O FADO EM SANTO TOMÁS DE AQUINO
12/11/2025
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A palavra fado costuma evocar, em nossa
cultura, a ideia de destino inevitável, algo já escrito e do qual ninguém
poderia escapar. Muitos imaginam que tudo o que acontece — as alegrias e as
dores, as vitórias e os fracassos — está previamente determinado, como se a
vida fosse movida por forças cegas ou pela simples sorte. Santo Tomás de
Aquino, na Suma Teológica (I, q.116), aborda precisamente essa
questão, buscando esclarecer o verdadeiro sentido do fado à
luz da fé e da razão, e mostrar que a história humana se desenrola sob a
Providência divina, sem anular a liberdade do homem.
Para o Doutor Angélico, o fado não é um poder independente
nem uma necessidade absoluta. Ele o define, com Boécio, como “uma disposição
inerente às coisas móveis, pela qual a Providência sujeita tudo às suas
ordens”. Ou seja, o fado é o modo como a Providência divina atua no mundo
criado. Enquanto a Providência é o plano eterno de Deus, a sabedoria com que
Ele concebe e orienta todas as coisas ao seu fim último, o fado é a execução
desse plano no tempo, realizada por meio das causas segundas: a natureza, os
acontecimentos e as decisões humanas. Assim, Deus governa o universo não apenas
de forma direta, mas também indiretamente, por meio das criaturas, servindo-se
delas como causas segundas, livres e ordenadas, para a realização de seus
desígnios.
Assim, o fado não é o “destino cego” dos pagãos ou dos
astrólogos. Para Santo Tomás, a vida humana e as ações do homem não estão
submetidas à influência determinante dos astros, nem dependem dos acasos da
sorte, mas se encontram ordenadas pela vontade sábia e amorosa de Deus. Tudo o
que existe e acontece possui um lugar na ordem da Providência divina, mesmo
aquilo que, aos nossos olhos, parece fortuito ou imprevisto. Há acontecimentos
que, do ponto de vista humano, parecem obra do acaso; porém, na perspectiva de
Deus, integram-se harmoniosamente em seu desígnio de amor, dentro de um plano
maior, onde liberdade e Providência se unem sem contradição.
O fado, entendido de modo cristão, pode ser comparado ao
“destino” apenas se este for compreendido como o caminho ordenado por Deus para
o bem das suas criaturas, um caminho que envolve tanto a ação das causas
naturais quanto a liberdade das causas racionais. Porém, se o “destino”
for concebido como uma força cega ou uma necessidade inevitável, que elimina a
liberdade e a graça, então ele se opõe totalmente à visão de Santo
Tomás. O Aquinate rejeita precisamente essa noção de fatalidade absoluta,
que reduziria o ser humano a um mero instrumento passivo diante das forças do
cosmos, negando-lhe a dignidade de cooperador livre nos desígnios da
Providência divina.
A liberdade humana, para Santo Tomás, tem um lugar essencial
dentro da Providência. Deus é o autor de tudo, mas não elimina a autonomia das
criaturas. Ele age nas causas segundas — inclusive na vontade humana — sem
violentá-las. Em outras palavras, a Providência divina é tão perfeita que
inclui a liberdade do homem dentro do seu plano. O ser humano é realmente livre
para escolher o bem ou o mal, e suas decisões fazem parte da história que Deus,
em sua sabedoria, já conhece e ordena para o bem maior.
Por isso, falar em fado, para o cristão, não é negar a
liberdade, mas reconhecê-la dentro de uma ordem maior. Tudo o que nos acontece
pode ter sentido, porque está sob o olhar de Deus. Não vivemos à mercê do acaso
nem presos a uma fatalidade impessoal, mas conduzidos pela Providência que
transforma até os erros humanos em oportunidades de graça. O “fado” de Santo
Tomás é, afinal, o nome filosófico da confiança, ou seja, viver sabendo que o
universo não é um caos, mas uma história guiada pelo amor e pela sabedoria de
Deus.

Nenhum comentário:
Postar um comentário