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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Leão XIV: Cristo não retorna à vida sozinho, mas arrasta consigo toda a humanidade

Audiência Geral, 24/09/2025 - Papa Leão XIV (Vatican News)

O Papa continuou sua reflexão sobre o mistério do Sábado Santo na Audiência Geral desta quarta-feira. "O Sábado Santo é o dia em que o céu visita a terra mais profundamente. É o momento em que cada canto da história humana é tocado pela luz da Páscoa", sublinhou. Portanto, "não há passado tão arruinado, nem história tão comprometida que não possa ser tocada pela misericórdia".

https://youtu.be/9MnoNnYmvlE

Mariangela Jaguraba – Vatican News

Na catequese da Audiência Geral, desta quarta-feira (24/09), o Papa Leão XIV deu continuidade à sua reflexão sobre o mistério do Sábado Santo, como parte do ciclo jubilar "Jesus Cristo, nossa Esperança". 

Aproximadamente 35 mil fiéis se reuniram na Praça São Pedro, que o Pontífice percorreu em seu papamóvel, parando para abençoar algumas crianças após saudar, em italiano e inglês, alguns fiéis e doentes reunidos na Sala Paulo VI: "Estou muito feliz de estar com vocês. Obrigado por estarem aqui", disse ele. "Que o Senhor lhes dê muita paz em seus corações", sublinhou. Outros grupos se encontravam no pátio Petriano, onde foi instalado um telão que transmitia as imagens da praça.

O Papa abençoa alguns fiéis na Sala Paulo VI   (@Vatican Media)

"É o dia do Mistério Pascal, quando tudo parece estático e silencioso, na realidade se realiza uma ação invisível de salvação: Cristo desce à morada dos mortos para levar o anúncio da Ressurreição a todos os que estavam nas trevas e na sombra da morte", disse o Pontífice aos fiéis presentes, na Praça São Pedro, para este encontro semanal.

Cristo nos alcança mesmo no abismo

Segundo o Papa, "este acontecimento, que a liturgia e a tradição nos transmitiram, representa o gesto mais profundo e radical do amor de Deus pela humanidade. De fato, não basta dizer ou crer que Jesus morreu por nós: é preciso reconhecer que a fidelidade do seu amor quis nos buscar lá onde nós mesmos nos tínhamos perdido, lá onde se pode levar somente a força de uma luz capaz de atravessar o domínio das trevas".

“O inferno, na concepção bíblica, não é tanto um lugar, mas sim uma condição existencial: uma condição em que a vida se enfraquece e reinam a dor, a solidão, a culpa e a separação de Deus e dos outros. Cristo nos alcança mesmo neste abismo, atravessando as portas deste reino de trevas. Ele entra, por assim dizer, na própria casa da morte, para esvaziá-la, para libertar seus habitantes, tomando-os pela mão um a um. É a humildade de um Deus que não se detém diante do nosso pecado, que não se assusta perante a extrema rejeição do ser humano.”

Alguns fiéis saúdam o Papa   (@Vatican Media)

A morte nunca é a última palavra

Cristo "penetrou nas trevas mais densas para alcançar até os menores de seus irmãos e irmãs, para levar até lá a sua luz. Neste gesto há toda a força e a ternura do anúncio pascal: a morte nunca é a última palavra". De acordo com o Pontífice, "esta descida de Cristo não diz respeito somente ao passado, mas toca a vida de cada um de nós".

“O inferno não é apenas a condição de quem está morto, mas também daqueles que experimentam a morte por causa do mal e do pecado. É também o inferno quotidiano da solidão, da vergonha, do abandono, da fadiga de viver. Cristo entra em todas essas realidades obscuras para nos testemunhar o amor do Pai. Não para julgar, mas para libertar. Não para culpar, mas para salvar. Ele o faz silenciosamente, na ponta dos pés, como alguém que entra num quarto de hospital para oferecer conforto e ajuda.”

O Papa durante a Audiência Geral   (@Vatican Media)

A força do amor

"O Senhor desce lá onde o homem se escondeu por medo e o chama pelo nome, o toma pela mão, o levanta e o leva de volta à luz. Ele o faz com plena autoridade, mas também com infinita doçura, como um pai com o filho que teme não ser mais amado", frisou Leão XIV, recordando que Cristo "não salva somente a si mesmo, não retorna à vida sozinho, mas arrasta consigo toda a humanidade. Esta é a verdadeira glória do Ressuscitado: é a força do amor, é solidariedade de um Deus que não quer salvar-se sem nós, mas somente conosco. Um Deus que não ressuscita se não abraçando as nossas misérias e nos reerguendo em vista de uma nova vida".

“O Sábado Santo, portanto, é o dia em que o céu visita a terra mais profundamente. É o momento em que cada canto da história humana é tocado pela luz da Páscoa. E se Cristo pôde descer até ali, nada pode ser excluído da sua redenção. Nem mesmo as nossas noites, nem mesmo as nossas culpas mais antigas, nem mesmo os nossos laços rompidos. Não há passado tão arruinado, nem história tão comprometida que não possa ser tocada pela misericórdia.”

O Papa abençoando uma criança   (@Vatican Media)

Deus começa uma nova criação

"Descer, para Deus, não é uma derrota, mas o cumprimento do seu amor. Não é um fracasso, mas o caminho pelo qual Ele mostra que nenhum lugar é distante demais, nenhum coração é fechado demais, nenhum túmulo é selado demais para o seu amor. Isso nos consola, isso nos sustenta", disse ainda Leão XIV. "Se às vezes nos parece quase que tocar o fundo do poço, recordemos: é desse lugar que Deus é capaz de começar uma nova criação. Uma criação feita de pessoas ressuscitadas, de corações perdoados, de lágrimas enxugadas. O Sábado Santo é o abraço silencioso com que Cristo apresenta toda a criação ao Pai para reintegrá-la ao seu plano de salvação", concluiu o Papa.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Gerardo Sagredo

São Gerardo Sagredo (A12)
24 de stembro
São Gerardo Sagredo

Geraldo (Gerardo) nasceu em Veneza, Itália, no ano 980. Estudou numa escola da Ordem Beneditina, recebendo ótima formação espiritual e acadêmica. Cedo entrou para esta Ordem e completou os estudos superiores na Universidade de Bolonha. Monge exemplar no claustro veneziano de São Jorge, foi eleito abade ainda jovem.

Com o desejo de estudar com mais profundidade a Bíblia, renunciou ao cargo de abade para poder viajar à Terra Santa. A caminho, seguiu pelo rio Danúbio, passando pela Hungria, e ali o rei Estêvão, futuro santo, insistiu para que permanecesse no país, a fim de ajudar na sua evangelização e na educação do seu filho, o príncipe Emeric.

Geraldo renunciou também nesta ocasião, trocando seu projeto particular em favor de uma obra para o bem dos irmãos. Aceitou ser preceptor do príncipe e aconselhou o rei em várias questões espirituais e terrenas, e quis se preparar para sua missão evangelizadora no país depois de um período de retiro solitário na Selva Bacónia, aonde teria preferido ficar.

Mas com o falecimento do bispo local, e obedecendo à Santa Sé, foi nomeado e assumiu a organização da nova diocese de Csanád, numa região de população quase totalmente pagã. Dedicou incessantemente sua nova tarefa à Onipotência Suplicante da Virgem Maria.

Acompanhado de 12 beneditinos, escolhidos dos mosteiros húngaros que começavam a dar frutos, erigiu em Csanád a catedral, a igreja do claustro em honra de Maria Virgem e uma escola de formação para os futuros sacerdotes e monges. A diretriz que usou foi, a partir da sua própria experiência pessoal e vocação monacal, especificamente beneditina, que tem por mote Ora et Labora, “Reza e Trabalha”, desenvolver a presença de Cristo na alma de cada fiel, para que a Igreja, comunidade destes mesmos fiéis, cresça a partir de dentro, da comunhão e qualidade desta união interior com o Senhor: assim cada membro do Corpo Místico coopera coerentemente no Espírito que une a todos eles, em benefício de todo o Corpo.

Este impulso inicial de levar Jesus a todos cabe particularmente àqueles que foram chamados para o clero, e Geraldo, como bispo, não fugiu ou delegou a responsabilidade de pelo exemplo e pela palavra dar a conhecer a Boa Nova ao povo. E a prática deste anúncio, o fez através do mais perfeito dos meios, a caridade. Portanto, além de evangelizar os nobres, deu especial atenção aos mais necessitados, pobres e doentes, pelos quais tinha especial amor. Recebia os leprosos na sua residência, partilhando da sua mesa, e tratava pessoalmente das suas feridas. Quando necessário, fazia-os repousar na sua própria cama e dormia no chão.

Deu grande atenção à renovação litúrgica, de modo a ressaltar a alegria sacramental. Escreveu várias obras sobre temas teológicos e sobre a Sagrada Escritura. Quanto a si mesmo, dominava-se com árduas penitências; várias vezes saía à noite, para cortar lenha na floresta, como mortificação do corpo. Os seus esforços missionários obtiveram ótimo resultado, e foram fundamentais para sedimentar a Hungria como nação católica.

Geraldo era admirado e amado pelos fiéis, mas havia membros da corte, refratários à Fé, que se tornaram seus inimigos. Com a morte do rei Estêvão em 1038, iniciaram-se as lutas pelo poder, uma vez que o herdeiro natural, príncipe Emeric, havia falecido prematuramente. Geraldo se recusou a coroar o pretendente Avon como rei magiar, por ter sido responsável pela morte de muitos inocentes, e quando da cerimônia de coroação na igreja, o bispo se levantou e denunciou publicamente os seus crimes; profetizou também a sua morte, violenta, que aconteceu três anos depois.

Neste ambiente instável, as animosidades contra Geraldo foram incitadas, enquanto ele procurava de modo pacífico garantir a correta sucessão régia. Partiu da cidade de Székesfehérvár para a de Buda, a fim de receber pessoalmente Endre (André), filho do primo (Basílio) de Estêvão, o legítimo futuro rei. No caminho, foi surpreendido e atacado por pagãos revoltosos, que o apedrejaram e o trespassaram com uma lança. Tornou-se assim o primeiro mártir da Hungria, em 24 de setembro de 1046.

Colaboração: José Duarte de Barros Filho

Reflexão:

É rico, em qualidade e quantidade, o testemunho – acepção original de “martírio” – que nos dá São Geraldo. Independentemente das vocações particulares, podemos segui-lo nos fundamentos dos três aspectos que ele viveu e que são típicos da vida católica: a oração e o trabalho (“monge”), o apostolado (“missionário”) e entrega total a Deus, por amor (“mártir”). Na oração e trabalho, vem primeiro o cuidado da própria alma, a busca da comunhão com Deus na oração, crescimento espiritual necessário para a santificação de toda e qualquer atividade que se faça. O apostolado, a missão de levar o Evangelho, é intrínseca a todo batizado, e é exercido não apenas em terras distantes, mas na verdade, obrigatoriamente, no ambiente em que estamos e vivemos normalmente. A entrega total a Deus por amor se traduz, na maioria das vezes, simplesmente na caridade verdadeira, capaz de conquistar o irmão para o Senhor pela bondade. Além desse “plano geral”, a vida de São Geraldo mostra como devemos ter devoção e confiança em Nossa Senhora, a importância do cuidado com a Liturgia, a necessidade da formação na Fé, primeiro pessoal, depois pelo ensino ao próximo, a consciência e responsabilidade de assumirmos nossos trabalhos com todo o empenho, e a generosidade de abrirmos mão dos nossos sonhos, mesmo que bons e legítimos, se Deus o pedir para um bem maior. Só Ele sabe aonde nos levarão os caminhos que escolhemos nesta vida… talvez, como São Geraldo, tenhamos motivos corretos para querer chegar a objetivos longínquos, mas nosso serviço seja maior e melhor numa área mais próxima; o fundamental é que, como ele, e neste ponto com certeza e não “talvez”, nos disponhamos a encontrar pessoalmente o que rege de modo legítimo a real nobreza nesta pátria terrestre, e sermos arrebatados a caminho para o encontro face a face com a Realeza da Pátria Celeste. A respeito de nações, é apropriado um comentário de São João Paulo II a respeito da ação de São Geraldo na Hungria*: “Na sociedade moderna, como em qualquer outro tempo, não é acaso bênção ter semelhantes conselheiros e semelhantes preceptores se ocupem do destino do povo, especialmente da educação e da direção da juventude (...)? Para tal espírito ser formado não só na consciência de quantos têm responsabilidade, mas também na consciência de cada membro da Igreja e da sociedade, e se tornar cada vez mais operante, é necessário o conhecimento da doutrina cristã. (…) recordei a importância essencial da catequese para a formação dos cristãos no nosso tempo, isto não só para as crianças e para os jovens, mas também e sobretudo, para as pessoas adultas.” Em adendo, “(…) também nós devemos amar e servir a nossa pátria terrena, a sua cultura e os seus valores, sempre amando e servindo a Deus.” São Geraldo e mais 12, escolhidos por ele, começaram a consolidar a Fé num país; imitemos também este seu último exemplo e façamos o mesmo no Brasil, começando com Cristo e mais 12, escolhidos por Ele. *(cf. https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/letters/1980/documents/hf_jp-ii_let_19800924_millennio-sangerardo.html)

Oração:

Senhor Deus, que destes o testemunho de Vós mesmo a todas as nações, em Cristo, concedei-nos por intercessão de São Geraldo a graça de sempre nos recusarmos a coroar de pecados as nossas vidas, mas como legítimos herdeiros do Céu, não morramos antes de nos lançarmos com perfeição às boas obras. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Padre Pio, o “nerd”

Renata Sedmakova | Shutterstock

Philip Kosloski - publicado em 12/01/21 - atualizado em 22/09/25

Uma curiosidade sobre Padre Pio: na sua infância os amigos o chamavam de "nerd" ou "macarrão sem sal".

Quando se pensa no famoso São Padre Pio, a palavra "nerd" não costuma ser usada. No entanto, é exatamente assim que ele foi descrito por alguém que o conheceu quando criança.

Na biografia Padre Pio, The True Story ("Padre Pio, a Verdadeira História"), publicada por Our Sunday Visitor, o autor descreve a infância do santo em termos coloridos.

Conhecidos e pessoas que interagiram com o místico constantemente revelaram que ele teve uma infância como qualquer outra criança. Por exemplo: Padre Pio costumava brincar com os amigos das fazendas vizinhas. Seus companheiros de infância lembraram dele com carinho, e também pensavam nele como um "menino normal".

Entretanto, Luigi Orlando lembrou: "Quando estava conosco, ele nunca rezava. Não havia nada de particularmente notável nele. Conosco ele era um menino como qualquer outro, bem-educado e reservado."

Por outro lado, Ubaldo Vecchariano o caracterizou como uma espécie de "nerd", “submisso e reservado",  um "pedaço de macarrão sem sal".

O significado de "nerd"

O uso da palavra "nerd" provavelmente pretende explicar o Padre Pio como uma criança "socialmente desajeitada". Talvez era esse o caso, pois ele costumava fugir abruptamente quando outras crianças começavam a usar linguagem chula. Diz o livro:

"Sempre que outro menino xingava ou praguejava, Franci [Padre Pio] fugia. O mesmo Luigi Orlando que o descreveu como 'um menino como outro qualquer', lembrou que uma vez, quando os dois lutavam, Luigi deixou escapar de seus lábios 'uma expressão forte', ao que Franci, que o havia prendido ao chão, pulou e fugiu. Riparta Masone lembrou que Graziella Forgione lembrou que seu irmão deixaria a companhia de qualquer criança que praguejasse ou se comportasse mal."

Em certo sentido, seu "nerdismo" era um atributo positivo, fazendo-o se destacar da multidão por suas crenças profundamente religiosas. Ele possivelmente seria chamado de "nerd católico" na cultura de hoje.

Basta dizer, portanto, que a vida de Padre Pio mostra que os santos são de todas as formas e tamanhos. Você não precisa ser um místico para se tornar um santo. Às vezes, você só precisa ser um "nerd".

Fonte: https://pt.aleteia.org/2021/01/12/padre-pio-o-nerd/

A Sagrada Escritura na vida do cristão

A Sagrada Escritura na vida do cristão (Crédito: Opus Dei)

A Sagrada Escritura na vida do cristão

A Sagrada Escritura nos fala de Jesus Cristo se formos capazes de nos aproximar dela com humildade e nos deixarmos guiar.

11/09/2025

1. Descobrir a Palavra de Deus

Ao relatar os primeiros passos da expansão da Igreja de Jerusalém ao mundo conhecido, São Lucas nos leva à carruagem de um funcionário etíope, encarregado da administração do patrimônio do reino de Núbia, ao sul do Egito, que fora a Jerusalém para adorar o Deus de Israel (cfr. At 8, 27-28). De regresso a sua terra, este peregrino estava lendo Isaías, embora não entendesse o texto do profeta. Deus então envia o diácono Filipe para que intervenha (cfr. At. 8, 26.29): “Filipe aproximou-se e ouviu que o eunuco lia o profeta Isaías e perguntou-lhe: Porventura entendes o que estás lendo? Respondeu-lhe: Como é que posso se não há ninguém que me explique? E rogou a Filipe que subisse e se sentasse junto dele” (At 8, 30-31). O superintendente da rainha da Etiópia tinha se detido naquelas palavras proféticas: “Como um cordeiro foi levado ao matadouro...” (Is 53,7-8). Filipe, começando por esta passagem, anunciou-lhe o Evangelho de Jesus” (At 8, 35) e, depois de tê-lo batizado em uma fonte pelo caminho, confiou-o à ação misteriosa do Espírito Santo, que o tinha aproximado desta alma “sedenta de Deus, do Deus vivo” (Sl 42 41, 3). Nesta conversa, comenta São Jerônimo em uma carta, Filipe mostra a seu interlocutor “Jesus que estava oculto e como que aprisionado no texto”[1]. A Sagrada Escritura abre os olhos da nossa alma à luz do Espírito Santo. Porque necessitamos do auxílio divino, que nos permite conhecer e amar a Deus.

Há olhos que veem certas coisas, e outros, não: diante de um edifício, por exemplo, um arquiteto vê detalhes que passam despercebidos a outros; diante de um pequeno acontecimento que parece comum a muitos, o poeta e o artista se comovem. A Tradição é o olhar à Escritura que parte da fé da Igreja; um olhar vivo, porque é guiado pelo Espírito Santo; um olhar certeiro, porque só a partir do seio da Igreja se pode compreender o verdadeiro alcance da Palavra de Deus. Como Jesus fazia com os discípulos no caminho de Emaús, o Espírito Santo faz arder o coração da Igreja e o de cada cristão, enquanto nos explica as Escrituras (cfr. Lc 24, 32). A Palavra de Deus é sempre uma Palavra que atravessa os séculos – “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35) – e necessita de um leitor que também atravesse os séculos: o Povo de Deus que caminha na história. Por isso, afinal de contas, dizia Santo Hilário que “A Sagrada Escritura está mais no coração da Igreja do que na materialidade dos livros escritos”[2].

2. A presença de Cristo na Sagrada Escritura

Na sinagoga de Nazaré, Jesus lê o profeta Isaías, que anuncia sua chegada: “O Espírito do Senhor está sobre mim (...) enviou-me para anunciar aos cativos a redenção” (Lc 4, 18). Vinte séculos depois, a Escritura continua falando do presente e ao presente, como dessa vez em Nazaré: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir” (Lc 4, 21; cfr. Is 61, 1). Cada dia, e especialmente aos domingos “a Palavra de Deus é proclamada na comunidade cristã, para que o Dia do Senhor seja iluminado pela luz que dimana do mistério pascal (...). Deus continua nos falando ainda hoje como seus amigos, ‘convive’ conosco, oferecendo-nos a sua companhia e mostrando-nos a senda da vida. A sua Palavra faz-se intérprete dos nossos pedidos e preocupações e, simultaneamente, resposta fecunda para podermos experimentar concretamente a sua proximidade”[3].

Na Sagrada Escritura nenhum texto pode ser isolado do conjunto, que tem sua unidade no Verbo de Deus. “Por mais diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é una em razão da unidade do projeto de Deus, do qual Cristo Jesus é o centro e o coração, aberto depois de sua Páscoa”[4].

O Novo Testamento é lido à luz do Antigo, e o Antigo tendo Cristo como chave de interpretação, segundo a famosa fórmula de Santo Agostinho: o Novo está escondido no Antigo, e o Antigo se manifesta no Novo; Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet[5].São Tomás de Aquino diz que o coração de Jesus “estava fechado antes da Paixão, pois a Escritura era obscura. Mas a Escritura foi aberta após a Paixão, pois os que a partir daí têm a compreensão dela consideram e discernem de que maneira as profecias devem ser interpretadas”[6]. Por isso, quando o Ressuscitado aparece aos discípulos, São Lucas afirma que “abriu-lhes o entendimento para que compreendessem as Escrituras” (Lc 24, 45). Assim faz também Jesus conosco quando deixamos que Ele nos acompanhe no caminho de nossa vida, através de nossa escuta atenta, de nossa busca sincera; pela mão dos santos e de tantos irmãos na fé, achamos na Escritura “a voz, o gesto, a figura amabilíssima de nosso Jesus”[7].

O Prelado do Opus Dei convida-nos a focar mais uma vez o olhar na “Pessoa de Jesus Cristo, a quem desejamos conhecer, tratar e amar”[8]. E como, no dizer de São Jerônimo, “o desconhecimento das Escrituras é desconhecimento de Cristo”[9], a Sagrada Escritura só pode ser mais importante para nós conforme avançamos em nosso caminho cristão, a ponto de que “respiremos com o Evangelho, com a Palavra de Deus”[10].

Jesus nos chama a nos identificarmos com Ele, a viver nele. E Ele nos espera, como dizia com frequência São Josemaria, “no Pão e na Palavra”[11]: em sua presença silenciosa e eficaz na Eucaristia, e no diálogo, sempre aberto por parte de Deus, da oração. Este diálogo, mesmo quando se refere a mil coisas de nossa vida diária, encontra seu núcleo mais íntimo na Escritura. Seria assim a oração de Jesus: profundamente radicada na Palavra de Deus. E assim deve ser também a nossa. “Ao abrires o Santo Evangelho, pensa que o que ali se narra – obras e ditos de Cristo – não só o tens de saber, como o tens de viver. Tudo, cada ponto relatado, se recolheu, pormenor a pormenor, para que o encarnes nas circunstâncias concretas da tua existência – O Senhor chamou-nos, aos católicos, para que o sigamos de perto e, nesse Texto Santo, encontras a Vida de Jesus; mas, além disso, deves encontrar a tua própria vida – Aprenderás a perguntar tu também, como o Apóstolo, cheio de amor: ‘Senhor, que queres que eu faça?’... – A Vontade de Deus! – ouvirás na tua alma de modo terminante. – Então pega no Evangelho diariamente, e lê-o e vive-o como norma concreta. Assim procederam os santos”[12].

3. Conselhos para ler a Bíblia

“Todos podemos – comenta o Papa Francisco – melhorar um pouco neste aspecto, tornando-nos todos mais ouvintes da Palavra de Deus, para sermos menos ricos com as nossas palavras e mais ricos com as suas Palavras. Penso no sacerdote, que tem a tarefa de pregar. Como pode pregar, se antes não abriu o seu coração, não ouviu no silêncio a Palavra de Deus? (...). Penso no pai e na mãe, que são os primeiros educadores: como podem educar, se a sua consciência não for iluminada pela Palavra de Deus, se o seu modo de pensar e de agir não se deixar orientar pela Palavra? (...) E penso nos catequistas, em todos os educadores: se o seu coração não for aquecido pela Palavra, como podem sensibilizar os corações dos outros, das crianças, dos jovens e dos adultos? Não é suficiente ler as Sagradas Escrituras, mas é preciso ouvir Jesus que fala através delas”[13]. Se procurarmos melhorar sempre nesta atitude de escuta, que se nutre igualmente do estudo e da leitura espiritual, poderemos dizer cada vez mais com o profeta Jeremias: “Quando encontrava tuas palavras, eu as devorava. Tuas palavras eram um gozo para mim, as delícias do meu coração” (Jr 15, 16).

A leitura e meditação da Escritura requer tempo e calma. “Na presença de Deus, numa leitura tranquila do texto, é bom perguntar-se, por exemplo: ‘Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida? Que é que me dá fastídio neste texto? Por que é que isto não me interessa?’; ou então: ‘De que gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me atrai?’”[14]

É necessário também ouvir os silêncios de Jesus. “Sabemos pelos Evangelhos – escreveu o Papa emérito Bento XVI – que Jesus costumava passar as noites a orar a sós, "sobre o monte", em diálogo com o Pai. Sabemos que o seu falar, que a sua palavra provém da permanência no silêncio e que só no silêncio poderia amadurecer. É revelador, portanto, o fato de que a sua palavra só possa ser compreendida de modo justo quando se adentra também em seu silêncio; só se aprende a escutá-la a partir dessa sua permanência no silêncio. É claro que, para interpretar as palavras de Jesus, é necessária uma competência histórica que nos ensine a compreender o tempo e а linguagem da época. Mas isso por si só não basta para colher verdadeiramente, em toda a sua profundidade, a mensagem do Senhor. Quem lê os comentários aos Evangelhos, cada vez mais volumosos, que são feitos atualmente fica desapontado no final. Aprende muitas coisas úteis sobre o passado e defronta-se com muitas hipóteses que, no final, em nada favorecem a compreensão do texto. No final, tem-se a sensação de que àquele excesso de palavras falta alguma coisa essencial: entrar no silêncio de Jesus, silêncio do qual nasce a sua palavra. Se não conseguirmos entrar nesse silêncio, sempre ouviremos a palavra de modo superficial e assim não a compreenderemos verdadeiramente”[15].

“Procure ler o Evangelho pelo menos cinco minutos por dia. Você verá que isso muda sua vida”[16]. O Papa formula este conselho regularmente, em especial durante o Ângelus dominical[17].

Em outra ocasião, o Papa Francisco disse também: “A palavra de Deus: ela tem a força para derrotar Satanás. Por esta razão, é necessário familiarizar-se com a Bíblia: lê-la frequentemente, meditá-la, assimilá-la. A Bíblia contém a Palavra de Deus, que é sempre atual e eficaz. Alguém disse: o que aconteceria se tratássemos a Bíblia como tratamos o nosso celular? Se a trouxéssemos sempre conosco, ou pelo menos o pequeno Evangelho de bolso, o que aconteceria? Se voltássemos atrás quando o esquecemos: te esqueces do celular — oh, não o tenho, volto atrás para o procurar; se a abríssemos várias vezes por dia; se lêssemos as mensagens de Deus contidas na Bíblia como lemos as mensagens do celular, o que aconteceria? Obviamente a comparação é paradoxal, mas faz refletir. Com efeito, se tivéssemos sempre a Palavra de Deus no coração, nenhuma tentação poderia afastar-nos de Deus e nenhum obstáculo nos poderia fazer desviar do caminho do bem; saberíamos vencer as insinuações quotidianas do mal que está em nós e fora de nós; seríamos mais capazes de levar uma vida ressuscitada segundo o Espírito, acolhendo e amando os nossos irmãos, especialmente os mais débeis e necessitados, e também os nossos inimigos”[18].


[1] São Jerônimo, Epist. 53, 5 (PL 22, 544)

[2] Santo Hilário de Poitiers, Liber ad Constantium Imperatorem, 9 (PL 10, 570).

[3] Francisco, Misericordia et misera, 6

[4] Catecismo da Igreja Católica, 112 (cfr Lc 24, 25-27. 44-46; Concilio Vaticano II, Const. Dei Verbum, 12).

[5] Santo Agostinho, Quaestiones in Heptateuchum, 2, 73 (PL 34, 623).

[6] São Tomás de Aquino, Expositio in Psalmos 21, 11 (citado no Catecismo da Igreja Católica, 112).

[7] Javier Echevarría, ‘Introdução’ a Enquanto nos falava pelo Caminho, 17 (AGP biblioteca, P18).

[8] F. Ocáriz, Carta pastoral, 14/02/2017, n. 8.

[9] São Jerônimo, Comentariorum in Isaiam, Prólogo (PL 24, 17).

[10] F. Ocáriz, Carta pastoral, 5/04/2017.

[11] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 122.

[12] São Josemaria, Forja, n. 754

[13] Francisco, Discurso, 4/10/2013

[14] Francisco, Ex. Ap. Evangelii Gaudium (24/11/2013), 153.

[15] Bento XVI, prefácio à segunda edição de R. Sarah, A força do silêncio (Loyola, 2017).

[16] Tweet do Papa Francisco de 15 de julho de 2018.

[17] No dia 3 de janeiro de 2016, ele disse: “E recordo também aquele conselho que dei muitas vezes: todos os dias ler um trecho do Evangelho, uma passagem do Evangelho, para conhecer melhor Jesus, para abrir o nosso coração a Jesus, e assim poder dá-lo melhor a conhecer aos outros. Levem um pequeno Evangelho no bolso, na bolsa: vai fazer-nos bem. Não esqueçam: ler todos os dias um trecho do Evangelho”.

[18] Francisco, Ângelus, 5 de março de 2017.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/a-sagrada-escritura-na-vida-do-cristao/

Conexão social e saúde: o que dizem as pesquisas científicas?

Conexão social e saúde (Revista Cidade Nova)

Saúde / Ciência

Conexão social e saúde: o que dizem as pesquisas científicas?

Artigo originalmente divulgado na edição de Setembro da Revista Cidade Nova, em 2025.

por Adnaldo Paulo Cardoso   publicado às 00:00 de 12/09/2025, modificado às 11:59 de 12/09/2025

A NATUREZA social do ser humano é conhecida e afirmada há mais de dois mil anos. São célebres as afirmações: “O homem é um ser social”, de Aristóteles (384 a.C. 322 a.C.), e “Nenhum homem é uma ilha”, de John Donne (1572-1631). Ambos ressaltam a natureza intrinsecamente social do ser humano, bem como a interdependência e a necessidade de conexão que caracterizam a existência humana.

Nas últimas décadas, tem crescido o interesse de pesquisadores pelo estudo da conexão social (ou a falta dela) e sua relação com a saúde. Ao analisarem as conexões sociais, eles consideram importante levar em conta: 1) as nossas conexões com os outros por meio da existência de relacionamentos sociais, papéis sociais e suas interações; 2) os recursos fornecidos ou disponíveis que a nossa rede de conexões oferece às nossas necessidades (por exemplo: necessidades físicas, emocionais e de pertencimento); e 3) as qualidades afetivas positivas e negativas das nossas conexões (por exemplo: intimidade, proximidade, tensão e conflito).   

Partindo de diferentes pesquisas em saúde pública ao longo dos anos, a pesquisadora doutora Julianne Holt-Lunstad sugere que de 40% a mais de 80% da saúde e do bem-estar podem ser direta ou indiretamente atribuídos a fatores sociais. Mas poderíamos perguntar: como a falta de conexão social pode provocar danos à saúde?

Os pesquisadores explicam que os seres humanos, ao longo da história, precisaram depender uns dos outros para sobreviver. Assim, evolutivamente, interpretamos a falta de proximidade com pessoas confiáveis como uma ameaça e, diante dessa ameaça, acionamos um alerta no sistema nervoso central que, por sua vez, ativa o sistema nervoso simpático e o eixo hipotálamo-hipofisário. Essa ativação pode aumentar a pressão arterial, os hormônios do estresse, bem como reações inflamatórias. Se essas condições forem vividas a longo prazo, aumentam o risco de várias doenças crônicas. Nos casos em que já existem doenças, essas alterações fisiológicas podem acelerar a sua progressão. Portanto, a falta de conexões sociais pode resultar no surgimento de problemas de saúde e na piora dos quadros de doenças preexistentes. 

A ligação entre a conexão social e a saúde física foi constatada em diferentes estudos que demonstram que indivíduos com fortes laços sociais tendem a ter menores riscos de problemas de saúde, como doenças cardíacas, hipertensão e até mesmo demência. Afinal, manter relações sociais pode ajudar a reduzir os níveis de estresse, uma vez que interações positivas liberam oxitocina, um hormônio que reduz a ansiedade e promove sentimentos de calma e segurança. Este efeito pode melhorar a saúde cardiovascular e reduzir a pressão arterial, promovendo uma vida mais longa e saudável.

Outra descoberta dos pesquisadores é que pessoas socialmente conectadas têm sistemas imunológicos mais robustos. O apoio emocional e o senso de pertencimento estimulam o corpo a produzir mais anticorpos e células T, que são essenciais para combater infecções e doenças. Além disso, relações sociais positivas incentivam comportamentos saudáveis. Amigos e familiares podem influenciar a adoção de hábitos benéficos, como praticar exercícios físicos regularmente, manter uma alimentação equilibrada e evitar o uso de substâncias nocivas.

saúde mental é igualmente afetada pela qualidade das nossas relações sociais. Sentir-se conectado a outras pessoas proporciona um senso de propósito e pertencimento, que são fundamentais para a saúde emocional. Já a falta de conexão social é um fator de risco significativo para depressão e ansiedade. Ter um círculo de apoio pode oferecer um espaço seguro para expressar sentimentos e receber conselhos, diminuindo a sensação de isolamento e solidão.

As pesquisas apontam também que relações saudáveis ajudam a desenvolver resiliência emocional. O fato de saber que podemos contar com o suporte de outras pessoas nos momentos difíceis nos capacita a enfrentar adversidades com maior força e otimismo. Além disso, interações sociais positivas reforçam a autoestima e a confiança. Ser apreciado e amado pelos outros valida a nossa identidade e nos encoraja a perseguir nossos objetivos e sonhos com maior determinação.

Outro aspecto estudado pelos pesquisadores foi a influência da conexão social na longevidade. Esses estudos mostram que pessoas com fortes laços sociais tendem a viver mais e ter uma saúde melhor, em geral. Portanto, as pesquisas científicas têm evidenciado a importância das diferentes conexões sociais para a saúde física e mental, desde aquelas do núcleo doméstico e familiar, até as dos núcleos comunitário e social.

Na próxima edição da revista, daremos continuidade ao tema, abordando algumas estratégias para promover as conexões sociais. Até lá!

Por Adnaldo Paulo Cardoso

O autor é terapeuta ocupacional, doutorando e mestre em Ciências da Reabilitação – Saúde do Idoso pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia; especialista em Bioética pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e membro do grupo Psicologia e Comunhão.

Fonte: https://www.cidadenova.org.br/editorial/informa/4065-conexao_social_e_saude_o_que_dizem_as_pe

Papa: a grandeza da justiça emerge se aplicada com fidelidade ao respeito pela pessoa

Jubileu dos Operadores de Justiça com o Papa Leão XIV (Vatican Media)

“A grandeza da justiça não diminui quando se exerce nas pequenas coisas, mas emerge sempre quando é aplicada com fidelidade ao direito e ao respeito pela pessoa”. São palavras do Papa Leão XIV por ocasião da audiência deste sábado (20/09), na Praça São Pedro, pelo Jubileu dos Operadores de Justiça.

Vatican News

Por ocasião do Jubileu dos Operadores de Justiça deste sábado, 20 de setembro, o Papa Leão XIV recebeu os peregrinos na Praça São Pedro após a saudação de dom Rino Fisichella e a Lectio Magistralis de dom. Juan Ignacio Arrieta. O Pontífice iniciou o discurso falando sobre a importância de refletir mais profundamente sobre a justiça e sua função, “que sabemos ser indispensável tanto para o desenvolvimento ordenado da sociedade quanto como virtude cardinal que inspira e orienta a consciência de cada homem e mulher”. Recordando que ao desempenhar uma função superior na convivência humana, a justiça “não pode ser reduzida à mera aplicação da lei ou à atuação dos juízes, nem se limitar aos aspectos processuais”.

O Papa ao ouvir a saudação de dom Rino Fisichella   (@VATICAN MEDIA)

Circularidade da relação social

Entre os princípios da justiça, o Papa Leão disse que “na justiça, de fato, conjugam-se a dignidade da pessoa, sua relação com o outro e a dimensão da comunidade feita de convivência, estruturas e regras comuns. Uma circularidade da relação social que coloca no centro o valor de cada ser humano, a ser preservado por meio da justiça diante das diversas formas de conflito que podem surgir na ação individual, ou na perda do senso comum que pode envolver também os aparatos e as estruturas”.

A justiça é uma virtude

Citando o Catecismo da Igreja Católica, Leão XIV recordou que a justiça é sobretudo uma virtude, ou seja, “uma atitude firme e estável que ordena nossa conduta de acordo com a razão e a fé. A virtude da justiça, em particular, consiste na ‘vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido’.

O mal deve ser punido e reparado

Após citar episódios evangélicos em que a ação humana é avaliada por uma justiça capaz de derrotar o mal da opressão, como lembra a insistência da viúva que leva o juiz a reencontrar o sentido da justiça, com a misericórdia e com o perdão, Leão afirmou: “é a força do perdão, própria do mandamento do amor, que emerge como elemento constitutivo de uma justiça capaz de conjugar o sobrenatural com o humano”. Continuando, ele disse ainda:

“A justiça evangélica, portanto, não se afasta da humana, mas a questiona e redesenha: ela a provoca a ir sempre além, porque a impele à busca da reconciliação. O mal, de fato, não deve apenas ser punido, mas reparado, e para isso é necessário um olhar profundo para o bem das pessoas e o bem comum.”

A igualdade é ver os direitos inerentes à dignidade garantidos

“Como se sabe”, continuou o Papa, “a justiça se concretiza quando se volta para os outros, quando a cada um é dado o que lhe é devido, até alcançar a igualdade em dignidade e oportunidades”. Porém, ponderou o Pontífice, “a verdadeira igualdade, é a possibilidade dada a todos de realizar suas aspirações e ver os direitos inerentes à sua dignidade garantidos por um sistema de valores comuns e compartilhados, capazes de inspirar normas e leis nas quais se baseia o funcionamento das instituições”. “Hoje”, disse ainda o Papa sobre esse ponto, “o que motiva os operadores da justiça é justamente a busca ou a recuperação dos valores esquecidos na convivência, seu cuidado e seu respeito”. Advertindo em seguida que se trata de “um processo útil e necessário, diante do surgimento de comportamentos e estratégias que demonstram desprezo pela vida humana desde o seu início, que negam direitos básicos à existência pessoal e não respeitam a consciência da qual brotam as liberdades”.

Para a justiça: atenção constante, desinteresse radical e discernimento assíduo

Citando Santo Agostinho, “a justiça não é tal se não for ao mesmo tempo prudente, forte e moderada”, o Papa Leão afirmou que isso “requer a capacidade de pensar sempre à luz da verdade e da sabedoria, de interpretar a lei indo em profundidade, além da dimensão puramente formal, para captar o sentido íntimo da verdade a que servimos”. Portanto buscar a justiça “requer amá-la como uma realidade que só pode ser alcançada se combinarmos atenção constante, desinteresse radical e discernimento assíduo”. “Quando se exerce a justiça, de fato, coloca-se a serviço das pessoas, do povo e do Estado, com dedicação plena e constante”. Explicando em seguida que a “grandeza da justiça não diminui quando se exerce nas pequenas coisas, mas emerge sempre quando é aplicada com fidelidade ao direito e ao respeito pela pessoa, em qualquer parte do mundo que ela se encontre”.

Ter “fome e sede de justiça”

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt 5,6). Com essa bem-aventurança, explicou o Papa, o Senhor Jesus quis expressar a tensão espiritual à qual é necessário estar aberto, não só para obter a verdadeira justiça, mas sobretudo para procurá-la por parte daqueles que devem realizá-la nas diferentes situações históricas.

Ter ‘fome e sede’ de justiça equivale a estar consciente de que ela exige um esforço pessoal para interpretar a lei da forma mais humana possível, mas, acima de tudo, exige tender para uma ‘saciedade’ que só pode ser alcançada numa justiça maior, que transcende as situações particulares”.

“O Estado, no qual não há justiça, não é um Estado”

Por fim, Leão XIV convidou a refletir sobre a realidade de muitos países que têm “fome e sede de justiça”, porque as suas condições de vida são tão injustas e desumanas que se tornam inaceitáveis. Com palavras de Santo Agostinho recordou: “sem justiça não se pode administrar o Estado; é impossível que haja direito em um Estado onde não há verdadeira justiça. [...] O Estado, no qual não há justiça, não é um Estado. A justiça, de fato, é a virtude que distribui a cada um o que lhe pertence. Portanto, não é justiça do homem aquela que subtrai o próprio homem do Deus verdadeiro”. Em conclusão, o Papa desejou que as palavras inspiradoras de Santo Agostinho motivem cada um a exercer sempre da melhor forma a justiça a serviço do povo, com os olhos voltados para Deus, de modo a respeitar plenamente a justiça, o direito e a dignidade das pessoas.

https://youtu.be/X5pVW0BH13c

Papa Leão XIV e o Jubileu dos Operadores de Justiça

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Pio de Pietrelcina

São Pio de Pietrelcina (A12)

23 de setembro

São Pio de Pietrelcina

Francisco nasceu no dia 25 de maio de 1887, em Pietrelcina, Itália. Aos dezesseis anos, entrou no noviciado da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, onde vestiu o hábito dos franciscanos e tomou o nome de Frei Pio.

Depois da ordenação sacerdotal, em 1910, no Convento de Benevento, Padre Pio, como era chamado, ficou doente, tendo que voltar a conviver com sua família para tratar sua enfermidade, e lá permaneceu até o ano de 1916. Quando voltou, nesse ano, foi mandado para o Convento de São João Rotondo, lugar onde viveu até sua morte.

No dia 20 de setembro de 1918, recebe os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo em suas mãos, pés e no costado esquerdo, convertendo-se no primeiro sacerdote estigmatizado.

Padre Pio passou toda sua vida contribuindo para a redenção do homem, cumprindo a missão de guiar espiritualmente os fiéis e celebrando a Eucaristia. Para ele, sua atividade mais importante era, sem dúvida, a celebração da Santa Missa.

Era solicitado no confessionário, na sacristia, no convento, e em todos os lugares onde pudesse estar, todos iam buscar seu conforto, e o ombro amigo, que ele nunca lhes negava seu apoio e amizade. A todos tratou com justiça, lealdade e grande respeito.

Durante muitos anos, experimentou os sofrimentos da alma, em razão de sua enfermidade e ao longo de vários anos, suportou com serenidade as dores das suas chagas. Padre Pio faleceu no dia 23 de setembro de 1968, aos oitenta e um anos de idade.  

Colaboração: Padre Evaldo César de Souza, CSsR 

Reflexão:

Padre Pio passava o dia e grande parte da noite conversando com Deus. Ele dizia: "Nos livros, procuramos Deus; na oração, encontramo-Lo. A oração é a chave que abre o coração de Deus". Também aceitava a vontade misteriosa de Deus em nome de sua infindável fé. Sua máxima preocupação era crescer e fazer crescer na caridade.

Oração:

Amado São Pio de Pietrelcina, você carregou em seu corpo os sinais da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, reze a Deus por nós, assim poderemos aceitar as pequenas e as grandes Cruzes da vida, e todo o mundo poderá transformar o sofrimento individual em vínculo seguro que nos liga à Vida Eterna. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

EXPOSIÇÕES: Degas, a magia dos pastéis

Três bailarinas na aula de dança , Edgar Degas, Brisbane, Queensland Art Gallery | 30Giorni.

Arquivo 30Dias nº 11 - 2004

Degas, a magia dos pastéis

Cento e setenta obras do artista francês em exposição em Roma, no Complexo Vittoriano, de 2 de outubro de 2004 a 1º de fevereiro de 2005.

por Carlo Montarsolo

Uma exposição de Edgar Degas está em andamento no Vittoriano, em Roma, com mais de 170 obras, incluindo óleos, pastéis, esculturas e fotografias. Esta série de prestigiosas exposições com obras dos mais famosos e significativos pintores contemporâneos continua na capital, dentro dos espaços do histórico complexo monumental. Depois de Cézanne e Klee, surge Degas, o artista francês cuja fama se deve aos seus temas favoritos: bailarinas e cavalos de corrida. Seus biógrafos mais eminentes o descrevem como um homem de temperamento terrível, sarcástico e insolente. Ele tinha pouca ligação com os outros impressionistas, tanto que era considerado fora do movimento. Um de seus alvos era Monet, com seus "nenúfares". Degas disse que a visão repetida daquelas folhas apodrecendo na água "machucava seus olhos" (ele morreu cego em 1917). Ele detestava a pintura ao ar livre, que envolvia pintar objetos parados ao ar livre, e se refugiava nas sombras suaves de seu estúdio, onde, por meio de testes extenuantes com modelos ocasionais, pintou "A Lição de Dança" , que veio de Washington, e "A Aula de Dança", que veio da Filadélfia. Apaixonado por cavalos, ele às vezes ia ao hipódromo, e sua famosa pintura a óleo " Antes da Partida", emprestada à exposição de Roma por uma galeria de arte particular em Zurique, é imperdível. As 73 esculturas em exposição no Museu de Arte de São Paulo, Brasil, valem a pena ser vistas. Exibidas juntas em uma vitrine em uma sala com vista para o Fórum Romano, elas testemunham o gênio multifacetado de Degas.

Além disso, em seus últimos anos, ele experimentou a fotografia, comprando uma câmera de filme com a qual retratou camponeses e amigos, e até mesmo tirou um autorretrato parodiando a Apoteose de Homero, de Ingres. Degas também era, como diziam seus contemporâneos, um "brincalhão brilhante" que adorava zombar de si mesmo.

Ele alcançou níveis extraordinários de maestria na técnica do pastel. Justamente por sua constante e obsessiva experimentação com métodos para "molhar" e "fixar" pastéis em cartões especiais que ele mesmo preparava com vernizes e colas especiais, pode-se dizer que Degas inventou a técnica e foi o maior artista de pastel da pintura moderna. Lembro-me de que, no início da minha carreira de pintor, aprendi a usar pastéis com um rico cavalheiro do Vesúvio, que me permitiu usar a coleção de pastéis que ele havia comprado da famosa firma Lefranc, em Paris. Degas apreciava esses pastéis muito compactos, apesar da natureza frágil do giz colorido.

Deixe-me tentar explicar o que são pastéis. São pequenos cilindros arredondados, verdadeiros pedaços de giz, disponíveis em centenas de tons e cores diferentes: do branco ao preto, tons de terra queimados e naturais, cinzas, ocres, verde esmeralda e veronese, índigo e azul ultramarino. Ao contrário dos pastéis a óleo posteriores, Degas pintava exclusivamente com pastéis de giz, pressionando-os com os dedos sobre o papelão e misturando-os com a mão ou um pano macio. Com essa técnica, ele alcançou resultados pictóricos surpreendentes, especialmente ao representar a pele de modelos nuas (veja a Jovem na Banheira ou Secando o Cabelo ). Dotado de uma síntese impecável no desenho, ele reproduziu na pintura a graça suave e aveludada dos rostos, ombros e braços de figuras femininas, superando até mesmo os tons de pele pintados a óleo de Renoir com pastéis. Talvez nenhum pintor renascentista jamais tenha alcançado uma representação pictórica tão elevada e realista da pele, aquela cor rosada e vibrante de uma pessoa jovem e saudável. Peço aos visitantes da exposição que se detenham nas obras em pastel, felizmente intactas ao longo do tempo, apesar do reboco precário e empoeirado. As pinturas foram adequadamente protegidas por fixação, vitrines e iluminação especial. Contrastados com o mármore do Vittoriano e a pedra polida dos Fóruns Imperiais, os pastéis de Edgar Degas parecem mágicos e também brilham com a eternidade.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Proclamar ao mundo o perfume suave e agradável da esperança

(©AFP/Tiziana Fabi)  (AFP or licensors)

"A tarefa que temos pela frente já não é defender e justificar a esperança filosófica e teologicamente, mas simplesmente anunciá-la, mostrá-la, oferecê-la a um mundo que perdeu o sentido da esperança e por isso enfraquece espiritualmente”, como diz Cantalamessa[2]. Nesse contexto, a esperança não é um tratado teórico, mas um testemunho profético de vida que brota da fé pascal".

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

A esperança, em sua essência, é como um perfume suave que não se explica, mas se sente e se compartilha. Diante de um mundo marcado pela incerteza, pelo medo e pelo cansaço espiritual, a missão de cada cristão já não se limita a defender ou justificar racionalmente esse dom, mas a torná-lo visível e acessível a todos. Mais do que conceitos filosóficos ou argumentos teológicos, a esperança precisa ser testemunhada na vida concreta, como um sinal que ilumina os que caminham na escuridão e fortalece aqueles que, fragilizados, buscam razões para continuar. Proclamar a esperança, portanto, é oferecer ao mundo um sopro de renovação capaz de despertar corações adormecidos e devolver sentido às jornadas humanas.

No contexto deste Ano Jubilar, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão "Proclamar ao mundo o perfume suave e agradável da esperança":

"O tratado da Esperança, fé e caridade de Zenão de Verona, um antigo padre, diz assim: “Tire a Esperança, e toda a humanidade se entorpece. Tire a Esperança e todas as artes e virtudes desaparecerão. Tire a esperança e tudo perece”.

Há um gesto na Vigília Pascal significativo que destacamos em nossa reflexão sobre a Esperança. Do fogo Novo abençoado no Sábado de Aleluia, se acende a chama do Círio Pascal, devidamente incensado e preparado para a noite das noites. As brasas acesas do fogo Novo simbolizam as pedras do túmulo de Cristo que se rompem para que a luz do ressuscitado brilhe. Da chama do Círio Pascal aceso nessa noite Santa de Vigília, se acendem as velas do povo. Os fiéis acendem a própria vela por meio de outra vela e assim a esperança da luz se alastra. Nessa analogia, vemos que a esperança é transmitida por contágio. Não é transmitida porque alguém a estuda, discute ou explica, mas porque a possui e passa adiante. Assim, os cristãos devem passar de pai para filho, de mão em mão, de geração em geração, numa tradição vivida e testemunhada, uma divina transmissão salutar, a grande virtude da esperança.

Se há meios para se contagiar com a esperança é a alegria e a paz interior. São Paulo, na Carta aos Romanos, expressa esse desejo: “Que o Deus da esperança os encha de toda a alegria na fé” (Rm 15,13). A alegria revela a presença da esperança assim como o perfume revela a presença de uma flor. O perfume da esperança precisa ser exalado ao mundo inodoro. A fragrância da esperança precisa preencher nossos espaços e ambientes.

Reza assim também o salmista: “Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!” (Sl 32).  A ressurreição de Cristo nos faz “renascer para uma esperança viva”, como vemos na primeira Carta de Pedro (1Pdr 1,3). Hoje, mais do que nunca no mundo, precisamos de um “renascimento da Esperança, se quisermos iniciar uma nova evangelização. Nada se faz sem esperança. As pessoas vão onde se respiram o ar de esperança e fogem onde não a sentem presente. A esperança é o que dá coragem aos jovens para formarem uma família ou seguir em uma vocação religiosa; é o que os mantém afastado das drogas e de semelhantes deslizes ao desespero. De certo modo em comparação com algumas décadas atrás, estamos hoje numa situação mais vantajosa em relação à esperança. Já não precisamos passar a maior parte de nosso tempo defendendo a esperança Cristã dos ataques externos; podemos fazer a coisa mais útil e frutífera que é proclamá-la, oferecê-la e disseminá-la no mundo, não tanto com um discurso apologético, mas assim querigmático”[1].  

Precisamos proclamar alto e em bom tom a esperança que não decepciona jamais. Jesus Ressuscitou, razão de nossa esperança, de nossa fé e nosso combate diário. O mundo de hoje precisa desse anúncio da Esperança. Há tantas pessoas desanimadas, desencorajadas, esmorecidas na fé, caídas no pessimismo e baixa estima e questão caídas à beira do caminho. Não peregrinam, não caminham, não progridem. É preciso querigmatizar a esperança, fazer dela um anúncio corajoso e constante. Em cada anúncio, em cada mensagem, em cada homilia, em cada pregação, precisamos proclamar de viva voz a esperança.

A esperança das pessoas foi afetada pelas ideologias e pelos falsos profetas: Feuerbach, Marx, Nietzsche, Hegel, Freud e outros. A vida eterna para muitos desses filósofos foi vista como uma esperança ilusória, como o ópio dos povos. A esperança foi vista com maus olhos, como um descompromisso com o tempo presente e como fuga da atuação do cristão na sociedade. Pois depois de destruir com a esperança cristã, a cultura ateia marxista, não tardou em perceber que não se podia deixar as pessoas sem esperança. Por isso, inventou o “princípio da esperança”. A esperança, nessa teoria filosófica, seria apenas um princípio, e não uma virtude teologal, como a Igreja proclama. Nesse princípio, a manifestação de Jesus Cristo é substituída pela manifestação do homem, a “parusia” é substituída pela “utopia”. A esperança passaria não simplesmente para uma virtude da graça, mas uma conquista de esforço humano no desejo de superação. A pátria celeste torna-se aqui uma pátria de identidade, não onde o homem vê Deus face a face, mas onde o homem vê simplesmente como ele é. “A tarefa que temos pela frente já não é defender e justificar a esperança filosófica e teologicamente, mas simplesmente anunciá-la, mostrá-la, oferecê-la a um mundo que perdeu o sentido da esperança e por isso enfraquece espiritualmente”, como diz Cantalamessa[2]. Nesse contexto, a esperança não é um tratado teórico, mas um testemunho profético de vida que brota da fé pascal".

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
_____________

[1] CANTALAMESSA, RANIERO. “Fé, esperança e caridade – as três graças do Cristianismo”, Ed. Paulus, 2024, p. 111.
[2] Idem, 113.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Princípio Antrópico – o universo podia ser diferente?

Princípio Antrópico (HypeScience)

Alexandre Zabot - publicado em 22/01/16

Dizem que Einstein defendia que a grande questão era se Deus teve ou não escolha ao criar o universo.

No artigo Princípio Antrópico – um universo sob medida, mostrei algumas evidências que a ciência vem descobrindo e acumulando nas últimas décadas sobre como o universo parece se encaixar perfeitamente à vida. Não digo vida humana, mas vida em geral. É incrível que apesar da vida ser tão frágil, a Terra abrigue todas as condições para o surgimento e a manutenção dos seres vivos. Como tentei mostrar na última coluna, estas condições de que dispomos aqui na Terra são realmente muito especiais no sentido de que dependem fortemente das leis físicas. Se estas fossem ligeiramente diferentes do que são, não seria possível haver vida aqui ou em qualquer outra parte do Universo. Aliás, haver vida em outro lugar do universo é algo tão provável quanto haver vida aqui, ou seja, é algo certo. Que tipo de vida, não sabemos. Mas hoje as evidências de que o universo abriga inúmeros locais bons para a vida vêm se acumulando com muita rapidez.

A constatação de que as leis físicas são como que “ajustadas” para a vida no universo é o chamado “ajuste fino” das leis da natureza. A partir dele alguns cientistas, filósofos e teólogos defendem a existência de um “Princípio Antrópico”. Como também falei na última coluna, há vários tipos de formulações para o Princípio Antrópico. Porém, duas formas são as mais comuns, são as chamadas “Forma Suave” (ou Fraca) e “Forma Forte”. Quero discutir estas formas com mais detalhes e também as críticas e defesas delas. No fundo, esta questão não passa da velha discussão sobre acaso e necessidade nas leis físicas.

Como há muitas formulações diferentes para o Princípio Antrópico, vou usar as definições de um livro famoso sobre o assunto: “The Anthropic Cosmological Principle”  de John Barrow e Frank Tipler. Eles definem as duas versões do Princípio assim:

Princípio Antrópico Suave (ou fraco) (PAS):  Os valores observados de todas as quantidades físicas e cosmológicas não são equiprováveis, mas assumem valores restritos pela exigência de que existem locais onde a vida baseada em carbono pode evoluir e também pela exigência de que o Universo é antigo o bastante para que isso já tenha acontecido.

Princípio Antrópico Forte (PAF): O universo deve, obrigatoriamente, ter as propriedades necessárias para permitir o desenvolvimento da vida em algum estágio de sua história.

Há pelo menos outras duas formulações alternativas bem conhecidas, mas estas duas que apresentei são as mais famosas e também mais discutidas. Alguns críticos com tendências à ironia dizem que o PAS não passa de dizer que “o universo é como é porque é!”. A ironia não é falsa, mas como toda ironia, descarta aspectos interessantes com muita facilidade. Uma história famosa vai ajudar a explicar o que quero dizer.

Por volta de 1950 a Mecânica Quântica e a Física Nuclear estavam em alta e pela primeira vez começava-se a vislumbrar os mecanismos que geram a energia das estrelas. Sabia-se que a responsável pela energia era a fusão nuclear, mas ainda não se compreendia bem quais eram os mecanismos. Uma reação nuclear chamada de triplo-alfa era invocada como parte da explicação. Nela, três núcleos de Hélio (partículas alfa) colidem e formam um núcleo de Carbono. O problema é que esta reação teria baixa probabilidade e portanto não poderia formar todo o Carbono observado no Universo. Fred Hoyle, um dos maiores Astrofísicos que já houve (aliás, foi quem cunhou o termo “Big Bang”), raciocinou por meio do Princípio Antrópico: se há Carbono do universo, então esta reação deve ser favorecida de algum modo. Ele previu que este favorecimento se dava por meio de uma ressonância do Carbono e estimou a energia. Acertou na mosca!

Ou seja, o PAS pode ser um tanto óbvio por dizer que já que vemos vida no universo, as leis físicas devem permitir que haja a vida, porém, é possível fazer previsões a partir desta simples constatação. Afirmações simples podem encerrar verdades muito profundas! Basta ler o Evangelho para se convencer disto. Na verdade, as críticas ao PAS não passam de ironias porque no fundo ele é uma simples constatação. Embora, para seus defensores, seja uma constatação muito importante.

A grande discussão acontece em torno do Princípio Antrópico Forte (PAF). À primeira vista ele nem parece ser uma afirmação forte e ao que tudo indica, se encaixa muito bem na visão cristã do universo. Porém, ele comete dois erros graves: inverte a lógica causa-efeito e é um tipo disfarçado de Design Inteligente. Por estes dois erros, eu penso que o PAF não pode ser aceito, tanto por uma perspectiva científica quanto teológica, pois o Design Inteligente não passa de uma espécie de teoria de Deus das Lacunas que subjuga nosso Deus a um mero reparador de uma Criação barata e mal feita. O que, evidentemente, Ele não é!

No primeiro artigo sobre o Princípio Antrópico, iniciei citando o paleontólogo Stephen Jay Gould, me permitam citá-lo novamente para explicar por que o PAF inverte a lógica causa-efeito. Para Gould, o PAF é como dizer que as salsichas de cachorro quente foram feitas finas e longas para se adaptarem ao pão de cachorro quente! É verdade, a crítica tem fundamento porque na realidade, é a vida que se adaptou ao universo e não o contrário. Mesmo dentro de uma perspectiva cristã, onde Deus criou o universo e desde sempre quis a vida e o ser humano, é muito limitante dizer que o universo é consequência da vida. Na minha opinião, a visão correta é que Deus, na sua imensa sabedoria e poder, criou o universo e as leis físicas capazes de gerar vida. Mas esta é consequência, e não causa. Desta forma, penso eu, elevamos Deus a posição de Criador. Dizem que Einstein defendia que a grande questão era se Deus teve ou não escolha ao criar o universo. Para os cristãos, é evidente que Deus teve escolha. Ele nos escolheu, nos quis! O PAF deixa Deus sem escolha, o que é um absurdo.

Mas inverter a lógica causa-efeito não é o maior problema do PAF e sim o fato dele ser uma forma disfarçada de Design Inteligente. Ou seja, para os defensores do PAF existem leis físicas que só podem ser explicadas por uma questão de finalidade. Dizer que uma lei da natureza é de tal forma porque assim permite que haja vida e os seres humanos é declarar uma enorme falta de capacidade de entender a natureza. Não precisamos usar Deus para explicar a forma das leis da natureza, Ele a criou cognoscível. Para mim, esta é uma das melhores provas da existência de Deus.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2016/01/22/principio-antropico-o-universo-podia-ser-diferente/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF