Translate

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Em Porto Alegre, depois de 87 anos, o Seminário São José não tem mais seminaristas

Seminário São José em Gravataí (RS) | Marcos Koboldt/ACI Digital

Por Marcos Koboldt

19 de nov de 2025 às 12:52

A falta de vocações levou a arquidiocese de Porto Alegre à decisão de fechar o Seminário São José. Inaugurado em 1938, o seminário serviu de residência e escola para muitos padres e bispos quando estavam em seu processo de formação, especialmente no ensino médio e a etapa do propedêutico. No início deste semestre, os últimos residentes - cinco seminaristas da etapa do propedêutico, ano inicial de transição para o seminário maior - foram transferidos para Porto Alegre.

Segundo o bispo-auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre dom Juarez Albino Destro, a decisão foi tomada para oferecer aos jovens um local mais apropriado. “A ala onde funcionava, de fato, o seminário deve ser reformada”, explica Dom Juarez.

O Seminário São José dividia o espaço com a Casa de Retiros, local destinado para receber encontros, palestras, retiros e eventos. “Na época em que se reformou o prédio para ser casa de encontros, retiros, eventos, deixou-se a ala de habitação dos seminaristas para ser reformada com as entradas provenientes da casa de encontros - valores com a locação seriam revertidos para a reforma daquela ala. Desta forma, o plano é reformar a ala do seminário que ainda não foi reformada, completando-se a inteira e possibilitando novamente ser habitada. O que falta definir é o futuro do prédio, podendo continuar inteiramente dedicado a receber retiros e eventos ou se irá reservar um espaço para os seminaristas”, completa o bispo auxiliar de Porto Alegre.

Tristeza com a saída do seminário e menos vocacionados

 A decisão de transferir os últimos seminaristas de Gravataí para Porto Alegre provocou tristeza em ex-alunos que passaram pelo local. É o caso do jornalista Rodrigo Jankosi, 40 anos, que fez a etapa do Propedêutico no ano de 2009.

“Fui forjado nas Pastorais Sociais da Igreja Católica. Foi ali que despertou em mim o interesse pela vida religiosa. O processo de discernimento vocacional durou cerca de cinco anos, até que cheguei ao Seminário São José, em Gravataí, para cursar o propedêutico. Ali se abria uma nova janela de conhecimentos e vivências que levo comigo para toda a vida. Ao saber da saída dos últimos seminaristas das dependências do seminário, um sentimento estranho me tomou. Penso que as novas gerações de vocacionados talvez não tenham a oportunidade de viver as experiências que aquele espaço mágico nos proporcionava. Rezo para que a Arquidiocese não se renda, mais uma vez, à especulação imobiliária e não permita que aquele lugar sagrado seja entregue às incorporadoras”, declarou Jankosi.

Também ex-aluno do Propedêutico no Seminário São José, o professor e músico João Fernando Schafer de Brum, 40 anos, ingressou no ano de 2005 quando estava no primeiro ano do Ensino Médio e fez o propedêutico três anos depois. Em sua avaliação não há sentido em manter um grupo pequeno de seminaristas em um local tão grande como o Seminário. “Quando fiz o Ensino Médio, moravam na casa mais de 50 seminaristas das duas etapas. Alguns anos depois retornei para ministrar aulas de música e o número já era bem menor. Se couber uma crítica penso que o trabalho de animação vocacional caiu demais. Entendo que com a internet as coisas se complicaram, mas há pouco empenho em buscar novas vocações. Muitas vezes podemos perder bons candidatos pois eles não sabem como é a rotina do Seminário”, ponderou Schaefer.

Seminário são José e a cidade de Gravataí

A história do Seminário são José é uma parte essencial da identidade histórica e cultural da cidade de Gravataí. A ideia de sua fundação surgiu no contexto de expansão da vida religiosa no Rio Grande do Sul durante a década de 1930. As obras tiveram início em 1936, com ampla mobilização da comunidade católica local, e seguiram em ritmo constante até março de 1938, quando o seminário foi solenemente inaugurado. A data escolhida, 19 de março de 1938, coincidia com a festa litúrgica de São José e com o jubileu de 25 anos de episcopado de dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre entre os anos de 1912 e 1946.

Até o ano de 1950, a administração e a formação dos seminaristas estavam sob a responsabilidade da Companhia de Jesus. Após o encerramento do contrato com os Jesuítas, a arquidiocese de Porto Alegre assumiu diretamente a condução da instituição, dando continuidade à formação de seminaristas do clero secular.  Nesta época, o Seminário São José ocupava uma área de 300 hectares - hoje o total é de aproximadamente 10 hectares.

Em 1967, acompanhando as transformações pedagógicas e eclesiais do período pós-Concílio Vaticano II, o seminário passou a se chamar Escola Vocacional São José, incorporando também leigos e religiosos ao corpo docente. A nomenclatura e o currículo foram adaptados ao ensino de primeiro e segundo grau. O funcionamento da instituição era sustentado por diferentes fontes: a produção agrícola da granja do Seminário, as contribuições dos pais dos alunos e o apoio constante da Mitra Arquidiocesana, além da generosidade de benfeitores conscientes da importância das vocações religiosas.

 Nesse mesmo período, parte das turmas foi transferida para o Seminário São João Vianney, na cidade de Bom Princípio, distante 60 quilômetros da capital Porto Alegre, e criou-se o Curso de Aperfeiçoamento, voltado a preparar melhor os seminaristas para os estudos superiores de Filosofia e Teologia.

Segundo registros históricos, até 1985 passaram pelo Seminário 2.936 alunos, dos quais 285 foram ordenados padres e vários tornaram-se bispos. Em 1986, por exemplo, o Seminário de Gravataí contava com 41 alunos na 7ª série, 19 na 8ª série e 22 no curso de aperfeiçoamento.

O administrador Pedro Stein, 48 anos, passou pelo Seminário São José neste período. Aos 12 anos, em 1989, ingressou para estudar na sétima série. Ele conta que o testemunho de seu pároco foi decisivo para dar uma resposta ao que Deus inspirava em seu coração.

“O tempo que passei no Seminário São José de Gravataí foi muito importante para a minha fé. Lá eu aprendi a rezar melhor, a conhecer mais sobre Jesus e a viver com outras pessoas que também queriam seguir a Deus. Tudo o que vivi lá me ajudou a ser uma pessoa melhor e mais próxima de Jesus, e eu vou guardar pra sempre tudo o que aprendi nesse tempo tão especial”.

Morador de Gravataí, o professor de história e pesquisador Amon da Costa recorda que o trabalho formativo realizado no interior dos muros do Seminário São José trouxe benefícios para toda a cidade. “Mais do que um centro de formação sacerdotal, o Seminário São José consolidou-se como espaço de educação, cultura e espiritualidade que marcou profundamente a história social e religiosa de Gravataí. Seus muros testemunharam não apenas a formação de padres e bispos, mas também de líderes comunitários, professores, missionários e cidadãos comprometidos com o bem comum e com a fé cristã”.

*Jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul no ano de 2004. Entre 2004 e 2014 trabalhou como repórter em diferentes empresas de comunicação de Porto Alegre. Entre os anos de 2022 e 2024 foi Assessor de Comunicação da Arquidiocese de Porto Alegre.

https://www.acidigital.com/noticia/65549/em-porto-alegre-depois-de-87-anos-o-seminario-sao-jose-nao-tem-mais-seminaristas

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF