Pesquisa mostra como a construção e o acúmulo de laços
sociais fortes e profundos servem como uma espécie de "conta de
aposentadoria biológica", gerando benefícios à saúde por toda a vida.
Por Isabella
Almeida
postado em 23/11/2025 04:50
Cultivar bons laços sociais e amizades fortes não é somente
uma questão de bem-estar emocional, mas pode ser, também, um fator determinante
para a saúde física e o funcionamento do cérebro. Estudos recentes reforçam que
conexões profundas e duradouras influenciam desde processos biológicos
fundamentais do envelhecimento até padrões de comportamento e atividade neural.
Uma pesquisa publicada na revista Brain, Behavior
and Immunity Health, baseada em dados de mais de 2.100 adultos, revelou que
o acúmulo das chamadas vantagens sociais ao longo da vida — que vão
do afeto parental na infância às relações comunitárias, de fé e de amizade
na vida adulta — está associado a um envelhecimento biológico mais lento.
Os pesquisadores, liderados por Anthony Ong, professor de
psicologia da Universidade Cornell, observaram que indivíduos que desenvolveram
mais vínculos sólidos apresentaram perfis mais jovens.
Essa vantagem também se refletiu em níveis mais baixos de
inflamação crônica, incluindo concentrações reduzidas de interleucina-6 —
molécula associada a doenças cardíacas, diabetes e neurodegeneração. No
entanto, os cientistas não encontraram relações significativas entre essas
vantagens sociais e marcadores de estresse de curto prazo, como o hormônio
cortisol, sugerindo que o impacto positivo dos vínculos sociais ocorre por vias
biológicas mais duradouras.
O professor Ong destaca que o diferencial do estudo foi a
abordagem multidimensional das relações. Em vez de considerar fatores isolados
— como ser casado ou ter muitos amigos —, os pesquisadores analisaram a
trajetória completa dos elos. "A vantagem social cumulativa está ligada à
profundidade e à amplitude das suas conexões ao longo da vida. Esses recursos
se somam e se reforçam, moldando a saúde de maneiras mensuráveis." Para o
autor principal, investir cedo e continuamente em vínculos significativos funciona
como "uma conta de aposentadoria biológica": quanto mais sólida, mais
lento o processo de envelhecimento celular.
Isolamento envelhece
Fernanda Rasia, psiquiatra do instituto Inki, conta como, de
acordo com alguns estudos, o isolamento social, ou a perda de vínculos afetivos
significativos, acelera o envelhecimento celular por meio do aumento da
ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) — que atua na regulação
neuroquímica e hormonal. "Isso acaba causando uma elevação sustentada de
cortisol, além de uma maior produção de citocinas pró-inflamatórias e a
desregulação de neurotransmissores."
Conforme Rasia, esses processos aumentam a vulnerabilidade a
transtornos psiquiátricos, tanto por mecanismos diretos de neuroinflamação e
estresse oxidativo, quanto pela deterioração da plasticidade neural. "De
forma oposta, as amizades de longo prazo parecem atuar na modulação da
atividade do sistema nervoso autônomo, na liberação de neuromoduladores como
oxitocina e dopamina. Relações sociais estáveis reduzem a ativação crônica do
HHA, o que diminui o risco de inflamação sistêmica."
Outra pesquisa, publicada na revista JNeurosci por
Jia Jin e colegas da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, na
China, complementa esse panorama ao investigar como as amizades influenciam o
cérebro e o comportamento. Em experimentos com 175 participantes e neuroimagem
de 47 voluntários, os cientistas descobriram que amigos tendem a avaliar
produtos de maneira mais parecida e que essa semelhança aumenta conforme o
vínculo se aprofunda.
Sincronização neural
As imagens cerebrais revelaram sincronização de atividade
neural enquanto amigos assistiam a anúncios juntos. As áreas ativadas estavam
ligadas a percepção visual, atenção, memória, julgamento social e processamento
de recompensas. Mais surpreendente ainda, padrões de atividade cerebral podiam
prever não só as intenções de compra do próprio participante, mas também as de
seus amigos próximos.
Segundo os autores, essa convergência neural ajuda a
explicar como relações sociais influenciam comportamentos cotidianos,
especialmente no consumo. Quanto mais forte a amizade, maior a tendência
de alinhamento entre escolhas e preferências.
Conforme Izabelle Santos, psicóloga hospitalar do Hospital
Anchieta, em Brasília, as evidências científicas reforçam que cuidar das
relações é uma forma de olhar para a própria saúde. "Investimentos
consistentes em vínculos sociais trazem benefícios emocionais e biológicos.
Envelhecer bem envolve manter-se saudável e conectado, já que o afeto acolhe,
fortalece e também protege o corpo."
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Cuidado integral
A qualidade das amizades exerce um papel determinante no
bem-estar emocional e físico. Isso ocorre porque conexões afetivas de qualidade
fortalecem a sensação de apoio emocional, regulam respostas ao estresse e
influenciam processos fisiológicos essenciais, contribuindo para uma vida mais
saudável e equilibrada. As intervenções psicológicas têm um papel fundamental
no fortalecimento das redes de apoio. A meia-idade e a velhice são períodos
marcados por mudanças, perdas e redefinições que podem favorecer o isolamento.
No consultório, o psicólogo pode auxiliar o paciente no desenvolvimento de
habilidades sociais, na ressignificação de vínculos e no engajamento em
atividades que favoreçam a convivência. Estratégias terapêuticas que incentivam
a participação comunitária e o reconhecimento das próprias necessidades
emocionais ajudam a reconstruir laços e a ampliar o senso de pertencimento.
Dessa forma, o indivíduo se conecta novamente a relações que sustentam não
somente a saúde emocional, mas também a fisiológica.
Izabelle Santos, psicóloga hospitalar do
Hospital Anchieta
Remédio para o envelhecimento
Ajudar um amigo de forma prática, auxiliando nas atividades
domésticas, preparando uma refeição ou buscando alguma encomenda pode ajudar no
bom humor dos idosos. É o que revelou uma nova pesquisa da Universidade de
Michigan, nos Estados Unidos, publicada recentemente na revista Research
on Aging, que se aprofundou no impacto emocional do apoio da amizade na
terceira idade.
Crystal Ng, coautora do estudo e pesquisadora da
Universidade de Miami, destacou que, apesar da resistência masculina, as
amizades têm benefícios únicos para ambos os sexos, algo que nem mesmo a
família não consegue substituir. "Como os amigos são escolhidos e
geralmente trazem alegria, eles podem ser especialmente importantes para o
bem-estar emocional na terceira idade, particularmente para aqueles que são
solteiros, viúvos, divorciados ou não têm filhos", disse ela.
A pesquisa é uma das primeiras a examinar, em contextos
cotidianos, como a convivência com amigos próximos influencia o humor diário de
pessoas mais velhas e como essas relações variam entre homens e mulheres. Para
o estudo, os pesquisadores entrevistaram 180 idosos com idade média de 74 anos,
que relataram suas interações de apoio e humor a cada três horas, durante cinco
ou seis dias.
O amparo emocional liderou a lista de formas pelas quais os
idosos ajudam seus amigos, segundo o estudo, seguido por conselhos e
assistência prática. "Existe o estereótipo de que, na velhice, os idosos
geralmente só recebem apoio por serem frágeis, mas muitos idosos ainda oferecem
ajuda", disse Ng.
Conexão ativa
As descobertas destacaram novas chances para alimentar o
bem-estar e a conexão na terceira idade. Segundo Ng, ações práticas podem
refletir um envolvimento ativo e externo e, muitas vezes, envolvem esforço
físico ou cognitivo, o que pode reforçar o senso de propósito e utilidade dos
idosos. Para os homens mais velhos, em particular, promover essas formas ativas
e práticas de ajudar pode se revelar especialmente valioso a longo prazo.
Para a psicóloga e psicanalista Silvia Oliveira, de
Brasília, quando se fala de apoio emocional na velhice, se aborda também o
legado. "Muitos idosos desejam deixar marcas positivas em seus vínculos,
mas esbarram em modelos rígidos que seguiram por décadas. Reconhecer essas
barreiras é o primeiro passo para construir relações mais acolhedoras."
E prossegue: "Vale lembrar: nunca é tarde para aprender
novas formas de cuidar e ser cuidado". Segundo ela, o desenvolvimento
emocional continua ao longo de toda a vida, e pequenas mudanças de postura
podem transformar profundamente a qualidade das relações e a saúde mental na
idade avançada.
Além do apoio social diário aos amigos, os pesquisadores
planejam examinar no futuro a generosidade baseada na amizade. Além disso,
pretendem investigar em pesquisas futuras quem motiva os amigos a prestar
cuidados.


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