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quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Para um feminismo cristão: reflexões sobre a Carta Apostólica “Mulieris Dignitatem” (Parte 3/3)

Para um feminismo cristão (Crédito: Opus Dei)

Para um feminismo cristão: reflexões sobre a Carta Apostólica “Mulieris Dignitatem”

Estudo de Jutta Burggraf, Doutora em Sagrada Teologia e em Pedagogia, publicado em “Romana”, nº 7 (1988).

14/08/2020

5. Maternidade física e maternidade espiritual

A unidade e a igualdade do homem e da mulher não anulam, no entanto, a diversidade. Tendo insistido até aqui na radical paridade dos dois sexos, o Santo Padre busca, na segunda parte da Carta Apostólica, as dimensões específicas. A especificidade não está, sem dúvida, na qualidade ou nos dotes humanos que caracterizam a um ou a outro. Com efeito, segundo dados estatísticos, a maior ou menor frequência com que os diversos talentos aparecem nos homens ou nas mulheres não nos diz nada acerca das pessoas concretas. Nenhum indivíduo é determinado somente pelo sexo: além de ser homem ou mulher, possui disposições e aptidões próprias que lhe conferem individualmente condições para a atividade artística, técnica, científica, social, etc.

A especificidade é, pois, bem mais radical e consiste na maternidade ou na paternidade (cfr. MD, 17). O Papa fala longamente sobre a maternidade como dimensão da vocação da mulher (cfr. MD, 18), que implica desde o início uma especial abertura à concepção ou ao nascimento. Dessa forma, a mulher se realiza admiravelmente mediante um “dom sincero de si” (MD, 18).

O homem, mesmo sendo pai, encontra-se necessariamente fora do processo da gestação e do nascimento. A sua contribuição para a paternidade comum é, inicialmente menos comprometida com relação à da mulher: daí as obrigações especiais que surgem para ele com relação à sua mulher. João Paulo II afirma que o marido é devedor de sua esposa e recorda que “nenhum programa de igualdade de direitos das mulheres e dos homens é válido se isto não é tido em conta de modo essencial” (MD, 18). A sensibilidade de cada um deverá prever como tais deveres serão efetivados, mas não parece fora de lugar prever uma colaboração do homem nas tarefas domésticas, como por outro lado a mulher colabora no sustento econômico da família.

A maternidade não é apenas um processo fisiológico. É sobretudo um acontecimento que envolve o ser da mulher em sua mais íntima raiz e corresponde à inteira estrutura psicofísica da feminilidade. O documento pontifício conclui por isso que o “modo único de contato com o novo homem que está se formando, cria, por sua vez uma atitude para com o homem – não só para com o próprio filho, mas para com o homem em geral – tal que caracteriza profundamente toda a personalidade da mulher” (MD, 18). A antropologia filosófica[14] e as ciências experimentais recentes confirmam, por exemplo, que a mulher oferece uma contribuição mais concretamente humana às relações interpessoais: ela possui uma capacidade toda sua de descobrir o indivíduo na massa e de promovê-lo como tal. “Deus – afirma João Paulo II – lhe confia de uma maneira especial o homem, o ser humano” (MD, 30). Subtrair o indivíduo do anonimato da sociedade massificada, salvá-lo da fria tirania das tecnologias, protegê-lo em um contexto de relações pessoais, tudo isto é missão e conquista da mulher[15].

Isto não significa, no entanto, que as mulheres criem um mundo mais humano só com a sua presença e mais do que os homens. A nossa sociedade só poderá mudar se ambos os sexos souberem acolher o convite do Papa para dar vida a uma nova cultura, marcada pela compreensão, o amor, o dom de si e aquela recíproca atitude de serviço que Deus inscreveu em cada um deles no princípio da criação e da redenção (MD, 18). Mas, em tudo isto a mulher tem muito a oferecer (cfr. MD, 3) e o homem, na medida em que está por natureza mais distante da vida, muito que aprender. O que adquire uma especial aplicação à paternidade no período pós-natal (MD, 18).

João Paulo II descreve a educação dos filhos como dimensão espiritual da paternidade, na qual os dois cônjuges são igualmente responsáveis. A mulher é, no entanto, de alguma forma, a “primeira educadora” dos filhos (MD, 19). Daí se deriva, entre outras coisas que, inclusive, as legítimas aspirações à emancipação parecem enganosas, se dirigidas unicamente no âmbito exterior à casa. Seguindo o Concílio Vaticano II[16], o Papa reivindica a necessidade de reconhecer o valor do empenho doméstico e educativo das mães (cfr. MD, 18). É a mãe, com efeito, que lança os alicerces da formação “de uma nova personalidade humana” com a assiduidade dos seus cuidados nos primeiros anos do desenvolvimento. Se a maternidade também mostra, no sentido biofísico, uma aparente passividade, é, no entanto, sumamente criativa do ponto de vista ético e psicológico: o homem não aprende de outra forma a amar, a perdoar, a ser fiel. Como mãe, portanto, a mulher “possui uma precedência específica sobre o homem” (MD, 19).

Ninguém poderá, pois, considerar fora de lugar, a chamada que se levanta de tantos lugares para que a mulher seja adequadamente protegida pelo legislador em sua mais necessária atividade específica e que seu compromisso na família receba o necessário reconhecimento econômico e sócio-político[17]. Emancipação vem então a significar para a mulher “possibilidade real de desenvolver plenamente as virtudes próprias; as que tem em sua singularidade e as que tem como mulher. A igualdade perante o direito, a igualdade de oportunidades em face da lei, não suprime, antes pressupõe e promove essa diversidade, que é riqueza para todos”[18].

Passando da dimensão natural à sobrenatural da educação, a tarefa da mulher pode ser delineada afirmando que, como ela (cada mulher) recebe o próprio filho de Deus (na medida em que a geração é sempre participação no ato criador), assim o filho (cada filho) existe em última instância para Deus. Neste sentido cada mulher participa de algum modo, na aliança definitiva estabelecida por Deus com Maria: porque cada mulher contribui para a temporalidade e a eternidade de seu filho. Assim, a maternidade “entendida à luz do Evangelho, não é só da carne e do sangue (...). Com efeito, são os nascidos de mães terrenas (...)que recebem do Filho de Deus o poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12)” (MD, 19).

6. A virgindade pelo Reino dos céus

Há uma segunda dimensão constitutiva do desenvolvimento da personalidade feminina que João Paulo II analisa em Mulieris Dignitatem: o celibato, a virgindade “pelo Reino dos Céus” (MD, 17). Poucas realidades cristãs chocam como esta com os costumes de uma sociedade permissiva e consumista, na qual os comportamentos ditados pela sensualidade e o egoísmo se generalizaram. Também hoje, no entanto, na virgindade “pelo Reino dos Céus”, é que se dá, de modo insubstituível a experiência vital da plenitude do amor. Como o Papa já havia feito na sede de Cracóvia[19], dedica amplo espaço em sua própria pregação para ilustrar o sentido da virgindade na consciência cristã[20] e a Mulieris Dignitatem confirma-o com especial profundidade.

A escolha do celibato também introduz o homem e a mulher no mistério esponsal da união com Cristo e a Igreja. A Carta Apostólica sublinha que a virgindade os projeta numa entrega cheia de amor a um Tu, na qual se encontra a totalidade do dom de si que caracteriza o matrimônio, mas de modo diverso: nela cada um, separadamente, põe-se em relação direta e pessoal com Cristo vivo e presente. Homem e mulher entregam-se exclusivamente a si mesmos a quem primeiro se entregou a cada ser humano, amando-o “até o fim” (cfr. Jo 13,1). A pessoa humana amada por Deus até tal extremo “entrega-se a Ele e só a Ele”[21], e o Papa esclarece: “isto não pode ser comparado com o simples celibato porque a virgindade não se restringe ao simples ‘não’, mas contém um profundo ‘sim’ na ordem esponsal: dar-se por amor de modo total e indiviso” (MD 20).

A vocação para o celibato é profundamente pessoal, concreta, única (MD 21). Nela o homem e a mulher realizam-se plenamente como pessoas: a feminilidade e a masculinidade entram plenamente, com todas as suas qualidades e fraquezas, em relação com Cristo, e se abrem possibilidades e perspectivas novas. Na plena comunhão do eu com o Tu divino, o coração humano é cumulado pela superabundância do amor, que se dá até abraçar a humanidade inteira. A mulher que renunciou à maternidade física poderá compreender mais rapidamente às exigências da maternidade espiritual, já que também esta pertence à sua interioridade mais profunda (cfr. MD, 21). Como uma mãe ama em primeiro lugar o marido e os próprios filhos, assim a mulher que se deu inteiramente a Deus na virgindade, torna-se capaz de oferecer a própria vida por todos. O grau de tal entrega depende da profundidade vital de sua união com Cristo. E se consuma também no dirigir-se espontaneamente aos mais fracos, aos indefesos, aos inocentes, e aos culpados, abandonados por uma sociedade cada vez mais competitiva. Neste contexto, João Paulo II recorda os grandes méritos históricos das ordens femininas, que se distinguiram pela aceitação da maternidade espiritual a favor dos marginalizados (cfr. MD, 21): exemplos eloquentes de como, dando-se aos outros, por amor a Cristo, a mulher alcança uma realização frequentemente heroica da própria vocação e oferece um testemunho vivo de papel insubstituível da feminilidade. O celibato pelo Reino dos Céus põe-se assim em estreita relação com a fecundidade do matrimônio: “Existem, por conseguinte, muitas razões para ver nestes dois caminhos diversos – duas vocações diversas de vida da mulher – uma profunda complementaridade e até uma profunda união no interior do ser da pessoa” (MD, 22).

7. A Igreja, Esposa de Cristo

Mulieris Dignitatem apresenta amplamente a missão eclesial da mulher, tendo em conta que a Igreja não é uma sociedade como as outras, mas um mistério cuja mais profunda compreensão excede as possibilidades humanas.

A Igreja é termo feminino, também consolidado entre outras coisas pela célebre analogia paulina que faz dela a Esposa de Cristo (cfr. Ef 5,23-32). Como sujeito coletivo, compreende obviamente homens e mulheres de modo que o feminino surge aqui como “símbolo do humano” (MD, 25). Não é o homem com seu espírito ativista, mas a mulher com sua abertura à vida, que representa em seu próprio ser a natureza da Igreja: acolhida do homem por parte de Deus e comunhão íntima com Cristo.

E o sacerdócio? A resposta do Santo Padre não dá lugar a nenhum possível equívoco a este propósito. Pode-se deduzir então que não tem sentido fazer depender a questão da dignidade da mulher do sim ou do não a seu acesso ao sacerdócio ministerial[22]. É sabido que alguns setores da opinião pública, sensibilizados pela emancipação da mulher e pela igualdade de direitos entre os dois sexos, entenderam como uma espécie de discriminação o fato de que, na tradição católica, o sacerdócio ministerial seja reservado aos homens. João Paulo II, fazendo-se eco da declaração Inter insigniores da Congregação para a Doutrina da Fé (1976), argumenta fundamentando-se na conduta mantida a este respeito pelo próprio Cristo: mesmo tendo-se oposto radicalmente, até desafiar a prática social dominante, e seus propugnadores, a qualquer discriminação contra a mulher, ordenou sacerdotes somente os homens e o fez “com a mesma liberdade com que, em todo o seu comportamento, pôs em destaque a dignidade e a vocação da mulher, sem se conformar ao costume dominante e à tradição sancionada também pela legislação do tempo” (MD, 26). Os Apóstolos atuaram atendo-se ao exemplo do Mestre e a Igreja sempre sentiu o dever de seguir fielmente o que Cristo e a comunidade apostólica fizeram. O cristianismo, com efeito, é, em muitos sentidos, uma comunidade histórica[23]: as atuações de Cristo não representam apenas um ponto de partida, mas têm um conteúdo normativo, que define para sempre os seus traços fundamentais.

Poder-se-ia inclusive imaginar um eventual modo de atuar diferente de Cristo, e talvez isto não estivesse em contraste com o resto da economia sacramental nem com a forma global da redenção. Mas é inegável que, de fato, o plano de Deus seguiu seu caminho, muito distinto e bem determinado. Esse plano revelou-se num momento concreto da história e em circunstâncias específicas, mas o seu caráter é permanente[24]. A razão pela qual a mulher não pode receber a ordenação sacerdotal não deriva pois, da racionalidade humana, porque ascende a uma dimensão infinitamente mais profunda que só pode ser explicada e aceita pela fé.

A referência do sacerdócio ao homem acha-se enraizada no próprio centro da substância do ministério da Igreja. Quando o sacerdote exerce o ministério, não atua em nome próprio, mas in persona Christi. Em sua natureza de homem, representa Cristo, Esposo da Igreja como autor da graça (cfr. MD, 26). O que não implica que sejam proibidas à mulher funções relevantes na Igreja, como esclareceu o Concílio Vaticano II, por exemplo, no n.9 do decreto Apostolicam actuositatem: “Posto que além disso, em nossos dias as mulheres tomam parte cada vez mais ativa em toda a vida social, é de grande importância que ela participe cada vez mais amplamente nos vários campos de apostolado da Igreja”. Por outro lado, a doutrina do sacerdócio comum dos fiéis mostra que na Igreja não se dá uma discriminação da mulher com relação ao homem, mas antes uma complementaridade de funções e condições (cfr. MD, 27).

8. A dignidade da mulher e a ordem do amor

A necessidade do sacerdócio ministerial ou hierárquico e a sua excelsa dignidade estão evidentemente fora de discussão, o que não representa, no entanto, o ápice da Igreja de Deus. João Paulo II detém-se em outra hierarquia, que transcende infinitamente a primeira em importância: a hierarquia da santidade que, apesar de escondida a nossos olhos, possui uma eficácia histórica superior a qualquer avaliação (cfr. MD, 27). Neste contexto, o Santo Padre examina a dimensão mariana e apostólica – petrina -- da Igreja, explicando que o exemplo de santidade provém de Maria para todos os cristãos, antes e mais do que dos Apóstolos. Nela, Virgem e Mãe ao mesmo tempo, (MD, 17) a Igreja adquiriu já a própria plenitude. E, já que Ela é modelo também dos Apóstolos, segue-se que todos os sacerdotes devem recorrer à escola de Maria: uma mulher que não foi investida da ordem sacerdotal, mas que justamente veneramos como Mãe da Igreja (cfr. MD, 27).

Maria supera e precede todos os cristãos no caminho da santidade. É o modelo da perfeita semelhança com Deus que, na vida intratrinitária como no mistério salvífico, revelou-se como Amor que se entrega a si mesmo (cfr. MD, 29). Nela, a mulher compreende que “não pode se encontrar a si mesma senão doando amor aos outros” (MD, 30). E isto vale para qualquer criatura humana[25]. O aprofundamento de tal missão leva o Santo Padre a voltar, na conclusão do documento, ao ideal cristão de serviço. A moral ensinada por Jesus implica uma mudança completa do valor mundano do poder ao da humildade, que está, na verdade, muito mais em consonância com as exigências fundamentais da natureza humana. Só quem ama, homem ou mulher, pode notar a existência dos outros e ajudar efetivamente; só quem ama pode aliviar os sofrimentos. O amor torna sensível e forte, humilde e seguro, livre e obediente ao mesmo tempo; e faz assumir a responsabilidade para um futuro mais humano.

A visão do Apocalipse culmina com a aparição de Maria, vencedora na luta contra o mal, na qual o Santo Padre vê o cumprimento definitivo da dignidade e da vocação da mulher (cfr. MD, 30). No combate contra o pecado, que se propõe como luta pelo ser humano e pela sua realização definitiva em Deus, a mulher é chamada a construir a civilização do amor com a sua força espiritual e moral.

Jutta Burggraf


[14] Cfr. G. VON LE FORT, Die ewige Frau, 14ªed. München 1950.

[15] Já na Encíclica Redemptor Mater, n. 46, João Paulo II havia tirado da contemplação da figura de Maria estas qualidades como especificamente femininas.

[16] Cfr. CONCÍLIO VATICANO II, Const. Past. Gaudium et Spes, n. 52; JOÃO PAULO II, Exhort apost. Familiaris consortio, 22-XI-1981, n.23.

[17] Cfr JOÃO PAULO II, Litt. enc. Laboren exercens, 14-IX-1981, n. 19.

[18] Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, cit. N. 87.

[19] Cfr. K. WOJTYLA, Liebe und Verantwortung ???.

[20] JOÃO PAULO II, Die Erlösung des Leibes. Katechesen 1981-1984, Vallendar 1985.

[21] Cfr. K WOJTYLA, Liebe und Verantwortung, cit, p. 21.

[22] J. RATZINGER, La donna, custode dell’essere umano, em “L’Osservatore Romano, 6-X-1988.

[23] Cfr. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Decl. Inter Insigniores, 15-X-1976, n. 4: AAS 69 (1976) 98 – 116.

[24] Cfr. J. RATZINGER, Das Priestertum des Mannes: ein Verstoss gegen die Rechte der Frau? Em “Die Sendung der Frau in der Kirche” Kevelaer 1978, p. 88.

[25] Cfr. CONCÍLIO VATICANO II, Const. Past. Gaudium et Spes, n. 24; JOÃO PAULO II, Exhort. apost. Familiaris Consortio, n.22.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/para-um-feminismo-cristao-reflexoes-sobre-a-carta-apostolica-mulieris-dignitatem/

O Papa: saiamos das polarizações, construamos pontes na Igreja e no mundo

Papa Leão XIV (Vatican News)

Publicado o livro León XIV: cidadão do mundo, missionário do século XXI com o texto integral da entrevista concedida pelo Pontífice à jornalista de Crux, Elise Ann Allen. Entre os temas abordados: o drama de Gaza, a política sobre a China, o papel das mulheres, a acolhida às pessoas LGBT+, os abusos, a situação financeira da Santa Sé, IA e fake news.

Salvatore Cernuzio – Vatican News

Como Papa, papel no qual busca "construir pontes" e "não alimentar ainda mais a polarização" no mundo e na Igreja, ele denuncia a situação "terrível" em Gaza, à qual "não podemos nos tornar insensíveis", e afirma que a Santa Sé "não considera", neste momento, que "qualquer declaração possa ser feita" sobre a definição de genocídio. Em seguida, assegura que não deseja interferir na política de seu país natal, os Estados Unidos, mas que "não tem medo" de levantar questões, mesmo com o presidente Trump, sobre questões urgentes. Em relação à China, ele assegura que dará continuidade às políticas da Santa Sé e de seus antecessores e, seguindo Francisco, espera continuar nomeando mulheres para cargos de liderança, reiterando que não tem intenção de mudar o ensinamento da Igreja sobre a ordenação feminina. O mesmo vale para pessoas LGBTQ+: acolhida a "todos, todos, todos", mas "o ensinamento da Igreja continuará como está". Ele descreve o abuso como uma verdadeira crise; pede a maior proximidade para com as vítimas, mas lembra que, por vezes, foram feitas falsas acusações. Em relação à outra "crise", a financeira, pede que não nos "choraminguemos" e, em vez disso, continuemos a desenvolver planos: "Mas não perco o sono por causa disso".

Perguntas e respostas sobre questões urgentes da atualidade para a Igreja e o mundo estão presentes na entrevista – a primeira concedida - do Papa Leão XIV para Elise Ann Allen, jornalista de Crux. Em 14 de setembro, aniversário de Robert Francis Prevost, trechos da conversa foram divulgados antecipadamente, acompanhando o volume biográfico "León XIV: ciudadano del mundo, misionero del siglo XXI", lançado esta quinta-feira, 18 de setembro, em espanhol pela Penguin Peru.

O drama de Gaza

Entre as primeiras perguntas ao Papa está a situação em Gaza. "Embora tenha havido alguma pressão" sobre Israel por parte dos Estados Unidos e apesar de algumas declarações do presidente Trump, "não houve uma resposta clara" para "aliviar o sofrimento da população", enfatizou o Papa Leão XIV. "Isso é muito preocupante", dadas as condições em que tantas pessoas, especialmente crianças, sofrem de "fome verdadeiramente". No futuro, "elas precisarão de cuidados médicos significativos, bem como de ajuda humanitária". O Papa espera que as pessoas não se tornem "insensíveis" ao que está acontecendo na Faixa de Gaza: "É terrível ver essas imagens na televisão... não se pode suportar tanta dor."

A palavra "genocídio"

Sobre o uso da palavra genocídio, que "é cada vez mais usada" em relação à tragédia em Gaza, o Papa enfatizou que "oficialmente, a Santa Sé não considera que qualquer declaração sobre o assunto possa ser feita neste momento". "Há uma definição muito técnica do que pode ser genocídio. Mas cada vez mais pessoas estão levantando a questão, incluindo dois grupos de direitos humanos em Israel que emitiram essa declaração."

Relações com a China

Ainda no âmbito da geopolítica, Leão XIV olha para o outro ator global: a China. Ele garante que dará continuidade à "política que a Santa Sé segue há alguns anos", sem pretender ser "mais sábio ou experiente" do que seus antecessores. Há muito tempo, mantém "diálogo constante com diversos chineses" e busca "obter uma compreensão mais clara de como a Igreja pode continuar sua missão, respeitando tanto a cultura quanto as questões políticas", bem como com o grupo "significativo" de católicos que "há muitos anos experimentam uma espécie de opressão ou dificuldade em viver livremente sua fé sem tomar partido". "É uma situação muito difícil", admite o Bispo de Roma.

A capa do livro "León XIV: ciudadano del mundo, misionero del siglo XXI" | Vatican News.

Política dos EUA

No geral, o primeiro Papa dos Estados Unidos não acredita que suas origens possam fazer muita diferença na dinâmica global. Ele, no entanto, espera que isso faça diferença em seu relacionamento com o episcopado estadunidense, onde houve atritos com o pontificado anterior: "O fato de eu ser estadunidense significa, entre outras coisas, que as pessoas não podem dizer, como fizeram com Francisco, 'ele não entende os Estados Unidos, simplesmente não vê o que está acontecendo'".

Leão deixa claro: "Não tenho intenção de me envolver em política partidária". E sobre seu relacionamento com Trump, ele afirma: "seria muito mais apropriado que a liderança da Igreja nos Estados Unidos se envolvesse com ele". É claro que, se houvesse temas específicos para discutir, "eu não teria problema em fazê-lo". O próprio Trump disse recentemente que não tem intenção de se encontrar com o Papa, acrescentando: "seu irmão é um bom sujeito". Trata-se de uma referência ao seu irmão mais velho, Louis, que ele recebeu no Salão Oval alguns dias após o Conclave. "Um dos meus irmãos o encontrou e ele foi muito aberto sobre suas opiniões políticas", confirma o Papa Leão. Ele também fala de Louis em outra parte da entrevista, quando, descrevendo seu relacionamento com a família (além do irmão mais velho, também há seu segundo irmão, John), comenta: "Ainda somos muito próximos, embora se esteja politicamente muito distante".

A crise dos abusos na Igreja

A entrevista dedica um espaço considerável à crise dos abusos sexuais na Igreja. Uma crise que ainda não foi resolvida, enfatiza o Pontífice, pedindo "grande respeito" pelas vítimas, muitas das quais carregam as feridas dos abusos por toda a vida. Leão XIV cita estatísticas que mostram que "mais de 90% dos que se apresentam e fazem acusações são vítimas verdadeiras". Não estão inventando nada, é claro. No entanto, há "casos comprovados de algumas acusações falsas" e alguns padres "tiveram suas vidas destruídas". As acusações "não anulam a presunção de inocência", observa o Papa Leão. "Portanto, também os padres devem ser protegidos, ou os acusados ​​devem ser protegidos, seus direitos devem ser respeitados. Mas mesmo dizer isso às vezes causa maior sofrimento para as vítimas."

De qualquer forma, explica ele, "a questão dos abusos sexuais não pode se tornar o fulcro da Igreja": "A grande maioria dos envolvidos na Igreja — padres, bispos e religiosos — nunca abusou de ninguém. Portanto, não podemos permitir que toda a Igreja se concentre exclusivamente nesta questão."

Acolhimento de pessoas LGBTQ+

Ele também menciona as questões das pessoas LGBTQ+ e das mulheres. Sobre a primeira questão, o Papa explica que não quer promover a polarização na Igreja. Ele fala da Fiducia supplicans, enfatizando que a mensagem fundamental desse documento é "certamente, podemos abençoar a todos, mas não devemos buscar uma maneira de ritualizar qualquer bênção". Leão XIV certamente abraça a mensagem de Francisco de acolher "todos, todos, todos": "Todos são convidados", não por causa de uma "identidade específica", mas porque todos são filhos de Deus. Isso não implica, no entanto, uma mudança na Doutrina: "Acho altamente improvável, certamente num futuro próximo, que a Doutrina da Igreja mude em termos do que a Igreja ensina sobre sexualidade, o que a Igreja ensina sobre o matrimônio", afirma. Ou seja, "de uma família composta por um homem e uma mulher", "abençoados no sacramento do matrimônio".

O papel das mulheres

Nem o magistério sobre a ordenação feminina mudará. O Papa afirma que "seguirá os passos de Francisco, nomeando mulheres para cargos de liderança em vários níveis da vida da Igreja". A questão "controversa" é a das chamadas diaconisas: "Por enquanto, não tenho intenção de mudar a doutrina da Igreja sobre o assunto".

A situação financeira da Santa Sé

A posição do Papa sobre a situação financeira da Santa Sé é mais "aberta". A abordagem do Papa é pragmática: "Estou começando a ter ideias claras", garante. Ele lista uma série de questões detalhadas: o resultado positivo de mais de 60 milhões de euros registrado no Balanço da APSA 2024; o fundo de pensão "que precisa ser examinado" ("Um problema universal"); a crise da Covid que afetou os Museus Vaticanos, "uma das fontes de receita mais significativas do Vaticano". "Devemos evitar o tipo de más escolhas que foram feitas nos últimos anos", afirma o Papa, mencionando o caso do prédio de Londres, no centro de um processo judicial que atraiu "grande publicidade": "Quantos milhões foram perdidos por causa disso!" O Pontífice fala então de "medidas significativas" tomadas durante o pontificado de Francisco para freios e contrapesos. No entanto, devemos ter cuidado ao "relaxar e dizer que a crise acabou". "Penso que devemos continuar trabalhando nisso, mas não perco o sono por causa disso, e acho importante comunicar uma mensagem diferente."

O Papa Leão XIV com Elise Ann Allen (CRUX)   (CRUX) | Vatican News.

Reformas na Cúria

Sobre o tema das reformas, o Papa Leão anuncia "decisões" na Cúria Romana, como "desmantelar ou transformar a forma isolada como cada Dicastério opera". Uma espécie de "mentalidade em compartimento estanque" que, por vezes, levou à falta de diálogo e comunicação. E isso, por vezes, tem sido "muito limitador e prejudicial à governança da Igreja".

A Missa em latim

O Pontífice também aborda a questão da Missa tridentina. Mais do que uma questão, “um problema”, porque alguns usaram a liturgia como “instrumento político”. Algo “muito desagradável”. Em breve, diz ele, surgirá a oportunidade de “sentar-se à mesa com um grupo de pessoas que defendem o rito tridentino” e talvez o problema possa ser resolvido “com a sinodalidade”.

Fake news e Inteligência artificial

Fora do circuito eclesial, o Papa aborda o tema das fake news, que são “destrutivas”, e se detém na Inteligência Artificial, na qual investem “pessoas extremamente ricas”, ignorando totalmente “o valor dos seres humanos”. “A Igreja deve intervir”, porque é sério o risco de que “o mundo digital siga seu caminho” e todos nos tornemos “peças”. A esse respeito, ele conta a anedota de uma pessoa que pediu autorização para criar um Papa “artificial” para permitir que qualquer pessoa tivesse uma audiência pessoal. “Eu disse: ‘Não vou autorizar’. Se há alguém que não deveria ser representado por um avatar, diria que o Papa está no topo da lista”.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Floresta Amazônica pode ter ultrapassado ponto de não retorno

Floresta amazônica  • Divulgação

Floresta Amazônica pode ter ultrapassado ponto de não retorno

Impactos vão da redução nas vazões de hidrelétricas ao risco para o abastecimento de milhões de pessoas no Sudeste.

Por Pedro Côrtes*

17/09/25 às 03:34 | Atualizado 17/09/25 às 03:34

A floresta amazônica, considerada um dos principais reguladores climáticos do planeta, pode ter ultrapassado o chamado ponto de não retorno. O conceito foi formulado pelos cientistas Thomas Lovejoy e Carlos Nobre em 2018, ao alertarem que, caso o desmatamento atingisse entre 20% e 25% da área total, a Amazônia perderia a capacidade de se autorregenerar, caminhando para um processo de savanização. Nesse processo, a floresta seria substituída por uma flora mista entre serrado e savana africana, com grande impacto na circulação de umidade na América do Sul.

Estudos recentes indicam que esse cenário não é mais uma projeção distante. Pesquisas mostram que o desmatamento acumulado em algumas áreas já chega a valores próximos de 25%. Mais grave ainda, o chamado “arco do desmatamento” — uma extensa faixa que cruza a floresta em seus limites a leste e sul — funciona como uma barreira que impede a reposição da umidade atmosférica. Esse bloqueio compromete a recirculação das chuvas, essencial para a manutenção do bioma e para a irrigação de outras regiões do Brasil e países vizinhos.

O funcionamento do ciclo amazônico é conhecido: a umidade do Atlântico precipita na floresta, infiltra-se no subsolo e retorna à atmosfera pela evapotranspiração proporcionada pelas grandes árvores. Os ventos carregam essa umidade para o oeste e, ao encontrar os Andes, parte dela se espalha em direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de atingir Paraguai, Uruguai e Argentina. Esse processo, conhecido como “rios voadores”, é vital para o equilíbrio hídrico do continente.

Quando a cobertura de árvores é suprimida, a floresta perde a capacidade de reciclar a água. O resultado é a redução no volume de chuvas, com reflexos diretos já perceptíveis. Pesquisa realizada na Universidade do Porto, em parceria com a USP, mostra que 11 hidrelétricas no centro do Brasil tiveram queda significativa na vazão afluente, ou seja, na quantidade de água recebida naturalmente pelos reservatórios. Exemplos de usinas como Emborcação, Furnas e Itumbiara revelam reduções médias preocupantes desde a segunda década dos anos 2000.

O problema também se manifesta no abastecimento urbano. O Sistema Alto Tietê, responsável por parte da água que atende a Região Metropolitana de São Paulo, registra volumes de chuva abaixo da média histórica, em grande parte pela diminuição da umidade transportada da Amazônia.

Floresta Amazônica • Carlamoura.amb/Wikimedia Commons

Embora a taxa de desmatamento tenha oscilado nos últimos anos, o fato é que nunca houve desmatamento zero. O processo se acumula desde a década de 1970 e já produz efeitos sobre clima, agricultura, geração elétrica e abastecimento de água.

A noção de ponto de não retorno foi essencial para mobilizar a opinião pública e pressionar governos. Mas as evidências atuais sugerem que essa barreira já foi cruzada no arco do desmatamento, transformando a região em uma trincheira contra a recirculação de umidade.

Uma taxa “menor” de desmatamento acumulado em todo o bioma pode dar a falsa impressão de que ainda temos algum tempo para reverter a situação, mas basta que uma extensa região – como o arco do desmatamento - seja suficientemente afetada para reduzir a circulação de umidade em grande parte da floresta.

As consequências vão além da Amazônia: comprometem a segurança hídrica e energética do Brasil e de países vizinhos. A inação, alertam os pesquisadores, pode agravar ainda mais um processo de ruptura ambiental de grandes proporções.

*Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/pedro-cortes/nacional/norte/am/floresta-amazonica-pode-ter-ultrapassado-ponto-de-nao-retorno/

As raízes da violência política nos Estados Unidos

As raízes da violência política nos EUA (Vatican News)

O assassinato do ativista Charlie Kirk em 10 de setembro, durante um encontro no campus da Universidade Utah Valley, em Orem, reacendeu o debate sobre a violência política nos Estados Unidos. E não se trata de um fenômeno recente, mas faz parte da história do país. Para tentar entendê-lo, a Rádio Vaticano ouviu relatos de expoente do mundo institucional e social do país da América do Norte, além de estudantes e analistas.

Guglielmo Gallone - Città del Vaticano

Quais são as raízes culturais e sociais da violência política nos Estados Unidos? De onde nasce o medo do outro, a intolerância em relação a quem pensa diferente? E como a polarização leva ao risco de transformar a identidade estadunidense e a possibilidade de coexistência democrática?

As imagens que emergem de uma América violenta, em profunda crise de identidade, assustam e suscitam questionamentos sobre o que está acontecendo. O assassinato do ativista político conservador Charlie Kirk é apenas o mais recente de uma longa série de atos políticos agressivos perpetrados contra expoentes do pensamento republicano e democrata, revelando o cerne da crise pela qual atravessa o país: a profunda dificuldade da escuta recíproca e, consequentemente, a incapacidade de aceitar a diversidade de pensamento.

Atos extremos como o de quarta-feira, 10, — e especialmente em um lugar símbolo desse momento de inquietação, como as universidades, onde o diálogo é cada vez mais difícil — passam também, e sobretudo, pelo "fator humano": solidão, falta de confiança, sensação de abandono e a incapacidade de encontrar espaços comunitários para se conectar e se envolver. Para entender onde se alicerçam os fundamentos de uma crise que é simultaneamente política, social e cultural, recorremos a especialistas dos Estados Unidos e a jovens cidadãos do país.

A ANÁLISE DE SETH CROPSEY, FUNDADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO YORKTOWN, EX-OFICIAL DA MARINHA E VICE-SUBSECRETÁRIO DA MARINHA DOS EUA.

O assassinato político de Charlie Kirk evidenciou as divisões que caracterizam a sociedade americana atual e trouxe à tona uma das principais preocupações que atormentam os Estados Unidos desde sua fundação, há quase 250 anos. A primeira frase da Constituição dos EUA declara seu propósito: "Formar uma união mais perfeita". "Formar uma união mais perfeita" tem sido um desafio constante na política americana, desde o debate da Convenção Constitucional de 1787 sobre como contar os escravos para fins de representação no Congresso, até a Guerra Civil.

Outras divisões profundas na política americana incluem o debate sobre isolacionismo que precedeu o naufrágio do Lusitânia antes da Primeira Guerra Mundial e um debate semelhante que precedeu o ataque a Pearl Harbor, que levou os Estados Unidos a entrar na Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, o tratamento dispensado aos afro-americanos dividiu os Estados do Norte e do Sul até a aprovação, por parte do Congresso, do Civil Rights Act de 1964.

O assassinato de Kirk é o último de uma série de assassinatos políticos, cuja onda mais recente começou com as tentativas de assassinato de Gabby Giffords em 2011 e de Steve Scalise em 2017, ambos membros do Congresso. Mais recentemente, dois membros democratas da legislatura estadual de Minnesota foram baleados, um dos quais morreu. O presidente Donald Trump foi alvo de duas tentativas de assassinato no ano passado. Em abril de 2025, a casa do governador da Pensilvânia, Joshua David Shapiro, foi incendiada. Também neste ano, um jovem, aparentemente movido por ressentimento pessoal, foi acusado de assassinar um executivo de uma seguradora de saúde. Graças à internet, que serve como válvula de escape para uma variedade aparentemente infinita de patologias sociais, esse jovem se tornou uma espécie de herói popular.

O que está acontecendo nos Estados Unidos? A retórica política se tornou acalorada, refletindo a crescente divisão entre os extremos dos dois principais partidos políticos. A internet alimenta essa divisão, assim como os discursos dos políticos. A linguagem vulgar passou a fazer parte do debate público. Um dos lados acusa o outro de fascismo, que por sua vez é acusado de comunismo. As universidades de elite dos Estados Unidos, após décadas de declínio progressivo em direção à intolerância a opiniões que divergem daquelas dos docentes e em direção à tolerância ao antissemitismo, representam um elemento significativo nessa mistura tóxica que incentiva a demonização de oponentes políticos e fomenta um clima que alimenta a violência política.

O resultado é que as normas sociais e a coesão que pelo menos mantinham vivo um discurso civil, se desgastaram e podem ter perdido a capacidade de moldar comportamentos. Consequentemente, um líder político que buscava promover mudanças por meio do debate e da argumentação — as formas legítimas de persuasão — não existe mais.

A questão para a sociedade estadunidense é se é possível sair da beira deste abismo: a esperança de “aperfeiçoar a nossa união” desapareceu?

AS VOZES DE DAVID LAPP, COFUNDADOR DA BRAVER ANGELS, E AMBER LAPP, PESQUISADORA DO INSTITUTE FOR FAMILY STUDIES E COLABORADORA DO THINK TANK AMERICAN COMPASS.

Em 2010, quando começamos a entrevistar jovens adultos da classe trabalhadora em uma pequena cidade de Ohio, esperávamos saber de suas famílias, seus empregos e suas convicções. O que nos surpreendeu, no entanto, foi o quanto eles falavam continuamente sobre confiança. Durante longas conversas em cafés ou ao redor de uma fogueira, eles diziam coisas como "Tenho problemas de confiança" e "não confio em ninguém". Sinceramente, a confiança não era algo em que pensávamos muito. Crescidos em ambientes de grande confiança — Amber em uma igreja evangélica muito unida e David na comunidade Amish —, considerávamos como óbvio. Mas esses jovens adultos nos contavam que viam o mundo como um lugar onde não se podia contar com os outros. E que isso tornava extremamente difícil fazer coisas como manter um emprego ou se casar. As origens dessa desconfiança? Muitos a atribuíram à fragmentação familiar. Posteriormente, a desconfiança era agravada por locais de trabalho onde se sentiam explorados e facilmente substituíveis.

A violência política se prolifera em ambientes de baixa confiança. A confiança é a moeda das sociedades pacíficas: é o que as pessoas trocam entre si. Ela traz bem-estar e segurança. Quando existe um sólido grupo intermediário de pessoas confiantes e confiáveis, a polarização e a radicalização permanecem à margem. Mas quando as pessoas estão menos conectadas entre elas, as vozes mais destrutivas acabam parecendo representativas. E, levadas pelo medo e pela autodefesa, aqueles que estão no centro correm o risco de endurecer o coração e se inclinar para os extremos.

No último mês, organizamos um evento em nossa cidade que reunirá cidadãos comuns, igualmente divididos entre esquerda e direita, para uma discussão aberta sobre imigração. O objetivo não é mudar a opinião dos outros, mas descobrir quais pontos em comum possam porventura já existir. Após o assassinato de Charlie Kirk, alguém nos contatou para nos dizer que estava com medo de comparecer ao nosso evento, mas depois decidiu que iria assim mesmo. Outro, que antes não se interessava, inscreveu-se, em parte para homenagear Kirk, que acreditava em conversar com aqueles que pensam diferente. O que antes parecia um diálogo diário agora surge sob uma luz nova, urgente e até heroica. O que antes parecia muito "kumbaya" (pouco prático e altamente idealista) agora parece fundamental e essencial. Repetidamente, ficamos impressionados com a forma como encontros pessoais simples, e muitas vezes surpreendentes, podem reverter o processo de desconfiança. Se a crise é pessoal, faz sentido que a solução também seja pessoal.

O TESTEMUNHO DE GRACE, UMA ESTUDANTE DE DIREITO DE 23 ANOS NO TENNESSEE.

O que mais me impressionou no assassinato de Charlie Kirk foi o lugar onde aconteceu: a universidade. Cresci em Knoxville, Tennessee, em uma família onde falávamos sobre tudo: política, fé, esportes, até mesmo sobre quem fazia o melhor churrasco do bairro. Podíamos discutir, mas no final sempre havia um abraço ou um jogo de futebol para unir a todos. Nos últimos anos, especialmente quando cheguei à faculdade, percebi que algo estava mudando: muitos jovens têm medo de expressar suas opiniões. É como se não houvesse mais aquele espaço seguro onde você pode discutir as coisas sem medo de perder amigos ou ser julgado. Estamos divididos sobre tudo: da Palestina a Israel, de Trump a Harris, do beisebol ao basquete. Então, permanecemos em silêncio, reprimimos as emoções, a raiva. E aqueles que são mais frágeis, mais sozinhos, às vezes encontram na violência a única maneira de se fazerem ouvir. Isso me assusta, porque sei que pode acontecer novamente. Porque nos Estados Unidos, estamos todos muito mais frágeis do que antes, e somos todos menos capazes de dizê-lo.

O TESTEMUNHO DE TYLER, 24, UM ESTUDANTE DE COMUNICAÇÃO EM NOVA YORK.

O assassinato de Charlie Kirk me surpreendeu não tanto por quem era a vítima, mas por parecer inevitável. No meu país, a política agora é vista como uma demonstração de força: quem grita mais alto, quem aniquila o inimigo, quem atira, vence. Mesmo para nós, estudantes, está se tornando cada vez mais desconfortável falar abertamente em sala de aula. Há algum tempo, quando o professor perguntava por que muitos de nós ficávamos em silêncio durante debates ou palestras, as respostas eram sempre as mesmas: medo de dizer a coisa errada, ansiedade social, o risco de ofender alguém está constantemente presente, mesmo que o tema não seja político. E então você permanece em silêncio, pelo menos até ter 100% de certeza. Às vezes penso: estou exagerando? Talvez seja apenas ansiedade juvenil. Mas a polarização está em toda parte, nas postagens nas redes sociais, nas manchetes, nos comentários que competem para ver quem está mais indignado. E você sente esse muro invisível entre "nós" e "eles" crescendo a cada dia. Há outra coisa que me pesa: temo que, se eu disser algo impopular, isso possa acabar no TikTok ou no Instagram, circular, ser ridicularizado. É como se toda opinião se tornasse um risco. Prefiro ficar em silêncio antes que me expor. E, enquanto isso, sinto a raiva crescendo, que muitos se sentem sozinhos, excluídos e não sabemos nos confrontar. O que o assassinato de Charlie Kirk tem em comum com tantos outros massacres é a idade média dos assassinos: são todos muito jovens. E isso não é um bom presságio.

AS PALAVRAS DE JOHN WOOD JR., EMBAIXADOR NACIONAL DO MOVIMENTO BRAVER ANGELS.

Não combatemos e não nos matamos simplesmente porque somos estranhos ou porque não gostamos uns dos outros. A violência política não nasce apenas por isso. A Guerra Civil americana era o resultado de um processo histórico no qual o Norte e o Sul se distanciaram culturalmente, desenvolvendo antipatias regionais e de classe. Os sulistas eram vistos como preguiçosos, quase incivilizados; os nortistas, como agricultores industriais sujos e aproveitadores, um povo sem raízes, sem a mentalidade civilizada dos cavalheiros agrários. Mas essas diferenças culturais foram exacerbadas por conflitos de interesse relacionados à política: um governo federal cada vez mais poderoso e uma interpretação constitucional em constante expansão que via a agricultura e os estados do Sul perderem peso econômico e influência política, aos quais, mais especificamente, se somava a questão da escravidão.

Quando Abraham Lincoln se candidatou à presidência, insistiu firmemente que, embora a escravidão fosse um mal, aqueles que a apoiavam eram, em geral, pessoas boas. O conflito de interesses entre o Norte e o Sul na política era inevitável, mas Lincoln esperava restabelecer a conexão social e a familiaridade cultural entre os dois lados, observando em um discurso de campanha que tivera a sorte de se casar com uma sulista.

Essa tentativa fracassou: o processo de polarização já estava muito avançado e a escravidão era uma questão muito arraigada. No entanto, Lincoln estava certo ao acreditar que somente um forte senso de fraternidade entre os estadunidenses poderia evitar a guerra e a violência política que um dia lhe tiraria a vida.

Foi precisamente reconhecendo essa realidade que Martin Luther King Jr. liderou um movimento não violento para reafirmar a comunhão social e espiritual americana, mesmo em meio a um movimento pelos direitos civis no qual os interesses materiais e políticos do Sul branco e dos afro-americanos (e dos liberais em outras áreas do país) estavam claramente em desacordo. King também foi vítima de violência política, mas, como demonstram seu legado e o sucesso da integração, sua filosofia de reconciliação estava orientada na direção certa. "Não buscamos derrotar ou humilhar nossos adversários, mas conquistar sua amizade e compreensão", ensinou King. Isso desencadeou uma mudança cultural que perdurou até hoje. Não podemos evitar conflitos de interesse. Mas podemos fortalecer nossos laços sociais para torná-los resilientes a esses conflitos, na esperança de transcender a violência.

ANÁLISE DE FEDERICO PETRONI, DA REVISTA GEOPOLÍTICA ITALIANA "LIMES", ESPECIALISTA EM ESTADOS UNIDOS.

A violência política é uma constante na história estadunidense. Mas cada aniversário tem suas próprias características. Hoje, a violência decorre de uma genuína crise de convivência. É um aspecto de uma doença antissocial que assola os Estados Unidos. Em comparação com o passado, nos últimos trinta anos, os americanos tornaram-se mais deprimidos, solitários, viciados, têm menos famílias e menos filhos, muitas vezes criando-os sozinhos. Encontram-se menos no local de trabalho, vão menos à igreja, têm menos amigos, não se filiam mais a organizações profissionais e não participam mais de instituições cívicas. Tendem à autossegregação: falam apenas com aqueles que compartilham suas opiniões e vivem em bairros separados com base no nível de escolaridade, que determina sua orientação política.

Democratas e republicanos não se casam mais. Há uma tendência niilista: eles não acreditam mais em nada, a começar pelas instituições e pelo sonho americano, a espinha dorsal e a alma do país. Assim, a política incentiva o ódio. A tragédia dos Estados Unidos hoje é que eles veem o inimigo não de fora, mas de dentro. Não a China ou a Rússia, mas aqueles que votam no outro partido. A América necessita ser salva de si mesma, de seu lado sombrio. Obviamente, cada lado acusa o outro de encarnar essa escuridão. O que está em jogo é existencial: se seus oponentes vencerem, não haverá mais país nem democracia. Se perde, extinguirão seu modo de vida, a autêntica religião nacional.

Pesquisas confiáveis ​​relatam percepções alarmantes entre minorias significativas: aqueles que votam no outro partido são subumanos e animalescos, merecedores da morte. Seus rivais? Fascistas implacáveis ​​ou comunistas loucos. Eles querem apagar direitos ou a diferença entre homens e mulheres. Essas percepções também são difundidas na Europa. Mas na América, elas produzem a maior intensidade. Sem coesão social, é óbvio que Washington perderá o controle das guerras estrangeiras ou que recuará de forma desordenada, livrando-se dos fardos do império na tentativa de salvar a nação.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

ARTE: Em nome do apóstolo que quis ver e tocar

Abaixo, a Igreja de Carmine, em Florença. Acima, o Tríptico de San Giovenale, preservado na Abadia de San Pietro, em Cascia di Reggello, perto de Florença. | 30Giorni.

Arquivo 30Dias nº 11 - 2001

A vida e obra de Masaccio, que morreu em Roma aos 26 anos.

Em nome do apóstolo que quis ver e tocar

A vida e obra de Masaccio

por Giuseppe Frangi

Nasceu em 21 de dezembro de 1401, festa de São Tomás, em San Giovanni Valdarno, primogênito de Giovanni di Mone Cassai e Iacopa di Martinozza. Morreu repentinamente em Roma, supostamente por envenenamento, em 1428. Masaccio levou apenas 26 anos e alguns meses para desferir um golpe decisivo na história da pintura. À beira da morte de pai aos cinco anos de idade, provavelmente chegou a Florença em 1417: de fato, existem numerosos pagamentos de sua mãe a uma Monna Piera de' Bardi por uma casa alugada em Florença, na paróquia de San Niccolò, certamente para o filho, visto que ela continuou a viver com o segundo marido em Castel San Giovanni. A família de Masaccio era de artistas: seu irmão mais novo também se tornou pintor e era chamado de "lo Scheggia" (o Caco), tão magro e magro era; enquanto sua meia-irmã Caterina acabou se casando com outro pintor, Mariotto di Cristofano.

O destino de Masaccio está inextricavelmente ligado ao do Carmim em Florença. A igreja foi consagrada em 19 de abril de 1422, e o jovem pintor foi contratado para pintar um grande afresco no claustro para imortalizar a grande celebração. Nele, estavam representadas todas as famosas figuras florentinas da época, de Brunelleschi a Donatello e Masolino. Pintado em claro-escuro sobre terra verde, o afresco foi destruído durante uma reforma do claustro entre 1598 e 1600 (embora novas tentativas de encontrar vestígios dele estejam em andamento). Vasari, que havia visto o afresco antes de sua demolição, fala de muitas "figuras em cinco e seis por fileira, diminuindo conforme a visão". Isso soa como uma evidência inicial do talento de Masaccio para a construção em perspectiva.

A primeira obra conhecida e preservada do artista, o Políptico de San Giovenale, agora na Abadia de San Pietro a Cascia em Reggello, é datada de 23 de abril de 1422. No ano seguinte, Masaccio está em Roma, na companhia de Brunelleschi: a cena pintada à direita da Ressurreição de Tabita , com a Adoração de São Pedro na Cátedra, seria uma lembrança daquela jornada. A partir daquele momento, a vida de Masaccio seguiu em ritmo acelerado. Em 1424, ele subiu no andaime da Capela Brancacci, onde o velho Masolino havia começado a trabalhar para Felice Brancacci. Não podemos saber o que aconteceu naquele andaime, mas a história da arte certamente virou uma página naqueles meses. Em 1º de setembro de 1425, Masolino partiu para a Hungria, de onde retornaria apenas dois anos depois, para realizar trabalhos para o Rei Matias Corvino. Masaccio continuou os afrescos, mas, por uma razão desconhecida, não os terminou. Em 19 de fevereiro de 1426, ele estava trabalhando em outro projeto desafiador, o Políptico de Pisa, encomendado por um tabelião, Ser Giuliano di Colino degli Scarsi da San Giusto, para a igreja de Santa Maria del Carmine. Uma grande obra-prima, hoje desmembrada e preservada em pedaços em alguns dos museus mais importantes do mundo: a famosa Crucificação com Madalena vista de trás com os braços estendidos em Nápoles, a Madona central em Londres, grande parte das predelas em Berlim. Por ocasião do centenário, o políptico foi remontado pela primeira vez em uma bela exposição na National Gallery em Londres.

Antes de sua viagem final a Roma, Masaccio também teve tempo de deixar sua Trindade revolucionária nas paredes da igreja de Santa Maria Novella . Então, quando Masolino retornou da Hungria, veio a proposta de compartilhar com ele o tríptico de Santa Maria Maggiore em Roma, que deveria ser pintado em ambos os lados. Masaccio recebeu o reverso, com a Fundação da basílica e o Milagre da Neve no centro, os Santos João Evangelista e Martinho de um lado, e os Santos Jerônimo e Batista do outro. Ele concluiu apenas este último (conservado em Londres), enquanto Masolino teve que esperar pelo restante devido à morte repentina de Masaccio. Assim, resta apenas um painel, uma verdadeira obra-prima, como escreveu Longhi, enfatizando o detalhe da perna de São João Batista: "A perna temperada no ar e depois enraizada no chão enquanto ele pisoteia a grama do prado ralo, não mais as flores escolhidas do hortus conclusus."

Em 1435, Felice Brancacci foi banido e exilado por Cosimo de' Medici; a capela também foi afetada, pois mudou de nome, tornando-se Capela da Madonna del Popolo. A primeira consequência foi a instalação de um altar muito maior, com sérios danos a parte dos afrescos da parede posterior. Em seguida, a damnatio memoriae da família Brancacci foi concluída em 1481, quando Filippino Lippi foi contratado não apenas para completar as cenas finais no registro inferior, mas também para intervir na Ressurreição do Filho de Teófilo., pintado por Masaccio, para apagar todos os membros da família aqui retratados. Foi o início de uma série de intervenções, culminando em 1746 com a destruição dos afrescos da abóbada, o que nos privou da cena, que se poderia facilmente imaginar estupenda, das Lágrimas de Pedro .

Mas os infortúnios de um pintor que se tornara imediatamente um ponto de referência para todos não terminaram aí: o próprio Vasari, que, em suas Vidas , cita a longuíssima lista de artistas que fizeram peregrinações aos Brancacci, cobriu, em 1570, com uma de suas obras o afresco da Trindade em Santa Maria Novella, redescoberto quase por acaso em meados do século XIX.

Em 20 de junho de 1428, a notícia de sua morte, presumivelmente ocorrida algumas semanas antes, chegou a Florença. "Sofremos uma perda tremenda em Masaccio", comentou seu amigo de longa data, Filippo Brunelleschi. A questão permanece: o que Masaccio teria feito se tivesse tido a oportunidade de pintar por toda a vida, não apenas por aqueles seis anos documentados? Um dos críticos mais apaixonados do grande pintor, Alessandro Parronchi, respondeu a essa pergunta: "A Capela Brancacci foi um ponto de partida, e assim permaneceu. Uma força indestrutível emana daquelas paredes." Nisso, a biografia rápida e cruel de Masaccio não desmente sua grandeza: ele foi o pintor de um começo.

Fonte: https://www.30giorni.it/

“Semeaduras”: ações de ecologia integral da Arquidiocese de Manaus

Ações de ecologia integral (Vatican News)

No coração da maior e mais importante floresta do mundo, a Amazônia, a Assembleia Sinodal Arquidiocesana assumiu a missão de cuidar da casa comum desde 2022. A Comissão para a Ecologia Integral encoraja esse cuidado com a criação em todos os espaços: doméstico, laboral, comunitário e eclesial. O documento “Semeaduras” traz exemplos práticos e também a atuação dos educadores ambientais.

Pe. Luis Miguel Modino*

A ecologia integral e o chamado ao cuidado da casa comum pode ser considerado um dos grandes legados do Papa Francisco, um caminho que continua sendo trilhado pelo Papa Leão XIV. Na Arquidiocese de Manaus, no coração da maior e mais importante floresta do mundo, a Amazônia, a Assembleia Sinodal Arquidiocesana, no ano 2022, assumiu essa missão como um dos grandes desafios, que está se concretizando de modo transversal em todas as dimensões da missão.

O cuidado da criação em todos os espaços

Na frente desse trabalho está a Comissão para a Ecologia Integral que quer levar esse cuidado com a criação a todos os espaços: doméstico, laboral, comunitário e eclesial. As diversas práticas de ecologia integral na Arquidiocese de Manaus estão sendo divulgadas através de uma publicação que tem como nome “Semeaduras”. Um pequeno texto que ajuda a conhecer e espalhar práticas que deveriam ser assumidas por todos aqueles que acreditam no Deus Criador, mas também por aqueles que se preocupam com o futuro do planeta e da humanidade.

Na Arquidiocese de Manaus, segundo o texto, diversas paróquias e áreas missionárias realizam gestão de resíduos, um exemplo que leva à Comissão para a Ecologia Integral a lançar o desafio de assumir essa prática por parte daqueles que ainda não a iniciaram. Nesse caminho da ecologia integral se faz necessário impulsionar parcerias institucionais e comunitárias com outras religiões, associações de moradores, universidades, escolas, cooperativas e grupos de diferentes segmentos.

As ações e os educadores ambientais

Dentre as práticas cada vez mais presentes, o documento “Semeaduras” fala sobre a coleta de resíduos eletrônicos, de óleo de cozinha para a fabricação de sabão ecológico, de materiais recicláveis, as hortas comunitárias, a coleta de material orgânico para compostagem, ações sociopolíticas em defesa da casa comum, feiras de economia solidária, por exemplo. Essas práticas são assumidas a partir de campanhas educativas com foco no cuidado da casa comum, especialmente na catequese, tendo como fundamento a encíclica Laudato si', em vista de um novo estilo de vida.

Nos últimos anos, tem surgido na Arquidiocese de Manaus os educadores ambientais. Eles iniciaram sua missão na Festa de Pentecostes, o maior evento religioso da Igreja de Manaus, mas aos poucos estão se fazendo presentes em outros momentos e espaços. A missão é orientar sobre s redução dos resíduos e a conservação do ambiente, a formação para as causas indígenas, os projetos de transição energética, com fontes de energia eólica e solar. Iniciativas que são divulgadas no Programa Laudato si', que toda semana, na Rádio Rio Mar, veículo de comunicação da arquidiocese, aborda temáticas relacionadas à espiritualidade ecológica e questões socioambientais.

Os projetos arquidiocesanos

Em nível arquidiocesano são vários os projetos desenvolvidos: Projeto Educação em Saúde Ambiental, com a participação de crianças e adolescentes; Casa Amazônica de Francisco e Clara, em vista de uma educação e espiritualidade ecológicas a serviço dos povos amazônicos; Associação de Catadores Filhos/as de Guadalupe, que gerencia resíduos sólidos e promove a formação no campo da ecologia integral; Projeto “Papel de cada um na casa comum”; e o Projeto Horta Escola.

Conhecer essas práticas é de extrema importância, ainda mais no Tempo de Oração pelo Cuidado da Casa Comum e às portas do 14º Mutirão Brasileiro de Comunicação, que será realizado em Manaus de 25 a 28 de setembro, com o tema “Comunicação e Ecologia Integral: transformação e sustentabilidade justa”, que reúne estudantes, profissionais e representantes de pastorais e agentes sociais de todo o Brasil.

* Manaus/AM

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Para um feminismo cristão: reflexões sobre a Carta Apostólica “Mulieris Dignitatem” (Parte 2/3)

Para um feminismo cristão (Crédito: Opus Dei)

Para um feminismo cristão: reflexões sobre a Carta Apostólica “Mulieris Dignitatem”

Estudo de Jutta Burggraf, Doutora em Sagrada Teologia e em Pedagogia, publicado em “Romana”, nº 7 (1988).

14/08/2020

2. Pessoa, comunidade, dom de si

Já nas catequeses das quartas-feiras de 1979 a 1981 sobre a Teologia do Corpo, João Paulo II havia analisado a fundo os três primeiros capítulos do livro do Gênesis. Seguindo aquela exegese, reafirma agora que os textos sobre a criação do homem revelam “a base imutável de toda a antropologia cristã” (MD, 6).

Gn 1,27 afirma explicitamente que Deus criou o homem – homem e mulher – à sua imagem e semelhança. Isto significa, em primeiro lugar, que os dois sexos possuem a mesma natureza de seres racionais e livres; que ambos receberam o mandato comum de submeter a terra; e finalmente que cada um dos dois tem uma relação direta e pessoal com Deus. Quer dizer, tanto o homem como a mulher são pessoas: são – como repete frequentemente o Papa citando a Gaudium et Spes (n. 24) – amados por Deus “por si mesmos”, e nisto reside sua dignidade (cfr. MD, 7, 10, 13, 18, 20, 30). A mulher não é, pois um ser definido através do homem e em função do homem. Não recebe do homem a sua própria dignidade, mas a possui originariamente em si mesma.

Gn 2, 18-25 continua posteriormente a ensinar as verdades fundamentais sobre o homem. Narra a criação da própria matéria, daquela costela, na qual João Paulo II vê uma expressão plástica da identidade da natureza entre o homem e a mulher. Esta é como o “outro eu” na humanidade comum (MD, 6). A unidade dos dois expressa assim, numa medida ainda mais elevada, a semelhança com Deus na medida em que, de certo modo, reproduz aquela unidade na distinção que existe de modo supremo na Trindade.

A fé trinitária, aqui pressuposta pelo Papa, afirma, com efeito, que a vida divina é comunhão do Pai com o Filho e o Espírito Santo, os quais sendo Um Único e o mesmo Deus Eterno e Onipotente, distinguem-se realmente como Pessoas[4]. O Pai é o que é pelo Filho. Sua “personalidade” se realiza em ser Pai do Filho: está em relação total e constitutiva com o Filho, com o Qual, pelo Qual e no Qual é. Da mesma forma, o Filho é o que é pelo Pai. Sua “personalidade” consiste em ser Filho do Pai e na correspondência ao amor que recebe eternamente d’Ele. É com o Pai, no Pai e pelo Pai. E o Espírito Santo é o Amor subsistente do Pai e do Filho; procede de ambos como fruto da relação Pai-Filho e, ao mesmo tempo, misteriosamente, torna possível tal relação. Por Ele, com Ele e n’Ele, o Pai ama o Filho e o Filho ama o Pai. Eis como o Espírito Santo consuma a unidade e a diversidade na Trindade.

João Paulo II destaca que, embora Deus tenha querido revelar-se em seu desígnio de salvação, sobretudo com nomes masculinos, isso não significa que Ele pode ser concebido segundo categorias finitas de criaturas. N’Ele se baseiam todas as perfeições das criaturas e, portanto, não só a paternidade, mas também a maternidade. O Santo Padre indica muitos textos nos quais a Escritura nos mostra os traços maternos do Amor de Deus, que consola seu próprio Filho (Is 66, 13), não O pode esquecer (Is 49, 14-15), abraça-O carinhosamente (Sl 131, 2-3), cuida d’Ele e O nutre (Is 31, 20): “O amor de Deus é apresentado em muitas passagens como amor masculino de esposo e pai (cfr. Os 11, 1-4; Jr 3, 4-19) mas às vezes também como Amor feminino de mãe” (MD, 8).

Alguns expoentes da teologia feminista[5]. insistiram frequentemente, recentemente e com gosto, sobre a “feminilidade” de Deus. Estas teses, mesmo remediando indubitáveis lacunas da teologia tradicional, nem sempre conseguiram respeitar a justa medida. João Paulo II parece aceitar os detalhes mais relevantes que, por outro lado, se podem já encontrar nos autores dos primeiros séculos[6], mas os harmoniza com a tradição da Igreja. A descoberta do “rosto materno” de Deus, tão querido para a teologia de hoje, contribuirá realmente para enriquecer os contornos da imagem de Deus se não obscurecer o aspecto paterno. Pode-se, pois, afirmar que em Deus encontramos tanto a “masculinidade” como a “feminilidade”, não, no entanto, através de um processo de humanização de estilo pagão, mas analogicamente, como arquétipo ideal, de modo exemplar e eminente (cfr. MD, 8).

Ser pessoa à imagem e também à semelhança de Deus significa, portanto, para o homem, existir “em relação” a outro e encontrar nisso um novo eu na comunicação do amor. Ser homem quer dizer comunhão interpessoal (cfr. MD, 7), já que o ser humano não foi criado sozinho, mas como homem e mulher desde o princípio: “Na unidade dos dois, o homem e a mulher são chamados desde o princípio não só a existir um ao lado da outra ou também juntos; mas são também chamados a existir reciprocamente um para o outro” (MD7). Baseando-se nesta observação, João Paulo II esclarece que a ajuda da qual fala o Gênesis é uma “ajuda recíproca” do homem para a mulher e da mulher para o homem. Os dois sexos se ajudam a ser plenamente humanos. A própria natureza os ordenou para completar-se mutuamente, de modo que cada um seja, no próprio âmbito, superior ao outro. Ambos possuem qualidades espirituais específicas, como confirma a pesquisa médico-psicológica moderna[7].

Por outro lado, a palavra “ajuda” é levada por João Paulo II a significar o fato de que a pessoa humana como tal, homem e mulher, alcança sua própria plenitude só no dom sincero de si. Realiza-se em dar-se. Aqui está o fundamento de todo o êthos humano. A pessoa é, pois, revelação de uma dignidade e de uma vocação (cfr. MD, 7). Quanto às relações entre os dois sexos, trazem consigo que o homem e a mulher foram criados para servir-se mutuamente, em mútua e livre subordinação por amor.

3. A mulher e o domínio masculino

Os textos do Gênesis sobre a situação do homem e da mulher no “princípio” contêm também a explicação das desarmonias da realidade: “O pecado se inscreve precisamente neste princípio e se revela como contraste e negação” (MD, 9). Como recorda o Concílio Vaticano II, a imagem de Deus no homem, mesmo não tendo sido apagada pelo pecado, foi consideravelmente ofuscada (MD, 9)[8]. A perda da íntima união originária com o Criador implica uma alteração na relação recíproca entre os sexos. O homem e a mulher se encontram um frente à outra e inclusive a natureza se rebela contra eles (cfr. MD, 9).

Quanto mais o homem se afasta de Deus pelo pecado, tanto menos reconhece que só pode realizar a própria vida através da preocupação pelo outro e menos respeita os outros homens. João Paulo II observa que as tristes consequências desta alteração afetam sobretudo o sexo feminino: o homem desrespeita a dignidade da mulher e a priva de seus direitos, degradando-a com frequência ao fazê-la objeto de posse e de prazer. O domínio e o utilitarismo substituem o amor e o dom de si, com todas as formas de traição à pessoa que estas palavras encerram. O Santo Padre condena energicamente as injustiças à quais está exposta a mulher e afirma que elas ferem também o homem: pois quando ele ofende a dignidade e a vocação da mulher “age contra a própria dignidade pessoal e a própria vocação” (MD, 10).

João Paulo II põe-se sem vacilações ao lado dos que lutam pela igualdade de direitos sociais e políticos das mulheres. Também a propósito disto, os ensinamentos do Concílio Vaticano II são claros. O texto mais famoso não se encontra na Mulieris Dignitatem, mas está na Gaudium et Spes, que por sua vez é citada 13 vezes na Carta Apostólica: “No entanto, qualquer tipo de discriminação dos direitos fundamentais da pessoa, tanto no campo social como no cultural, em razão do sexo, da estirpe, da cor (...) deve ser superado e eliminado, como contrário ao desígnio de Deus”[9]. Em outro lugar, o documento diz: “As mulheres reivindicam a paridade com os homens, não só de direito, mas também de fato, onde ainda não a alcançaram”[10].

Apesar de alguns abusos e da unilateralidade, os movimentos pelos direitos da mulher contribuíram inegavelmente para significativos progressos no desenvolvimento da sociedade. Mas não se pode esquecer que tais passos em frente são, apesar de tudo, insuficientes, porque a defesa da dignidade da pessoa representa, em cada geração, uma tarefa sempre nova para cada homem e cada mulher (MD, 10). A oposição das mulheres ao domínio dos homens não deve levar à “masculinização” e à deformação da natureza feminina. Neste sentido, Mons. Escrivá escreveu: “Desenvolvimento, maturidade, emancipação da mulher, não devem significar uma pretensão de igualdade – de uniformidade – uma imitação do modo de atuar masculino: isso seria um logro, seria uma perda para a mulher”[11]. A igualdade não deve ser confundida com a identidade, porque do contrário a mulher perderia tudo o que constitui “a sua riqueza essencial”. “Os recursos pessoais da feminilidade certamente não são menores que os recursos da masculinidade, mas são diversos” (MD, 10); seu desenvolvimento requer a libertação de qualquer coação arbitrária (MD, 10).

Sobre as consequências do pecado instaura-se, no entanto, a redenção que, neste contexto, representa uma reintegração da ordem original a um nível superior, restituição da dignidade da mulher e do homem. Como Eva é “testemunha desde o princípio”, Maria é “testemunha do novo princípio e da nova cultura” (MD, 11)[12]. Ela é “o novo princípio da dignidade e da vocação da mulher, de todas as mulheres e de cada uma” (MD, 11). Tanto no início como no momento crucial da história da humanidade, encontramos uma mulher que influi de modo determinante no desenvolvimento da história. A consideração desta realidade poderia fazer desaparecer definitivamente o costume de designar a mulher como o sexo “fraco” ou “passivo”. Seu papel no destino da humanidade revelar-se-ia decisivo, se ela realmente desenvolvesse as virtualidades das quais é depositária para a salvação do mundo.

4. Cristo, supremo protetor da mulher

Cristo oferece um testemunho riquíssimo “do que a realidade da redenção significa para a dignidade e a vocação da mulher” (MD, 12). Inclusive quem escuta com atitude crítica o ensinamento da Igreja, reconhece como Cristo “se constituiu, perante seus contemporâneos, promotor da verdadeira dignidade da mulher” (MD, 12). Não é, pois, uma casualidade o fato de o capítulo sobre Cristo e as mulheres marcar o núcleo central da Mulieris Dignitatem: com efeito, é Cristo quem oferece a norma e a medida da ação dos seus discípulos.

O Santo Padre recorda com alguns exemplos como Jesus restabelece a ordem alterada pelo pecado, como reconcilia o homem com Deus e com os outros homens, como promove a justiça acolhendo especialmente os débeis. Entre os setores da população mais expostos à injustiça destacam-se, no judaísmo tardio, as mulheres, às quais nem sequer era reconhecida plenamente uma personalidade madura. Pesquisas recentes mostraram, entre outras coisas, que o lugar da mulher na casa não era com o marido, mas ao lado dos filhos e dos escravos. O estudo da Lei lhes era inclusive expressamente proibido. Um famoso rabino formulou assim esta proibição: “melhor queimar as palavras da Torá, antes que confiá-las a uma mulher”[13].

Cristo opôs-se radicalmente a semelhante discriminação. A sua conduta mostra-o não apenas totalmente livre dos preconceitos sociais da época, mas também positivamente disposto a testemunhar, através de relações espontâneas e diretas, que Deus ama qualquer criatura “por si mesma” (MD, 13). No acolhimento de Jesus às mulheres, os contemporâneos não conseguiram ver um testemunho da igualdade dos dois sexos; assim, alguns se escandalizaram; os próprios discípulos “se maravilharam” (Jo 4, 27). Mas Ele tinha vindo liberar o homem, e não se deixou limitar pelos convencionalismos e considerações de oportunidade, que teriam desnaturalizado a sua missão salvadora. Os motivos que fizeram de Cristo “sinal de contradição” (Lc 2, 334) foram eminentemente teológicos e faziam referência à sua própria personalidade divina; mas entre as razões de tão tenazes oposições aparece a sua misericórdia para com as mulheres e, em particular, para com as que eram consideradas “pecadoras públicas”. Com relação a semelhantes situações, João Paulo II sublinha a atualidade do problema recordando o perpetuar-se do juízo discriminatório que ainda tende a fazer da mulher a única culpada e condena-a a pagar “sozinha”, enquanto esquece as transgressões ou os abusos do homem que a abandona com sua maternidade, rejeita a própria responsabilidade diante da nova vida e não raramente a empurra ao aborto (cfr. MD, 14).

E além de tudo isso, Cristo compromete profundamente as mulheres no plano da redenção, chamando-as a colaborarem na instauração do reino (MD, 15): fá-las participantes da mensagem evangélica não só através da transmissão da fé, mas ainda lhes confia um papel de destaque no anúncio da salvação. É impressionante naquele tempo que Ele se entretenha em dialogar com as mulheres sobre os mistérios de Deus. E elas respondem-lhe mostrando uma especial sensibilidade, que João Paulo II define como “autêntica ressonância da mente e do coração” (MD, 15). É uma resposta de fé que supera qualquer obstáculo e oferece a prova definitiva do sim aos pés da Cruz. Na hora suprema são as mulheres que dão o testemunho mais vigoroso de união com Cristo. “Nesta, que foi a mais dura prova de fé e de fidelidade, as mulheres se mostraram mais fortes que os apóstolos” (MD, 15).

Elas foram também as primeiras que testemunharam a Ressurreição. Os acontecimentos da manhã de Páscoa confirmam que Cristo confia sobretudo às mulheres o anúncio da Boa Nova restituindo-lhes assim plenamente a sua dignidade. Não surpreende que a defesa da igual dignidade dos filhos de Deus e da “nova medida” alcançada em Cristo pela peculiar vocação da mulher, realizada pelo Santo Padre, no n. 16 da Mulieris Dignitatem, tenha levado a chamá-la de um documento do feminismo cristão.

Jutta Burggraf


[4] Cfr. SÃO THOMAS DE AQUINO, S. Th. I, qq. 28-38; SANTO ALBERTO MAGNO, S. Th. I, tr 9, qq. 37 ss; Ed. Col. (1951 ss), 34, 1.

[5] Cfr. M. DALY, Jenseits von Gottvater, München 1980 (Boston 1973).

[6] Cfr. CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Quis dives salvetur? 37, 2 ss: PG 9, 642 ss.

[7] Cfr. B. FLAD-SCHNORRENBERG, Der wahre Unterschied. Frau sein-angeboren oder angelernt? Freiburg 1978 ; F. MERZ, Geschleschtsunterschiede und ihre Entwicklung. Lehrbuch der differenziellen Pyschologie III, Göttingen 1979 ; E. SULLEROT, die Wirklichkeit der Frau, Paris 1978.

[8] Cfr. CONCÍLIO VATICANO II, Const. Past. Gaudium et Spes, n. 13.

[9] Ibid., n. 29

[10] Ibid., n. 9; cfr. também MD, 1

[11] JOSEMARIA ESCRIVÁ, Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, n. 87.

[12] Cfr. SANTO AMBRÓSIO, De institutione virginum, V, 33: PL 16, 313.

[13] Cfr. G. SIEGMUND, Die Stellung der Frau in der Welt von heute, Stein am Rhein 1981, p. 54.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/para-um-feminismo-cristao-reflexoes-sobre-a-carta-apostolica-mulieris-dignitatem/

A palavra como veículo de fraternidade, não de ódio

O apelo de Francisco à fraternidade (Vatican News)

A PALAVRA COMO VEÍCULO DE FRATERNIDADE, NÃO DE ÓDIO

21/09/2022

Dom Arnaldo Carvalheiro Neto
Bispo Diocesano de Jundiaí

A convivência fraterna precisa ser buscada e não se conhece melhor instrumento para isso que a palavra. É claro que ações concretas surtem efeitos e são necessárias, mas mesmo estas devem ser precedidas de palavras. A quadra histórica que vivemos está marcada pelo discurso de ódio – que, ironicamente, reforça a ideia do poder da palavra -, pelo rechaço violento do irmão que pensa diferente, pela forjadura e a disseminação de mentiras. Trata-se de uma guerra fratricida criada em nome da busca pelo poder, que vai arrastando incautos para sua jornada cruel.

A lucidez e a percepção temporal do Papa Francisco captaram o uso recorrente da palavra como veículo de ódio, em substituição ao seu papel como difusora do amor fraterno, como ferramenta de aproximação entre pessoas cujos credos, raças e ideologias são diferentes, mas que se encontram no mesmo patamar diante do amor divino. Somos todos irmãos e como irmãos deveríamos conviver, daí a encíclica papal Fratelli Tutti.

Todo destaque midiático e pronunciamentos de indignação serão pouco para repudiar o assassinato a facadas de um homem por outro, como vimos há poucos dias em Confresa (MT), motivado por antagonismo político-partidário. Por que tentar impor crenças ao próximo e, quando esse empenho revela-se inglório, tirar lhe a vida?

Vê-se o ódio sobrepor-se ao amor, a intolerância derrotar o respeito.

Na Fratelli Tutti, o Papa lembra que São Francisco de Assis “não se envolveu na guerra dialética impondo doutrinas, mas comunicou o amor de Deus. Ele despertou o sonho de uma sociedade fraterna”. E é da Oração de São Francisco que extraímos a mais contundente mensagem sobre uso da palavra como arma do amor: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu leve a fé. Onde houver erro, que eu leve a verdade. Onde houver desespero, que eu leve a esperança. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria. Onde houver trevas, que eu leve a luz!”

O acirramento dos ânimos comum aos períodos eleitorais não pode nos distanciar da mensagem de fraternidade contida na Fratelli Tutti e no exemplo de abnegação de São Francisco. Tampouco pode nos obnubilar a visão diante das profundas injustiças sociais que nos afligem desde sempre e que, provavelmente, não desaparecerão após o pleito eleitoral, como num passe de mágica.

Os candidatos permanecem no terreno do discurso predominantemente populista e demagógico, sem discutir com profundidade projetos para superação dos graves problemas que afligem nosso povo. É tarefa cidadã e cristã denunciar essa triste realidade, como fez a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na Mensagem da CNBB ao Povo Brasileiro sobre o Momento Atual, por ocasião de sua 59ª Assembleia Geral, em Aparecida.

Claro e cristalino, eis um trecho da mensagem da CNBB:

“Vítimas de uma economia que mata, celebramos as conquistas desses 200 anos de independência conscientes de que condições de vida digna para todos ainda constituem um grande desafio. É necessário o compromisso autêntico com a verdade, com a promoção de políticas de Estado capazes de contribuir de forma efetiva para a diminuição das desigualdades, a superação da violência e a ampliação ao acesso a teto, trabalho e terra. Comprometidos com essas conquistas e inspirados pela cultura do diálogo e do encontro, podemos ser uma nação realmente independente e soberana”.

Não escapa a nós, bispos brasileiros, o impacto destrutivo que a mentira – sob a forma de fake news – exerce sobre a democracia, bem como a escravização mental de fiéis com fins eleitorais: “É motivo de preocupação a manipulação religiosa e a disseminação de fake news que têm o poder de desestruturar a harmonia entre pessoas, povos e culturas, colocando em risco a democracia. A manipulação religiosa, protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com o Evangelho e com a verdade”.

 Mãos à obra, fratelli, para que a palavra passe a nos unir em Deus e não mais nos dividir!

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

Santa Hildegarda de Bingen

Santa Hildegarda de Bingen (A12)

Santa Hildegarda de Bingen

17 de setembro

 Santa Hildegarda von Bingen nasceu em 1098, na Alemanha, em uma família nobre. Desde criança, foi levada ao Mosteiro de Disibodenberg, onde recebeu formação religiosa sob a orientação de Jutta von Sponheim. Nesse ambiente monástico, Hildegarda cresceu em espiritualidade e conhecimento, preparando-se para uma vida de entrega a Deus.

Muito cedo, destacou-se por sua inteligência e múltiplos talentos. Foi escritora, médica, pintora, musicista, dramaturga e, sobretudo, mística. Suas visões a tornaram conhecida como a “sibila do Reno” (sibila = profetisa) e, com a permissão de seus superiores, passou a ditar obras como o “Liber Scivias”, que ainda hoje inspira fiéis e estudiosos.

Suas composições musicais, reunidas em “Symphonia celestium revelationum”, continuam sendo executadas em concertos em todo o mundo. Além disso, escreveu peças teatrais e dirigia encenações com as monjas, unindo fé, arte e reflexão. Tornou-se abadessa e fundou comunidades monásticas, como os mosteiros de Bingen e Eibingen, que marcaram sua missão.

Hildegarda também se dedicou às ciências da natureza. Foi pioneira no estudo das propriedades medicinais das plantas e na produção de remédios naturais. Seu trabalho é considerado precursor da homeopatia. No campo da alimentação, inovou ao incluir o lúpulo na cerveja, reconhecendo seus efeitos conservantes e medicinais.

Apesar de falecida em 1179, sua santidade foi reconhecida oficialmente apenas em 1584, pelo Papa Gregório XIII. Em 2012, o Papa Bento XVI a proclamou Doutora da Igreja, título concedido a santos cujos ensinamentos têm grande relevância para toda a Igreja.

A vida de Hildegarda continua a inspirar gerações. Em 2009, sua história foi retratada no filme Vision, da diretora Margarethe von Trotta, com a atriz Barbara Sukowa no papel principal. Sua memória é celebrada no dia 17 de setembro, e sua obra permanece viva como testemunho de fé, inteligência e dedicação a Deus.

Reflexão:

A espiritualidade de Santa Hildegarda nos recorda que a fé não se separa da vida, mas ilumina todas as dimensões do existir. Em sua obra e em suas visões, ela nos mostra como a criação reflete a presença de Deus e como a ciência, a arte e a mística podem caminhar juntas em harmonia com a fé. Sua vida testemunha que o cristão é chamado a integrar conhecimento e espiritualidade em favor da vida. Seu exemplo nos convida a viver com coragem, discernimento e confiança na ação do Espírito Santo. Hildegarda soube transformar seus dons em serviço, colocando-os a serviço da comunidade e da Igreja. Ela nos ensina que cada um, com os talentos que recebeu, pode colaborar com a obra de Deus no mundo e participar do cuidado da criação e da promoção do bem comum.

Oração:

Oração a Santa Hildegarda Santa Hildegarda, a senhora realizou inúmeros feitos nesta Terra e tudo o que você fez, foi por amor e obediência ao Nosso Senhor, Jesus Cristo. Sou imensamente grato(a) pelo teu exemplo, pois ele me anima, fortifica a minha alma e traz esperanças ao meu coração. Através de teu exemplo, nobre Santa Hildegarda, eu tomo consciência que, assim como você fez, eu também sou capaz de vencer os obstáculos que aparecem em minha vida com discernimento, sabedoria e coragem. Confiante na Presença de Amor Infinito de Deus em minha vida e em meu coração, eu sei que quando eu permito, o Senhor guia meus passos, minha inteligência e minhas ações segundo a Sua Vontade e assim, a Vitória em minha vida é uma certeza, pois com Deus, somos sempre vitoriosos(as). Hoje, diante de ti, eu venho aqui pedir a tua intercessão para (dizer a intenção) pois sei que você é capaz de ajudar-me neste pedido que te rogo agora. Querida Santa Hildegarda, ajude-me a vencer minhas fraquezas e vícios, ajuda-me a fortalecer minha força de vontade e sobretudo, ajude-me a seguir com integridade e coragem, na missão de vida que Deus me confiou. Assim como você trouxe a visão para uma criança cega, ao lavar seus olhos com a água do rio Reno, eu te imploro: lave também meus olhos com a sagrada água vinda dos Céus e cure-os de todo o mal (físico ou espiritual) que possa afastar-me do caminho de Deus. Que eu tenha olhos de ver! Santa Hildegarda, eu te agradeço profundamente as dádivas que tem trazido em minha vida e também estas que te pedi aqui com o coração aberto e sincero. Muito obrigado(a) Santa Hildegarda de Bingen, por sua presença em minha vida. Amém!

Fonte: https://www.a12.com/

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF