[15].

Este estilo apostólico, do qual a Igreja necessita cada vez mais, transforma o mundo de dentro para fora. Ele vai devagar, é verdade, mas chega mais fundo. Ele toca o coração. E o coração tocado pela graça pode se desorientar, pode se desviar, mas fica marcado profundamente. É assim que os verdadeiros cristãos normalmente fazem: transmitem de coração a coração. Cor ad cor loquitur, o coração fala ao coração, como dizia o lema cardinalício de São John Henry Newman. Assim nasceu a Igreja, com poucos homens e mulheres transformados pelo encontro com Jesus. Assim renasce tantas vezes hoje também, por meio de conversas simples entre amigos, palavras sinceras e gestos autênticos, que indicam uma Presença viva.

Este lento, mas poderoso fluir da vida de uma pessoa para a outra deve adaptar seu curso a cada circunstância. Como em cada época ao longo da história, temos a apaixonante tarefa de procurar o modo de “transmitir, de acordo com os tempos – adaptando-se à linguagem dos homens, compreendendo sua mentalidade – a mensagem cristã a todas as almas”[16]. Quase sempre se tratará de uma transmissão pessoal, sem a necessidade de grandes ações ou manifestações. “Acredita em mim: o apostolado, a catequese, de ordinário, tem de ser capilar: um a um. Cada homem de fé com seu companheiro mais próximo. Aos que somos filhos de Deus, importam-nos todas as almas, porque nos importa cada alma”[17].

Os primeiros cristãos “não tinham, em virtude de sua vocação sobrenatural, programas sociais nem humanos a realizar; estavam, porém, penetrados por um espírito, por uma concepção da vida e do mundo, que não podia deixar de ter consequências na sociedade em que viviam”[18]. No fundo, esta é a missão que o Senhor nos confia: ser testemunhas, não apenas mestres. Mais do que transmitir uma série de ensinamentos e princípios morais, devemos proporcionar aos outros o contato com alguém vivo. Deixar entrever, em nossa vida concreta, que Cristo é real. Que Ele pode realmente estar presente em nossa história, em nossas relações e em nossas fraquezas. É esse contato com Cristo vivo, com Cristo ressuscitado que levará uns e outros a perguntar, como na manhã de Pentecostes: “O que devemos fazer” (At 2, 37), o que devo que mudar em minha vida? Onde posso conhecer mais sobre Deus? Como posso conhecê-lo melhor? Então será o momento de falar, de ensinar, de orientar.

São John Henry Newman, recém declarado doutor da Igreja por Leão XIV, dirigia-se assim ao Senhor: “Fica comigo, e começarei a resplandecer como Tu, a brilhar tanto, que possa ser luz para os outros. A luz, Jesus, virá toda de Ti, nada dela será minha; serás Tu quem resplandecerá sobre os outros através de mim. Brilhando sobre os que me rodeiam, permite-me louvar-te como te agrada. Permite-me pregar-te sem pregar, não com palavras, mas por meio do meu exemplo, da força de atração, da influência harmônica de tudo o que eu fizer da inefável plenitude do amor que existe por Ti em meu coração”[19].

É chamativo que quem escreveu e pregou tanto sobre a fé rezasse dessa forma. Assim, fica claro que não se trata de ficar em silêncio: Deus quer que estejamos preparados para dar a razão de nossa esperança (cfr. 1 Pd 3, 15); nossas palavras e nossas obras só serão eficazes se nosso coração estiver cheio do fogo de Cristo (cfr. Lc 24, 32). Quem for apóstolo deste modo talvez não veja os frutos imediatamente, ou não os veja de forma espetacular. Mas Santa Maria e São João ao pé da cruz tampouco os viram, nem São Paulo no cárcere, assim como muitos cristãos ao longo da história. E, no entanto, transformaram o mundo. Porque a Igreja não renasce por meio de movimentos de massa, mas pela ação silenciosa e paciente do fermento, pela transmissão da vida que temos dentro de nós. Essa é a grande responsabilidade que Deus coloca em nossas mãos. A Igreja, e esta parte da Igreja que é a Obra, somos cada um de nós. Por isso, São Josemaria perguntava aos primeiros: “Se eu morrer, você continuará com a Obra?”[20].


[12] São Josemaria costumava referir-se assim ao apostolado neste contexto de amizade que proporciona a abertura mútua do coração. Cfr. L. Flamarique, Amizade, em Diccionario de San Josemaria Escrivá de Balaguer, Monte Carmelo, Burgos 2013.

[13] São Josemaria, Sulco, n. 191

[14] F. Ocáriz, Carta pastoral, 1/11/2019, n. 18. Cfr. Francisco, Christus vivit, n. 176.

[15] Eliot, George. Middlemarch: Um Estudo da Vida Provinciana (p. 705). Edição do Kindle.

[16] São Josemaria, Carta 6, n. 30.

[17] São Josemaria, Sulco, n. 943

[18] São Josemaria, Carta 29, n. 22.

[19] São John Henry Newman, Meditations and Devotions, Longmans Green & Co, Nova York – Londres 1907, p. 365.

[20] S. Bernal, Salvador Bernal, Salvador Bernal, Perfil do Fundador do Opus Dei, p. 414.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/de-coracao-a-coracao-evangelizar-numa-epoca-de-mudancas-ii/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF