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segunda-feira, 28 de julho de 2025

Em um mundo com tantos desafios para os jovens, ainda existe lugar para a esperança?

CarlosBarquero | Shutterstock

Paulo Teixeira - publicado em 27/07/25

O Ano Santo traz como tema peregrinos na esperança. O Papa Francisco escolheu este tema baseando-se na carta de São Paulo aos Romanos na qual é indicado que a esperança não decepciona (5,5). Uma reflexão importante para a juventude. 

A juventude se encontra com diversas situações de desesperança e as decepções são muitas. Nos noticiários, de qualquer dia, figuram notícias de jovens vítimas de violência e também que promovem agressões. Quando olhamos para as guerras em curso no mundo vemos que são jovens soldados que combatem e que os conflitos geram um prejuízo aos sonhos dos mais jovens. 

Nesse contexto, a celebração do jubileu por parte da juventude é uma luz, um brilho na escuridão, uma “gota” de esperança para irrigar os desertos que a juventude atravessa em nossa sociedade.

Cidade eterna com a juventude

Entre 28 de julho e 3 de agosto, no alto do verão europeu, Roma sediará o Jubileu da Juventude. Jovens de todo o mundo devem se reunir  na Cidade Eterna para a peregrinação à Porta Santa, e também encontros e catequeses. Tem destaque o dia primeiro de agosto que contará com confissões no Circo Máximo, lugar onde os primeiros cristãos foram martirizados; e no sábado, 2 de agosto, acontecerá uma vigília de oração em Tor Vergata, icônico lugar em que o Papa João Paulo II se encontrou com mais de um milhão de jovens na Jornada Mundial da Juventude do ano 2000. Neste mesmo lugar o Papa Leão XIV presidirá a missa no domingo, 3 de agosto.  

Um presente

No Brasil o Jubileu dos Jovens já estava programado para o início de setembro, antecipando o início da primavera. Deus deu um presente especial para os jovens e “marcou” para o mesmo final de semana a canonização de Carlo Acutis, que será em 7 de setembro. O local de encontro dos brasileiros será o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida e acontecerá de 3 a 7 de setembro. O ponto alto é o sábado, dia 6, no qual haverá uma vasta programação congregando os jovens em suas diversas experiências.  

O futuro da juventude

Os jovens são marcados pelos desafios do rápido desenvolvimento tecnológico, mas também podem ser marcados pela esperança que este jubileu celebra. No encontro no Santuário Nacional no Brasil acontecerá também o encontro das jovens lideranças e o seminário para jovens comunicadores. Naquele de Roma, as palavras do Papa ecoarão pelo mundo.  

A juventude católica terá essa ocasião de rezar e refletir sobre o atual contexto marcado por desafios e guerras, mas que tem espaço ainda para a esperança, para a fé e para o encontro. Os jovens que se engajam cada vez mais em iniciativas de paz, em favor do ambiente e em defesa da família podem “recarregar as baterias” celebrando o jubileu e testemunhar a esperança nos ambientes em que convivem. 

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/07/27/em-um-mundo-com-tantos-desafios-para-os-jovens-ainda-existe-lugar-para-a-esperanca/

HISTÓRIA DA IGREJA: Francisco de Assis um homem de paz formado pela liturgia (Parte 2/2)

Francisco dirige-se à Porciúncula | 30Giorni

Arquivo 30Dias nº 09 - 2005

Francisco de Assis um homem de paz formado pela liturgia

A vida de Francisco de Assis, como acontece para todo homem, sempre será, em certo sentido, um mistério. Reconhecer isso não impede de continuar a aprofundá-la, graças também aos resultados já alcançados até aqui. Justamente nessa perspectiva é que se está reconhecendo o papel importante, para não dizer fundamental, da liturgia no itinerário de Francisco.

de Pietro Messa

3. O testemunho do Breviarium Sancti Francisci

A importância da liturgia na fraternitas menorítica e na vida de Francisco de Assis é testemunhada não apenas pela Regra dos Frades Menores confirmada pelo papa Honório III em 1223, mas sobretudo por um códice conservado entre as relíquias do proto-mosteiro de Santa Clara, na homônima Basílica em Assis. Como testemunha uma escrita de próprio pu­nho do frei Leão, ou seja, de um dos companheiros, além de testemunha, do Santo, esse códice foi usado pelo próprio Francesco: “O bem-aventurado Francisco recomendou esse breviário a seus companheiros, frei Ângelo e frei Leão, uma vez que, quando tinha saúde, quis sempre recitar o ofício, como está contido na Regra; e no tempo de sua doença, não podendo recitá-lo, queria escutá-lo; e isso continuou a fazer enquanto viveu”4.

O códice, denominado Breviarium sancti Francisci, consiste fundamentalmente num breviário, no saltério e no evangeliário; a primeira parte é a mais consistente e é constituída pelo breviário da Cúria Romana reformado por Inocêncio III. A antiguidade desse texto, que o torna uma testemunha privilegiada dessa reforma e portanto da história dos livros litúrgicos em geral, é confirmada pela presença, sobretudo nas solenidades marianas ou de santos ligados ao ministério pontifício, como Pedro, Paulo e Gregório Magno, de leituras extraídas dos sermões do próprio Ino­cêncio III; essas leituras, depois da sua morte, em 1216, serão tornadas facultativas pelo sucessor, papa Honório III, e imediatamente desaparecerão do breviário5. De fato, o Breviário de São Francisco é o único breviário propriamente dito que contém essas leituras por inteiro. Esse códice foi usado por Francisco e certamente cooperou para formar nele uma, ainda que rudimentar, cultura teológica, que lhe permitiu expressar sua espiritualidade e seu pensamento em alguns escritos, três dos quais estão ainda hoje ao nosso alcance em seu formato manuscrito original6.

Considerando esse papel desenvolvido pela liturgia na formação cultural e espiritual de Francisco, essa deve ser levada em conta devidamente quando se procura compreender a mensagem do santo de Assis. Portanto, sobretudo o conteúdo desse códice deve ser levado em conta todas as vezes em que se queira aprofundar uma temática particular de seu pensamento; assim, o papel da Virgem Maria em seu pensamento se tornará mais inteligível na medida em que se lerem seus escritos levando em conta o Ofício da Bem-aventurada Virgem e as quatro festas marianas contidas no citado códice, ou seja, a Apresentação de Jesus no Templo, em 2 de fevereiro; a Anunciação, em 25 de março; a Assunção, com sua oitava, de 15 a 22 de agosto; e a Natividade de Maria, em 8 de setembro. Ainda que as duas primeiras festas, ou seja, a Apresentação no Templo e a Anunciação, celebrem dois mistérios da vida de Jesus Cristo, já há séculos haviam assumido uma forte conotação mariana, tanto que a primeira é denominada pelo citado Breviarium como festa da Purificação da Virgem Maria7.

A importância do Breviarium sancti Francisci foi reconhecida e testemunhada pelo próprio frei Leão, que o deu à abadessa Benedita do mosteiro de Santa Clara de Assis, para que o conservasse como um testemunho privilegiado da santidade de Francisco. Todavia, antes de entregá-lo, ele assinalou no calendário diversos dias aniversários de defuntos, entre os quais os de Inocêncio III e o de Gregório IX. Depois ainda de alguns anos, durante os quais foi usado como livro litúrgico, o breviário do Santo foi definitivamente posto entre as relíquias do citado mosteiro, onde ainda hoje pode ser admirado. Justamente em razão dessa importância, no século XVII sua capa foi decorada com duas ornamentações de prata que representavam São Francisco e Santa Clara.

Muitas vezes a própria Bíblia, e portanto o Evangelho, está presente em seus escritos mediada pela liturgia (...). O que fica claro a um estudo mais aprofundado é que ele conheceu a Escritura mediante a liturgia, ou seja, graças à mediação da Igreja.

4. Francisco e a Igreja

Um dos temas mais debatidos na historiografia franciscana é a relação de Francisco com a Igreja. Houve quem falasse de Francisco como uma espécie de revolucionário, e quem, por sua vez, não podendo contradizer as fontes, procurasse a razão de sua obediência à hierarquia em sua escolha de viver como frade menor; seja num sentido, seja no outro, sua postura é sempre vista de uma maneira que podemos definir afastada, extrínseca. A consideração da importância da liturgia na vida de Francisco pode ajudar a compreender melhor sua relação com a Igreja: ele viveu a inserção, certamente não de maneira passiva, numa história que o precedia e que se havia expresso também mediante determinadas fórmulas litúrgicas. A oração e a meditação de textos anteriores a ele, expressão da vida e da santidade da Igreja ao longo dos séculos, tornaram-se para Francisco o lugar de comunhão com a história da salvação. Justamente por isso, ele foi muito determinado contra aqueles que não queriam rezar o Ofício, como é testemunhado pelo que escreve em seu testamento: “E embora eu seja simples e enfermo quero contudo ter sempre junto de mim um clérigo que reze comigo o ofício segundo manda a Regra. E todos os outros irmãos estejam obrigados a obedecer de igual modo aos seus guardiães e a rezar o ofício segundo manda a Regra. E se acaso houver quem não reze o ofício segundo o preceito da Regra e introduzir um modo diferente ou não seja católico, todos os irmãos, onde quer que estiverem e acharem um deles, são obrigados sob obediência a levá-lo ao custódio mais próximo do lugar onde o tiverem encontrado. E o custódio esteja gravemente obrigado sob obediência a mantê-lo sob guarda severa como prisioneiro, dia e noite, de modo que não possa escapar de suas mãos, até que o entregue pessoalmente às mãos de seu ministro. Também o ministro esteja gravemente obrigado sob obediência a enviá-lo por tais irmãos que o guardem dia e noite como um preso, até que o apresentem ao senhor de Óstia, que é o senhor, protetor e corretor de toda a fraternidade”8. Essa lista que se conclui com a entrega ao “senhor da Óstia”, ou seja, ao chamado cardeal protetor da Ordem dos Frades Menores, foi considerada uma das “durezas” de frei Francisco que tanto contrasta com uma certa imagem conciliadora que se tem dele; e essa dureza se dá diante daqueles que não rezavam o breviário. Isso é devido ao fato de que essa determinada oração, e portanto também sua recusa, estava diretamente relacionada com a ortodoxia ou não da pessoa e da comunidade.

O axioma lex orandi, lex credendi, lex vivendi pode ser constatado como vivido por Francisco e também considerado por ele, ainda que não explicitamente, uma das referências da sua experiência cristã. A forma como Francisco rezou, e que quis que fosse também a da fraternitas menorítica, ou seja, a oração do breviário, é expressão da sua fé, a da Igreja representada pelo pontífice, que se exprimiu em sua vida concreta. Portanto, se quisermos compreender plenamente a experiência do santo de Assis e de sua pregação de paz - com o significado que assumiu ao longo da história e sobretudo graças ao pontificado de João Paulo II -, não pode ser negligenciada a sua fé expressa mediante a oração, sobretudo litúrgica, e a oração do breviário.

Notas

4 Frei Leão de Assis, “Nota al Breviario di san Francesco”, in: Ernesto Caroli (org.), Fonti Francescane, Pádua, 2004, p. 2696.
5 P. Messa, “I sermoni di Innocenzo III nel Breviarium sancti Francisci”, in: Archivum Franciscanum Historicum, 95 (2002), pp. 249-265.
6 P. Messa, Le fonti patristiche negli scritti di Francesco di Assisi, posfácio de G. Miccoli, Assis, 1999.
7 P. Messa, “Le feste mariane nel Breviarium sancti Francisci”, in: L’Immacolata Concezione. Il contributo dei francescani. Atas do Congresso Mariológico Franciscano por ocasião do 150° aniversário da proclamação dogmática (Santa Maria dos Anjos, Assis, 4-8 de dezembro de 2003), Cidade do Vaticano, 2005.
8 Francisco de Assis, “Testamento”, 29-33, tradução de frei Edmundo Binder, in: Escritos e biografias de São Francisco de Assis. Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano, Petrópolis, Vozes, 1988, pp. 169-170.

Fonte: https://www.30giorni.it/

A geração ansiosa e os excessos digitais

Mundo digital (Vatican News)

A realidade dos excessos digitais vividos pela atual geração não pode ser ignorada. Crianças e adolescentes passam, em média, de 6 a 9 horas por dia diante de telas, seja em jogos, redes sociais ou vídeos.

Prof. Robson Ribeiro – Teólogo, Filósofo e Historiador

Vivemos em uma era marcada por uma hiperconectividade sem precedentes. As redes sociais, os dispositivos móveis e as telas digitais tornaram-se extensões quase inseparáveis da vida cotidiana, especialmente para crianças e adolescentes. No entanto, essa realidade tecnológica traz consigo desafios profundos para a saúde mental e o desenvolvimento emocional das novas gerações. Em seu livro A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, o psicólogo social Jonathan Haidt expõe, com base em dados e estudos recentes, como o uso intensivo de telas e redes sociais está correlacionado a um crescimento alarmante de casos de ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos entre os jovens.

Haidt argumenta que, a partir da década de 2010, houve uma ruptura no desenvolvimento saudável da infância e adolescência. A substituição do brincar livre, das interações presenciais e das experiências concretas por horas diante das telas levou a uma forma de socialização artificial, ansiosa e, muitas vezes, tóxica. Plataformas como Instagram, TikTok e Snapchat incentivam comparações constantes, idealizações irreais e busca por validação imediata, o que afeta profundamente a autoestima dos jovens. A ansiedade, segundo Haidt, não surge apenas pelo conteúdo consumido, mas pelo modo como essas redes moldam o comportamento social e o valor que os jovens atribuem a si mesmos com base em curtidas, visualizações e comentários.

Um dos principais problemas apontados por Haidt é o déficit de controle parental e institucional sobre o tempo e o tipo de uso das redes sociais. Muitas famílias enfrentam dificuldades em estabelecer limites claros, seja por desconhecimento dos riscos, seja por pressão social ou conveniência. Destarte essa realidade desponta uma das grandes fragilidades contemporâneas no campo da educação familiar: a dificuldade em estabelecer limites diante do avanço tecnológico.

Muitos pais e responsáveis, imersos na mesma cultura digital que envolve seus filhos, sentem-se inseguros ou despreparados para impor restrições ao uso das telas. Essa lacuna formativa é agravada pela pressão social por conectividade constante e pelo uso da tecnologia como recurso de distração, especialmente em contextos de cansaço, falta de tempo ou ausência de apoio coletivo. O problema, nesse sentido, não é apenas técnico ou comportamental, mas ético e cultural. Estabelecer limites hoje exige coragem educativa, diálogo firme e afetivo, e uma consciência crítica que muitas vezes ainda precisa ser construída dentro das próprias famílias.

A ausência dessa mediação abre espaço para o domínio das plataformas digitais sobre a infância e adolescência, comprometendo a autonomia, a saúde emocional e a construção de vínculos mais profundos com o mundo real. Além disso, o design viciante dessas plataformas – planejadas para prender a atenção por mais tempo possível – torna difícil para crianças e adolescentes desligarem-se de forma voluntária. A chamada "economia da atenção" transforma jovens em consumidores e produtos, vulneráveis a algoritmos que reforçam vícios e distorcem a percepção da realidade.

Outro aspecto abordado por Haidt é a substituição das experiências presenciais por interações digitais superficiais, o que compromete o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. A comunicação por meio de mensagens curtas e emojis reduz a capacidade de empatia, escuta ativa e resolução de conflitos, habilidades essenciais para uma vida adulta saudável e ética. Além disso, o uso constante de telas compromete o sono, reduz a capacidade de concentração e contribui para o isolamento emocional, fatores que se somam ao aumento dos quadros de sofrimento mental entre os jovens.

A realidade dos excessos digitais vividos pela atual geração não pode ser ignorada. Crianças e adolescentes passam, em média, de 6 a 9 horas por dia diante de telas, seja em jogos, redes sociais ou vídeos. O que poderia ser uma ferramenta de entretenimento, estudo ou conexão com o mundo, tornou-se uma prisão invisível. O excesso não está apenas no tempo de exposição, mas na intensidade emocional e psicológica com que os jovens se envolvem com esse universo.

Os relatos de jovens que não conseguem ficar longe do celular por mais de poucos minutos são cada vez mais frequentes. Isso configura uma dependência comportamental, um tipo de vício que afeta a regulação emocional, o autocontrole e o equilíbrio mental. A busca incessante por notificações, curtidas e respostas rápidas cria um estado de alerta constante, que leva à exaustão psíquica. Não por acaso, os índices de burnout, insônia e irritabilidade aumentaram consideravelmente entre adolescentes nos últimos anos.

Jonathan Haidt alerta para a necessidade de restaurar os limites saudáveis entre o digital e o humano. Em um mundo onde tudo é instantâneo, a paciência, a espera e o silêncio tornaram-se experiências quase intoleráveis. A realidade dos excessos digitais desorganiza o tempo interno, fragmenta a atenção e compromete a capacidade de lidar com o tédio – elemento essencial para a criatividade e o autoconhecimento.

Além disso, os excessos favorecem a cultura da hiperexposição e da comparação constante, o que prejudica a construção da identidade. Jovens que crescem em um ambiente onde tudo é postado, comentado e julgado publicamente desenvolvem uma percepção distorcida de si mesmos e dos outros. Isso gera sentimentos de inadequação, medo de exclusão e insegurança crônica.

É necessário também destacar o impacto dos excessos nas relações familiares e escolares. Muitos pais relatam dificuldades em manter conversas profundas com seus filhos, que preferem o silêncio da tela ao diálogo presencial. Nas escolas, professores enfrentam o desafio de competir com os celulares por atenção em sala de aula. O que antes era uma distração ocasional, agora tornou-se um obstáculo diário à aprendizagem significativa.

Frente a esse cenário, torna-se urgente promover uma cultura de moderação e presença. Isso passa por educar para o uso consciente das tecnologias, criando momentos de "dieta digital", espaços sem telas e tempo de qualidade offline. Significa também recuperar o valor do corpo, da convivência, do olho no olho, do tempo livre não preenchido por estímulos artificiais.

Como lembra Haidt, o problema não é a tecnologia em si, mas o modo como ela é usada sem mediação, sem limites e sem responsabilidade. É preciso educar para o equilíbrio. Afinal, todo excesso, mesmo quando revestido de modernidade, é sempre um afastamento da vida real e da saúde emocional.

Vídeo:

 https://youtu.be/UXovd-533Is

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Maria Madalena: a aurora do Ressuscitado

Maria Madalena e o túmulo vazio (Centro Loyola de Fé)

MARIA MADALENA: A AURORA DO RESSUSCITADO

22/07/2025

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

Na alvorada da nova criação, quando as sombras ainda tocavam a terra, uma mulher permaneceu diante do túmulo vazio, entre lágrimas e esperança. E então, escutou uma Voz que dizia: “Maria!”. Como se o universo tivesse parado, ela voltou-se e exclamou: “Rabunni!” — Mestre! Não foi uma palavra qualquer. Foi o grito de uma alma que reencontra sua origem, de um coração que reconhece o Amor frente a morte vencida. 

Maria Madalena, aquela que amou até o fim, foi a primeira a contemplar o Ressuscitado. Antes de Pedro, antes de João, antes de todos esses gigantes da Igreja. A ela foi confiado o anúncio do impossível tornado real: “Vai, dize aos meus irmãos…”. E assim, a primeira palavra da ressurreição brotou dos lábios de uma mulher marcada pela graça, encharcada de lágrimas e coragem. Por isso, com justiça e verdade, é chamada Apóstola dos Apóstolos

No entanto, a memória escrita mais antiga da ressurreição, na enumeração paulina das aparições (1Cor 15,5-6), não faz menção a ela. Pedro é lembrado, os Doze, os quinhentos irmãos. Maria Madalena, não. A ausência pesa como pedra. Mas as pedras também rolam, como naquela manhã em Jerusalém. 

Pois a tradição mais próxima dos fatos não a silencia. Marcos, o primeiro dos evangelistas, escreveu que “na madrugada do primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiro a Maria Madalena” (Mc 16,9). E a enviou. Mateus confirma: “Não tenhais medo. Ide dizer a meus irmãos…” (Mt 28,10). Lucas, com sobriedade, diz que foram “Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago” (Lc 24,10) que levaram aos apóstolos a notícia que mudou o mundo. 

Mas é João, o discípulo do coração, quem nos dá o retrato mais íntimo e poético: Maria no jardim, diante do túmulo, confundindo o Ressuscitado com o jardineiro, até que Ele a chame pelo nome. O nome pronunciado com ternura única, como só o Amor eterno sabe chamar. “Maria!” — e ali ela viu não apenas o Mestre, mas Aquele que a conhecia por inteiro. 

O mistério pascal se revela, primeiro, àquela que foi esquecida por um escriba e lembrada por Deus. As dúvidas dissolvem-se. Pois só quem nos conhece por dentro é capaz de nos chamar pelo nome com verdade e ternura. 

Hoje, na Igreja, Maria Madalena figura em todas as listas evangélicas como a primeira entre as mulheres. Aquela que, em silêncio fiel, permaneceu aos pés da cruz, foi também a primeira mensageira da vitória. Sua voz rompeu o silêncio da morte, não com palavras, mas com o testemunho do coração que viu e acreditou. 

Ao celebrarmos sua festa em 22 de julho, graças à sensibilidade de um grande homem do nosso tempo, o Papa Francisco, que, com o coração de pastor e o olhar de profeta, mais que ninguém, neste nosso século, amou as mulheres e reconheceu nelas o papel preponderante no caminho de ser e fazer discípulos. 

Num mundo que flerta com a misoginia, Francisco ousou escutá-las. Como Jesus escutou Maria. Como Deus sempre escuta os que amam. 

Maria Madalena, mulher redimida e corajosa, amante do Cristo vivo, em ti vemos resplandecer a luz de um mundo novo. Tu és a estrela da manhã da Ressurreição. E o amor que te fez correr ao sepulcro é o mesmo que, um dia, também nos fará reconhecer nosso nome na voz de Deus. 

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

A Esperança dá sentido à realidade presente

Foto/Crédito: Vatican News.

“Fé, a esperança e caridade são três irmãs que caminham de mãos dadas: as duas grandes ladeando a menina no centro. E todos sabem bem quem é a menina", escreve o cardeal Raniero Cantalamessa em seu livro “Fé, esperança e caridade – as três graças do Cristianismo”.

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

No livro Fé, esperança e caridade – as três graças do Cristianismo, o cardeal Raniero Cantalamessa, apresenta uma reflexão profunda sobre as três virtudes teologais, fundamentais à vida cristã. Com linguagem acessível e espiritualidade enraizada na tradição bíblica e patrística, Cantalamessa mostra como a fé orienta o relacionamento com Deus, a esperança sustenta o crente nas provações e a caridade traduz o amor divino em ação concreta. A obra convida à vivência autêntica do Evangelho, destacando essas virtudes como caminhos para a santidade e a transformação pessoal.

Inspirado nesta obra, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão "A Esperança dá sentido à realidade presente":

"Novo livro do cardeal Raniero Cantalamessa, ex-pregador da Casa Pontifícia, intitulado “Fé, esperança e caridade – as três graças do Cristianismo”, foi editado no Brasil pela editora Paulus. Aborda, num segundo grande capítulo, a virtude da esperança, tema no Ano Santo Jubilar, que nos é propício aprofundar.

Jesus em sua pregação proclamou a esperança da Vida Eterna, afirmando vigorosamente a ressurreição dos mortos. Diante da controvérsia dos saduceus, colocando a Jesus um caso hipotético de um homem que teria sete mulheres e todas morreram, qual delas o teriam na eternidade como marido. Jesus responde que na eternidade seremos como anjos e proclama o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó e conclui que “Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, porque para Deus todos vivem”. Cristo não só ressuscita a filha de Jairo, o filho da mulher de Naim, e Lázaro. A prova irrefutável que Ele é Senhor dos vivos é que Ele mesmo ressuscita. Por isso, nossa esperança não é só para esta vida, mas para a que virá depois de nossa morte.

Crer na Vida Eterna muda nossa existência e vida cotidiana. É preciso voltar à nossa realidade presente, quando afirmamos crer na Vida Eterna. Voltemos ao hoje de nossa vida, ao exercício da virtude teologal da esperança que é aquilo que mais nos interessa. É tempo de, sobre este ponto, a passagem do antigo ao Novo testamento, ocorrida historicamente a dois mil anos, ocorrer existencialmente hoje em cada um de nós mostrando que a revelação da vida eterna também muda a vida de um crente aqui na terra. 

Cantalamessa conta nesse livro que um ateu contou uma experiência pessoal. ”Assistia, por dever de representação a um funeral cristão. A certa altura, o oficiante pronunciou, em tom solene, essas palavras: "esse irmão ressuscitará; todos nós um dia ressuscitaremos". Ele olhou em volta: nenhum dos presentes pestanejou ou deu sinal de alguma emoção. Disse para si: "se eu pudesse acreditar no que essa gente diz acreditar, penso que começaria a dar saltos de alegria e a gritar: Urrá! Urrá! Não digo que se possa sempre dar saltos de alegria (estamos na fé, não na visão), mas deveria ser possível perceber que a fé na vida eterna muda algo em nossa vida, nós que acreditamos: em nossas palavras, em nosso próprio olhar. O apóstolo Pedro sugere duas coisas com as quais dar razão da esperança: doçura e respeito (1Pd 3,15-16). Aquele para quem a vida eterna é algo mais do que uma simples crença, diante de qualquer dificuldade contradição, repete para si com São Bernardo e Santo Inácio de Loyola: “Quid hoc ad aeternitatem? (o que é isso diante da eternidade?)” .

Se perguntamos o que é a esperança, se a tua mente por ela é adornada e de onde ela vem, na da mais pura escolástica, poderia se responder assim: “Esperança é uma espera certa da glória futura, a qual produz Graça Divina e mérito precedente”.

As virtudes teologais são tratadas por dois grandes poetas: Dante Alighieri e Charles Péguy. No discurso de Peguy sobre as virtudes teologais, se parte de um exame. O interrogatório não se realiza no céu, mas na terra. O examinador não é um apóstolo, mas um pobre pároco de aldeia. O examinado é um criança, talvez da catequese da confirmação. Primeiramente o simples sacerdote pergunta: Quais as três virtudes teologais? A criança responde: fé, esperança e caridade. O Pároco humilde pergunta: porque são chamadas de virtudes teologais? A criança responde: Porque essas três virtudes se referem diretamente a Deus! E o sacerdote pergunta: “O que é a esperança?”. O catequizando responde: “A esperança é uma virtude sobrenatural pelo qual esperamos de Deus, com confiança, a sua graça nesse mundo e a glória eterna no outro”.

A esperança não é apenas uma meta futura, mas um motor propulsor no presente, que transforma nosso modo de viver e proceder. Quem não pensa no amanhã, não vive bem no dia de hoje. Quem não coloca seu coração na eternidade, não valoriza o tempo presente. Vive de qualquer jeito, deixa as coisas como estão, sem compromisso de eternidade.

Cantalamessa escreve assim: “Fé, a esperança e caridade são três irmãs que caminham de mãos dadas: as duas grandes ladeando a menina no centro. E todos sabem bem quem é a menina. Todos, ao vê-las, pensam que são as duas maiores que puxam a pequena pela mão. Estão equivocados! É ela, a pequena, que puxa tudo. Se a esperança parar, tudo para! Não creio que restam muitas dúvidas sobre qual das três virtudes teologais o poeta ama mais. A verdadeira grande tentação para ele é contra a esperança, concordando nisso com a teologia clássica que considera “o desespero o pecado mais grave de todos”, segundo afirma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica".

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

domingo, 27 de julho de 2025

4 maneiras pelas quais Deus foi dramaturgo muito antes de “Cristo, o Contador de Histórias”

Monkey Business Images | Shutterstock

Tom Hoopes - publicado em 25/07/25

Deus conta histórias desde a fundação do mundo. É por isso que o ser humano é um “animal contador de histórias”.

Sempre me fascinou um aspecto de Deus que costumamos esquecer: Deus é um dramaturgo.

O Dr. Andrew Swafford, teólogo do Benedictine College, em Atchison, Kansas, onde trabalho, acaba de lançar uma série de vídeos sobre as parábolas de Cristo, chamada “Cristo, o Contador de Histórias”.

É um ótimo lembrete de que nosso Deus é um Deus contador de histórias, e nós, que fomos criados à sua imagem, também somos contadores de histórias.

Primeiro: As histórias que contamos moldam quem somos.

O falecido filósofo Alasdair McIntyre dizia: “O homem é um animal contador de histórias” e acrescentava: “Só posso responder à pergunta ‘o que devo fazer?’ se puder responder antes à pergunta ‘de que história ou histórias eu faço parte?’”

Ele quer dizer que, se eu conto minha história como “um marido e pai, em jornada para o céu”, eu me comportarei de forma diferente do que se visse minha história como “eu, eu mesmo, pegando o que puder antes que tudo acabe.”

Somos feitos para as histórias, segundo McIntyre. “Privar as crianças das histórias é deixá-las sem roteiro, gaguejantes em suas ações, assim como em suas palavras”, ele diz. “Não há como compreender nenhuma sociedade, inclusive a nossa, sem conhecer o seu acervo de histórias.”

As histórias não apenas me dizem o que devo fazer, elas me dizem quem eu sou.

Segundo: Somos assim porque Deus foi assim primeiro.

Como expressa uma antiga analogia: o Pai pronuncia a Palavra, que é o Filho, com seu Sopro, que é o Espírito Santo. Isso faz de toda a criação uma história. De fato, no Credo de cada domingo, professamos que Deus é “Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra”, mas não sem o Filho, pois “por Ele todas as coisas foram feitas”, juntamente com o Espírito Santo, “o Senhor que dá a vida.”

No domingo da Santíssima Trindade, Jesus explicou como funciona essa narrativa eterna, dizendo: “Ainda tenho muitas coisas para vos dizer”, mas insistindo que não falaria mais; em vez disso, o Espírito Santo “vos dirá tudo o que tiver ouvido” do Pai, porque “tudo o que o Pai tem é meu.”

Assim, Deus conta a história das Escrituras.

Mas terceiro: Deus escreveu outro livro além das Escrituras: o Livro da Natureza.

Como aponta o teólogo Matthew Ramage, os “dois livros” de Deus são um tema favorito da tradição cristã, desde os Padres da Igreja até o Papa Bento XVI, que disse:

“A imagem da natureza como um livro tem raízes no cristianismo e foi muito apreciada por muitos cientistas. Galileu via a natureza como um livro cujo autor é Deus, da mesma forma que a Escritura tem Deus como autor. É um livro cuja história, cuja evolução, cuja ‘escrita’ e significado nós ‘lemos’ segundo as diferentes abordagens das ciências.”

Quem já ouviu o podcast “A Bíblia em um Ano” viu como funciona um dos livros de Deus. A partir das vidas escandalosamente pecadoras de pessoas comuns, Deus constrói uma narrativa que aponta para Ele. Seu outro livro funciona da mesma maneira.

Quarto: O Livro da Natureza, como a Bíblia, é uma história bagunçada, mas que no fim se orienta para Deus.

Chris Baglow, da Universidade de Notre Dame, diz que a ciência revela que o desenvolvimento do universo é “uma história com sentido — um drama.”

Para ter uma boa história, segundo ele, você precisa de um princípio de ordem subjacente, tempo suficiente para o drama se desenrolar — e então um elemento de novidade ou surpresa.

Temos tudo isso no universo: leis naturais que funcionam com ordem infalível, mas coisas surpreendentes acontecem: asteroides colidem com planetas, alterando seus climas; a vida surge em um lugar e não em outro; animais se adaptam de formas inesperadas; certos mamíferos desenvolvem escamas enquanto outros desenvolvem nadadeiras; e então acontece a coisa mais surpreendente de todas: animais humanos começam a contar suas próprias histórias.

Para ver uma grande representação da “história científica” da criação, assista ao filme “A Árvore da Vida”, de Terrence Malick. Aos 19 minutos e 30 segundos, uma mãe enlutada pergunta a Deus: “Senhor, por quê? Onde estavas?” e o filme responde com uma bela representação da resposta de Deus no livro de Jó.

Quinto: E essa é a história de fundo das parábolas que Jesus conta.

Ao contar a história de “Cristo, o Contador de Histórias”, Swafford se baseia em seu trabalho como um dos autores do livro da Ascension “Um Guia Católico do Novo Testamento.”

O livro descreve como Cristo foi um mestre extraordinário de muitas formas, mas acrescenta: “Para Jesus, contar histórias era sua técnica favorita.”

Assim como os alunos lembram mais das histórias dos professores do que das lições, Jesus sabia que suas parábolas causariam um impacto profundo nas pessoas.

Isso porque elas vêm da própria essência do ser e do coração da natureza. São histórias sobre sementes e semeadores, vinhedos e donos de vinhedos, vida vegetal e vida humana.

Em outras palavras, são ecos da história que Deus vem contando desde a fundação do mundo.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/07/25/4-maneiras-pelas-quais-deus-foi-dramaturgo-muito-antes-de-cristo-o-contador-de-historias/

Antonio Cardoso na Canção e a Prece: "Pai Nosso"

Jesus Cristo (Vatican News)

O cantor, compositor e catequista está presente no Programa Brasileiro da Rádio Vaticano todos os domingos com o espaço especial intitulado "A Canção e a Prece". No programa de hoje: “Portanto, eu vos digo: pedi e recebereis…”

Vatican News

Jesus estava rezando num certo lugar, quando terminou um dos seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou seus discípulos”. E Jesus respondeu: “quando rezardes dizei, Pai, santificado seja o Teu nome. Venha o Teu reino. Dai-nos a cada dia o pão que precisamos, e perdoa-nos os nossos pecados pois nós também perdoamos a todos os nossos devedores, e não nos deixeis cair em tentação”. E Jesus ainda acrescentou: “e seu um de vós tiver um amigo e for procurá-lo à noite, e lhe disser, ‘amigo, empresta-me 3 pães, porque um amigo meu chegou de viagem e nada tenho para lhe oferecer’. E se o outro responder: “não me incomodes, já tranquei a porta e meus filhos estão deitados. Não posso levantar para te dar pães”. Eu vos declaro, mesmo que o outro não se levante para dá-los, porque seu amigo, vai levantar-se ao menos por causa da impertinência dele, e lhe dará o quanto for necessário. Portanto, eu vos digo: pedi e recebereis…”

A CANÇÃO "PAI NOSSO" / Adaptação musical: Luiz Chavez

Ouça:

https://media.vaticannews.va/media/audio/s1/2025/07/24/15/138747090_F138747090.mp3

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

HISTÓRIA DA IGREJA: Francisco de Assis um homem de paz formado pela liturgia (Parte 1/2)

Nestas páginas, algumas imagens do retábulo O perdão de Assis, de padre Hilário de Viterbo, 1393, conservada na abside | 30Giorni

Arquivo 30Dias nº 09 - 2005

Francisco de Assis um homem de paz formado pela liturgia

A vida de Francisco de Assis, como acontece para todo homem, sempre será, em certo sentido, um mistério. Reconhecer isso não impede de continuar a aprofundá-la, graças também aos resultados já alcançados até aqui. Justamente nessa perspectiva é que se está reconhecendo o papel importante, para não dizer fundamental, da liturgia no itinerário de Francisco.

de Pietro Messa

Não podemos deixar de reconhecer que, em certo sentido, Francisco de Assis teve um destino invejável se comparado a outros santos: declarado em 1992 pela Time Magazine um dos homens mais representativos do segundo milênio, estudado por centros de pesquisa universitários leigos e não leigos, objeto de inúmeras publicações científicas e de divulgação inerentes a sua história, com diversos filmes a ele dedicados, reconhecido como referência ideal por pessoas de diversas culturas e religiões. A tudo isso se acrescente a escolha de Assis, a cidade de São Francisco, por João Paulo II, para o histórico dia de 27 de outubro de 1986, que deu início ao chamado “espírito de Assis”, movimento inter-religioso em favor da paz; o Pontífice lá voltou ainda em 9 e 10 de janeiro de 1993 e, apesar das inúmeras reservas e da perplexidade diante da oportunidade dessa iniciativa, em 24 de janeiro de 2002, ou seja, depois dos atos terroristas de 11 de setembro de 2001.

Vemos, portanto, um São Francisco muito valorizado. E, ainda que o dia de sua festa, 4 de outubro, na Itália, não se tenha tornado festa nacional, seu nome é de certa forma sinônimo de diálogo intercultural e inter-religioso. Todavia, todos sabemos que a fronteira entre ter sucesso e ser inflacionado é muito sutil, e isso vale também para o santo de Assis.

Os estudos franciscanos avaliaram as fontes inerentes a sua experiência cristã, enquanto numerosos estudiosos continuam a tentar aperfeiçoar o conhecimento dessas fontes a fim de descobrir o rosto desse santo, superando todas as imagens hagiográficas ou manipulações ideológicas. Têm-se aprofundado os estudos sobre sua formação cultural e espiritual, reconhecendo-se nela diversas estratificações, a saber: a cultura do filho do mercador; uma ideologia cavaleiresca que o conduzia a assumir ideologicamente os trajes do cavaleiro; a cultura cortês que continuou mesmo depois de sua conversão; o elemento evangélico e até as reminiscências das antigas vidas dos Padres do deserto1. Diante desses numerosos estudos, cujo início se reconhece em Paul Sabatier, parece que hoje, a respeito do frei Francisco de Assis, filho do mercante Pedro de Bernardone, não haja mais nada a aprofundar. A imagem mais divulgada, porém, parece não apenas inflacionada, mas, por vezes, tem-se a sensação de que lhe faltem alguns aspectos importantes, quando não é vítima de alguma operação ideológica instrumentalizante. Certamente, como acontece para todo homem, também a vida de Francisco de Assis será sempre, em certo sentido, um mistério. Reconhecer isso não impede, porém, de continuar a aprofundá-la, graças também aos resultados já alcançados até aqui. Justamente nessa perspectiva vem sendo reconhecido um papel importante, para não dizer fundamental, da liturgia no itinerário de Francisco.

1. Um período de reforma litúrgica

A época em que viveu Francisco foi de grandes mudanças e transformações culturais: o desenvolvimento das comunas, o nascimento das universidades, o incentivo aos intercâmbios comerciais, o surgimento de novas exigências religiosas, que muitas vezes desembocaram na heresia, mas também em movimentos pauperistas. Todos esses aspectos normalmente são levados em consideração pelos estudiosos mais perspicazes, quando enquadram historicamente a vida de Francisco de Assis. Todavia, é quase totalmente negligenciada a consideração de que aqueles anos foram um dos momentos nevrálgicos da história da liturgia. De fato, se tomarmos um manual de história da liturgia qualquer, poderemos constatar que Inocêncio III deu início a uma reforma da liturgia da Cúria Romana cujos resultados, justamente por intermédio dos Frades Menores, se difundiram por toda a parte, a ponto de serem ainda hoje o elemento caracterizante da liturgia latina de rito romano.

No início do século XIII, em Roma, existiam fundamentalmente quatro tipos de liturgia: a da Cúria Romana, que residia no Palácio do Latrão, a da vizinha Basílica de São João, a da Basílica de São Pedro e a chamada liturgia da Urbe, ou seja, da cidade de Roma. Ino­cêncio III, em seu projeto de reforma, que viu um de seus momentos de máxima expressividade no Concílio Lateranense IV, de 1215, não excluiu a liturgia. Um dos frutos mais prestigiosos da reforma da liturgia foi o breviário. Aproximando, integrando e adequando à vida da Cúria Romana, frequentemente sujeita a transferências, textos que anteriormente eram distribuídos em livros diversos, Inocêncio III forneceu um instrumento de fácil manipulação sobretudo para aqueles que viviam viajando. Esse breviário, justamente por sua facilidade de uso, foi logo adotado também por algumas dioceses, entre as quais a de Assis. Dessa forma, Francisco e a fraternitas menorítica tiveram acesso a um livro litúrgico que cedo se revelou conforme a suas exigências de pessoas itinerantes que viviam como “estrangeiros e peregrinos”2. Assim, os Frades Menores fizeram sua a oração litúrgica e especialmente a oração da Cúria Romana, ou seja, do pontífice.

2. Não simplesmente questão de oração

Adotar um livro litúrgico ou outro não era indiferente. O papa Gregório VII já o havia compreendido anteriormente, quando via com temor uma disparidade litúrgica, porque em alguns casos conduzia não apenas a uma disparidade jurisdicional, mas também doutrinal, ou seja, à heresia. Por exemplo, adotar o breviário da Cúria Romana reformado por Inocêncio III significava acolher toda uma tradição anterior; nele, a disposição das diversas festas, a escolha de determinadas leituras, a montagem de passagens bíblicas para formar antífonas, versículos e responsórios, a presença de inúmeras leituras tanto patrísticas quanto dos antigos martirológios eram fundamentalmente o resultado da reflexão eclesial e da experiência sobretudo monástica de todo o milênio anterior. Portanto, ao fazer seu o breviário, Francisco e a fraternitas menorítica se inseriram numa história que os havia precedido e que fora transmitida ao longo dos séculos. Isso não significa que eles se sentiram ou agiram como se fossem prisioneiros daquela tradição: de fato, como anota uma fonte, Francisco não deixou de afirmar sua peculiaridade, repelindo alguns modelos a ele precedentes.

Seja como for, acolhendo a oração do breviário, eles se inseriram dentro da tradição espiritual e teológica amadurecida ao longo dos séculos na Igreja, como se pode constatar na leitura dos escritos de Francisco, nos quais as reminiscências litúrgicas são incontáveis. Essas reminiscências, que tecnicamente são definidas casos de “intertextualidade e interdiscursividade” - ou seja, citações propriamente ditas ou simples remissões conceituais-, muitas vezes são uma transmissão de textos patrísticos interiorizados pelo santo. Se isso parece surpreendente, sobretudo com relação a certa historiografia que apresentou Francisco de Assis como o Santo unicamente do Evangelho - quase uma espécie de precursor da reforma protestante -, ainda mais rico de consequências é o fato de que muitas vezes a própria Bíblia, e portanto o Evangelho, está presente em seus escritos mediada pela liturgia. Isso, naturalmente, leva a rever certas descrições da experiência espiritual de Francisco que o apresentam como alguém que teve uma relação imediata, sem mediações, com a Escritura. Em vez disso, o que fica claro a um estudo mais aprofundado é que ele conheceu a Escritura mediante a liturgia, ou seja, graças à mediação da Igreja. E a liturgia é ela mesma uma explicação da Escritura, ou seja, uma exegese: de fato, mesmo simplesmente a colocação de uma determinada leitura numa festa em vez de outra já diz muito sobre a chave de leitura e, portanto, sobre a compreensão daquele determinado trecho. Assim, a leitura do capítulo 11 de Isaías, no qual se fala do rebento que desponta do tronco de Jessé no Comum da Virgem Maria já é em si mesma uma perspectiva mariana dada àquele determinado trecho, notavelmente aumentada, se, ainda por cima, no lugar de virga, ou seja, rebento - como deveria ser - está virgo, ou seja, Virgem, como se mostra no breviário que pertenceu a São Francisco de Assis: “Despontará a Virgem do tronco de Jessé, um rebento germinará de suas raízes, sobre ele pousará o espírito do Senhor”3.

Notas

1 J. Dalarun, Francesco: un passaggio. Donna e donne negli scritti e nelle leggende di Francesco d’Assisi, posfácio de G. Miccoli, Roma, 1994.
2 P. Messa, “Un testimone dell’evoluzione liturgica della fraternitas francescana primitiva: il Breviarium sancti Francisci”, in: Revirescunt Chartae, codices documenta textus: miscellanea in honorem fr. Caesaris Cenci, OFM, vol. I, Roma, Ed. A. Cacciotti-P. Sella, 2002, pp. 5-141.
3 P. Messa, “L’Officium mortuorum e l’Officium beate Marie virginis nel Breviarium sancti Francisci”, in: Franciscana. Bollettino della Società internazionale di studi francescani, 4 (2002), pp. 111-149.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Reflexão para o 17º Domingo do Tempo Comum (C)

Jesus Cristo (Vatican News)

É preciso confiar em Deus, reconhecê-lo como Pai e Pai querido.

Vatican News

A leitura do Gênesis falando da intercessão que Abraão faz a Deus pelos seus conterrâneos, serve para nós como incentivo para uma oração bem feita.

Abraão dialoga com Deus, suplica, apresenta suas razões, escuta, volta a falar, enfim são dois amigos conversando através de um diálogo espontâneo e sincero.

No Evangelho, os discípulos pedem a Jesus que os ensine a rezar.

Jesus começa dizendo que quando quiserem rezar, deverão se dirigir a Deus chamando-O de Pai, pois Ele é o nosso querido Pai. Jesus dá um passo gigantesco em relação a Abraão. Se esse já demonstrava confiança e intimidade, Jesus recomenda o posicionamento de filho que conversa com o Pai querido.

Simultaneamente demonstramos que de fato somos seus filhos quando pedimos que o seu Reino, ou seja, os seus planos, seus projetos, também sejam nossos, sejam realizados. Estamos comprometidos com a realização da nova sociedade.

Ao mesmo tempo nos ensina que somos irmãos, por isso o pedido do pão para cada dia, feito também na primeira pessoa do plural, no nós,  significando que assumimos como nossas, as necessidades dos demais, seja de alimento, de moradia, de saúde, de educação, de emprego, de justiça.

Nossa filiação se torna mais autêntica quando pedimos para que perdoe as nossas ofensas do mesmo modo que perdoamos aos que nos ofenderam. “Filho de peixe, peixinho é”, diz um ditado! Filho de um misericordioso, também é misericordioso! Filho de um Deus perdão, também perdoa!

Abraão foi muito humilde em sua oração. Jesus também nos indica a humildade quando nos orienta pedir ao Pai que não nos deixe cair em tentação. Se Deus não nos ajudar, nada conseguiremos, somos fracos, somos pó.

Finalmente o ensinamento de Jesus termina com o resultado de nossa oração, com a certeza de quem pede, recebe: quem procura, encontra;  para quem bate, se abrirá. Pedi e recebereis!

É preciso confiar em Deus, reconhecê-lo como Pai e Pai querido.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Formação da personalidade (3): O correto amor a nós mesmos (Parte 2/2)

Foto/Crédito: Opus Dei

Formação da personalidade (3): O correto amor a nós mesmos

O autoconhecimento, com virtudes e defeitos, me faz feliz?

13/07/2021

Aceitação pessoal: o Senhor nos ama assim

Ao considerar o nosso modo de ser à luz de Deus, estamos em condições de nos aceitarmos como somos: com talentos e virtudes, mas também com defeitos que admitimos humildemente. A verdadeira autoestima implica reconhecer que nem todos são iguais e aceitar que outras pessoas podem ser mais inteligentes, tocar melhor um instrumento musical, ser mais atléticas... Todos temos boas qualidades que podemos desenvolver e, o que é mais importante, todos somos filhos de Deus. Nisso consiste a genuína autoaceitação, o sentido positivo do amor próprio do cristão que quer servir a Deus e aos outros, rejeitando as comparações excessivas que poderiam nos levar à tristeza.

Também nos aceitaremos como somos se não perdemos de vista que Deus nos ama com as nossas limitações, que fazem parte do nosso caminho de santificação e são matéria da nossa luta. O Senhor nos escolhe, como os primeiros Doze: homens comuns, com defeitos, com fraquezas, com a palavra mais fácil que as obras. E, entretanto, Jesus chama-os para fazer deles pescadores de homens, corredentores, administradores da graça de Deus[5].

Diante dos sucessos e dos fracassos

Com base nessa perspectiva sobrenatural, contemplam-se com maior profundidade o nosso modo de ser e a nossa trajetória biográfica, compreendendo todo o seu sentido. Relativizamos, com uma visão de eternidade, os sucessos e as conquistas temporais. Então, se nos alegramos com o sucesso na nossa atividade, sabemos também que o mais importante é que esta tenha servido para crescer em santidade. É o realismo cristão, maturidade humana e sobrenatural, que, do mesmo modo que não se deixa levar pela exaltação, que pode provocar o triunfo ou elogios, não se deixa levar pelo pessimismo diante de uma derrota. Como ajuda dizer, como São Pedro, que fizemos o bem em nome de Jesus Cristo Nazareno![6]

Ao mesmo tempo, admitir que as dificuldades externas e as próprias imperfeições limitam as nossas conquistas é um dos aspectos que dá forma à nossa autoestima, fundamenta a maturidade pessoal e abre as portas do aprendizado. Só podemos aprender com o reconhecimento das nossas carências e com a atitude de extrair experiências positivas do que aconteceu. Fracassaste! – Nós nunca fracassamos. – Puseste por completo a tua confiança em Deus. Não omitiste, depois, nenhum meio humano. Convence-te desta verdade: o teu êxito – agora e nisto – era fracassar. – Dá graças ao Senhor e... torna a começar![7]. Estamos em condições de empreender o caminho da Cruz, que mostra os paradoxos da fortaleza da fraqueza, a grandeza da miséria e o crescimento na humilhação, e ensina sua extraordinária eficácia.

Trabalhar com segurança e saber retificar

A segurança pessoal é mais firme quando nos apoiamos em saber-nos filhos amados de Deus, e não na certeza obter o sucesso, que muitas vezes foge de nós. Essa convicção permite tolerar o risco que acompanha qualquer decisão, superar a paralisia da insegurança e ter uma atitude de abertura à novidade. Não é prudente quem nunca se engana, mas quem sabe retificar os seus erros. Esse é prudente porque prefere não acertar vinte vezes a deixar-se levar por um cômodo abstencionismo. Não atua com tresloucada precipitação ou com absurda temeridade, mas assume o risco das suas decisões e não renuncia a conseguir o bem por medo de não acertar[8].

Partindo das limitações pessoais e da capacidade de aprender do ser humano, retificar supõe uma melhoria, um enriquecimento pessoal que, por sua vez, reverte nas coisas e pessoas que nos rodeiam, contribuindo simultaneamente a aumentar a confiança em nós mesmos e no ambiente em que vivemos. Quem se põe nas mãos do Pai celestial está seguro, pois todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus[9], inclusive as quedas, quando pedimos perdão ao Senhor e, com a sua graça, nos levantamos com mais humildade. Deste modo, saber retificar faz parte do processo de conversão: Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se reconhecemos os nossos pecados, (Deus aí está) fiel e justo para nos perdoar os pecados e para nos purificar de toda iniquidade[10].

Uma virtude indispensável

A autoestima cresce, em síntese, com a ajuda da humildade, porque é a virtude que nos ajuda a conhecer simultaneamente a nossa miséria e a nossa grandeza[11]. Quando falta essa atitude da alma, não é raro que apareçam problemas de estima pessoal. Mas quando se cultiva, a pessoa se enche de realismo, e se avalia de modo certo: não somos homens nem mulheres impecáveis, mas também não somos seres corrompidos! Somos filhos de Deus, e, acima das nossas limitações, temos uma dignidade inesperada.

A humildade gera um ambiente interior que permite conhecer-nos como somos e nos impulsiona a procurar sinceramente o apoio dos outros, ao mesmo tempo que os damos o nosso. Em última análise, todos e cada um de nós necessitamos de Deus, em quem vivemos, nos movemos e existimos[12], que é Pai misericordioso e vela continuamente por nós. Quanta segurança e confiança existiram na vida de Santa Maria! Ela pôde dizer realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo[13] por ser muito consciente da sua humildade de escrava de Deus[14]. Nela, humildade e consciência da grandeza da própria vocação se conjugam maravilhosamente.

J. Cavanyes


[5] É Cristo que passa, n. 2.

[6] At 3,6.

[7] Caminho, n. 404.

[8] Amigos de Deus, n. 88.

[9] Rm 8,28.

[10] 1 Jo 1,8-9.

[11] Amigos de Deus, n. 94.

[12] At 17,28.

[13] Lc 1, 49.

[14] Lc 1, 48.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/o-bom-amor-proprio/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF