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terça-feira, 7 de outubro de 2025

Por que a mão dos seres humanos é especial — e o maior desafio para robôs 'perfeitos' (Parte 1/2)

Nossas mãos realizam milhares de tarefas complexas todos os dias — será que a inteligência artificial pode ajudar os robôs a se equiparar a elas? (Crédito: Getty Images)

Por que a mão dos seres humanos é especial — e o maior desafio para robôs 'perfeitos'

Autor: Claudia Baxter

De BBC Future

27 janeiro 2025

A mão humana é uma das partes do corpo mais surpreendentemente sofisticadas e fisiologicamente intrincadas. Ela tem mais de 30 músculos, 27 articulações e uma rede de ligamentos e tendões que proporcionam 27 eixos de movimento. Há mais de 17 mil receptores de toque e terminações nervosas somente na palma da mão. Esses recursos permitem que nossas mãos executem uma variedade impressionante de tarefas altamente complexas por meio de uma ampla gama de movimentos diferentes.

Mas não é preciso dizer nada disso a Sarah de Lagarde.

Em agosto de 2022, ela estava no topo do mundo. Tinha acabado de escalar o Monte Kilimanjaro com o marido, e estava em excelente forma. Mas apenas um mês depois, ela se viu deitada em um leito de hospital, com ferimentos terríveis.

Ao voltar para casa depois do trabalho, De Lagarde escorregou e caiu entre um vagão do metrô e a plataforma na estação High Barnet, em Londres. Esmagada pelo trem que partia e por outro que entrava na estação, ela perdeu o braço direito abaixo do ombro, e parte da perna direita.

Após o longo processo de recuperação, o NHS, serviço público de saúde britânico, ofereceu a ela uma prótese de braço, mas ela proporcionava pouco em termos de movimento normal da mão. Em vez disso, parecia priorizar a forma, em detrimento da funcionalidade.

"Não se parece com um braço de verdade", diz ela.

"Meus filhos acharam assustador."

A prótese apresentava apenas uma única articulação no cotovelo, enquanto a mão em si era uma massa estática na extremidade. Durante nove meses, ela lutou para realizar as tarefas diárias, até que foi oferecido a ela algo transformador: um braço biônico movido a bateria que utiliza inteligência artificial (IA) para prever os movimentos que ela deseja, detectando minúsculos sinais elétricos de seus músculos.

"Toda vez que faço um movimento, ela aprende", explica De Lagarde.

"A máquina aprende a reconhecer os padrões e, por fim, transforma em inteligência artificial generativa, quando começa a prever qual será meu próximo movimento."

Até mesmo pegar algo tão simples como uma caneta, e movê-la por nossos dedos até adotar uma posição para escrever envolve uma integração perfeita entre o corpo e o cérebro. As tarefas manuais que realizamos sem pensar exigem uma combinação refinada de controle motor e feedback sensorial — desde abrir uma porta até tocar piano.

Com esse nível de complexidade, não é de se admirar que as tentativas de igualar a versatilidade e a destreza das mãos humanas tenham sido evitadas por profissionais médicos e engenheiros durante séculos. Desde a rudimentar mão de ferro com mola de um cavaleiro alemão do século 16 até a primeira mão robótica do mundo com feedback sensorial criada na Iugoslávia na década de 1960, nada chegou perto de se equiparar às habilidades naturais da mão humana. Até agora.

Os avanços na inteligência artificial estão dando início a uma geração de máquinas que estão chegando perto de corresponder à destreza humana. Próteses inteligentes, como a que De Lagarde recebeu, podem antecipar e refinar os movimentos.

Os robôs de colheita de frutas macias são capazes de colher um morango em um campo e colocá-lo delicadamente em uma caixinha com outras frutas sem amassá-las. Os robôs guiados por visão conseguem até mesmo extrair cuidadosamente resíduos nucleares de reatores. Mas será que eles podem realmente competir com as incríveis capacidades da mão humana?

Inteligência artificial integrada

Recentemente, dei à luz minha primeira filha. Poucos instantes após chegar ao mundo, sua pequena mão envolveu suavemente o dedo indicador do meu companheiro. Incapaz de focar o olhar em algo que esteja a mais do que alguns centímetros à sua frente, seus movimentos de mão e braço são limitados, em geral, a reflexos involuntários que permitem que ela segure um objeto quando ele é colocado na sua palma da mão. Essa é uma ilustração adorável da sensibilidade da nossa destreza, mesmo em nossos primeiros momentos de vida — e sugere o quanto ela melhora à medida que crescemos.

Nos próximos meses, a visão da minha filha vai avançar o suficiente para dar a ela percepção de profundidade, enquanto o córtex motor de seu cérebro vai se desenvolver, oferecendo maior controle sobre seus membros. Suas pegadas involuntárias vão dar lugar a ações de agarrar mais deliberadas, com suas mãos enviando sinais de volta ao cérebro, permitindo que ela faça ajustes finos no movimento à medida que sente e explora o mundo ao seu redor. Serão necessários vários anos de esforço determinado, tentativas, erros e brincadeiras para que minha filha atinja o nível de destreza manual que os adultos possuem.

E, assim como um bebê que aprende a usar as mãos, os robôs habilidosos que utilizam inteligência artificial integrada seguem um roteiro semelhante. Esses robôs devem coexistir com seres humanos em um ambiente e aprender a realizar tarefas físicas com base na experiência anterior. Eles reagem ao ambiente e ajustam seus movimentos em resposta a essas interações. A tentativa e o erro desempenham um papel importante nesse processo.

"A IA tradicional lida com informações, enquanto a IA integrada percebe, entende e reage ao mundo físico", diz Eric Jing Du, professor de engenharia civil da Universidade da Flórida, nos EUA.

"Essencialmente, ela oferece aos robôs a capacidade de 'ver' e 'sentir' o ambiente ao seu redor, permitindo que eles realizem ações de maneira semelhante à humana."

Mas essa tecnologia ainda está engatinhando. Os sistemas sensoriais humanos são tão complexos, e nossas habilidades perceptivas tão hábeis, que reproduzir a destreza no mesmo nível da mão humana continua sendo um grande desafio.

"Os sistemas sensoriais humanos podem detectar pequenas mudanças e se adaptar rapidamente às mudanças nas tarefas e nos ambientes", acrescenta Du.

"Eles integram vários inputs sensoriais, como visão, tato e temperatura. Atualmente, os robôs não têm esse nível de percepção sensorial integrada."

A mão humana é surpreendentemente sofisticada e fisiologicamente intrincada (Crédito: Getty Images)

Mas o nível de sofisticação está aumentando rapidamente. Veja o robô DEX-EE. Desenvolvido pela Shadow Robot Company em colaboração com o Google DeepMind, é uma mão robótica com três dedos que usa drivers do tipo tendão para obter 12 eixos de movimento. A equipe por trás do DEX-EE, projetado para "pesquisa de manipulação hábil", espera demonstrar como as interações físicas contribuem para o aprendizado e o desenvolvimento da inteligência generalizada.

Cada um de seus três dedos contém sensores na ponta do dedo, que fornecem dados tridimensionais em tempo real sobre o ambiente, além de informações sobre sua posição, força e inércia. O dispositivo pode manusear e manipular objetos delicados, incluindo ovos e balões inflados, sem danificá-los. Ele aprendeu até mesmo a apertar as mãos — algo que exige que reaja à interferência de forças externas e situações imprevisíveis. No momento, o DEX-EE é apenas uma ferramenta de pesquisa, e não para ser usado em situações reais de trabalho em que poderia interagir com seres humanos.

Mas entender como realizar essas funções vai ser essencial à medida que os robôs se tornarem cada vez mais presentes ao lado das pessoas, tanto no trabalho quanto em casa. Com que força, por exemplo, um robô deve segurar um paciente idoso ao colocá-lo em uma cama?

Um projeto de pesquisa do Instituto Fraunhofer IFF em Magdeburg, na Alemanha, configurou um robô simples para "socar" repetidamente voluntários humanos no braço, num total de 19 mil vezes, para ajudar seus algoritmos a aprender a diferença entre uma força potencialmente dolorosa e uma confortável. Mas alguns robôs habilidosos já estão começando a aparecer no mundo real.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce8y137mz3xo

Papa, em oração, pede união entre as religiões em um mundo ferido por conflitos

O vídeo do Papa (Vatican News)

No vídeo de intenção de oração de outubro, Leão XIV pede para rezarmos juntos "para que os crentes de diferentes tradições religiosas trabalhem juntos para defender e promover a paz, a justiça e a fraternidade humana". As religiões precisam ser "fermento de unidade em um mundo fragmentado", marcado por tantos conflitos e polarizações, diz Leão XIV ao convidar os que creem a buscar o que nos une e justamente no mês em que se celebra o aniversário de 60 anos do documento conciliar Nostra aetate.

https://youtu.be/TsnelqJNY7Y

Andressa Collet - Vatican News

“Rezemos para que as pessoas de diferentes tradições religiosas trabalhem juntas para defender e promover a paz, a justiça e a fraternidade humana.”

Assim começa Leão XIV na mensagem em vídeo com a intenção de oração para outubro que o Pontífice confia à Igreja Católica através da Rede Mundial de Oração do Papa. As religiões, continua ele, não devem ser usadas como “arma ou muro”, mas precisam ser vividas como “ponte e profecia”, sendo "fermento de unidade em um mundo fragmentado". Em um tempo marcado por tantos conflitos e polarizações, Leão XIV convida todos os que creem a buscar o que nos une e justamente no mês em que se celebra o aniversário de 60 anos do documento conciliar Nostra aetate.

A proposta do vídeo, que traz uma oração lida pelo Papa, também nasce em uma época em que a religião, tantas vezes, é usada pela lógica da contraposição. E o Leão XIV, ao contrário, convida a redescobri-la como ponte de fraternidade e força de reconciliação. O sentido profundo da oração é que a colaboração entre os que creem não se esgota em uma tarefa apenas de teólogos e expertos, mas se nutre no compromisso concreto e diário que diz respeito a cada um de nós.

Vários exemplos concretos são contados no vídeo, através das imagens, que entrelaçam momentos “do alto” e iniciativas “de baixo”. De um lado, o desenrolar histórico do caminho inter-religioso: o encontro histórico promovido por João Paulo II em Assis, em 1986; a visita de Bento XVI à Sinagoga de Roma, em 2010; a assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana em Abu Dhabi, em 2019, no pontificado do Papa Francisco; até aos mais recentes encontros ecumênicos do Papa Leão XIV, no Vaticano. De outro lado, porém, a intenção de oração deste mês recorda que o diálogo inter-religioso não se esgota nos encontros entre líderes: as imagens do vídeo lançam luz às experiências promovidas seja em nível local ou em âmbito eclesial, como o encontro inter-religioso organizado em Singapura, em abril deste ano, pela Cáritas e a arquidiocese, por ocasião da Jornada da Terra, ou como o evento “One Human Family” promovido pelo Movimento Focolares entre maio e junho de 2024. São dois sinais recentes e concretos de um diálogo que promove proximidade, fidelidade e cooperação cotidiana.

Nostra aetate, 60 anos de frutos

Essa intenção de oração está no horizonte das celebrações do aniversário de 60 anos da Nostra aetate, a declaração do Concílio Vaticano II que transformou o relacionamento da Igreja católica com as demais religiões, abrindo caminhos de diálogo, respeito e colaboração. Há dez anos, no aniversário de 50 anos do documento, o Papa Francisco destacou a sua atualidade, recordando que a via do diálogo requer conhecimento, respeito e estima recíprocas, e que o mundo olha aos que creem pedindo respostas eficazes para a paz, a fome, a pobreza, as crises ambientais e a violência, sobretudo aquela praticada em nome da religião. Naquele contexto, o Papa realçou também que os que creem não têm “receita” para todos os problemas, mas possuem uma grande reserva: a oração, que é o tesouro ao qual recorremos conforme as respectivas tradições.

A oração de Leão XIV no vídeo de outubro

Senhor Jesus,
Tu, que na diversidade és um só
e olhas com amor para cada pessoa,
ajuda-nos a nos reconhecermos como irmãos e irmãs,
chamados a viver, rezar, trabalhar e sonhar juntos.

Vivemos em um mundo cheio de beleza,
mas também ferido por profundas divisões.
Às vezes, as religiões, em vez de nos unirem,
tornam-se causa de confronto.

Dá-nos o teu Espírito para purificar os nossos corações,
para que possamos reconhecer o que nos une
e, a partir daí, aprender novamente a escutar
e a colaborar sem destruir.

Que os exemplos concretos de paz,
justiça e fraternidade nas religiões
nos inspirem a acreditar que é possível viver
e trabalhar juntos, para além das nossas diferenças.

Que as religiões não sejam usadas como armas ou muros,
mas vividas como pontes e profecia:
tornando possível o sonho do bem comum,
acompanhando a vida, sustentando a esperança
e sendo fermento da unidade em um mundo fragmentado.

Amém.

Um compromisso contínuo

“A temática do diálogo interreligioso está presente de modo significativo e recorrente nas intenções de oração dos Papas”, lembra o Pe. Cristóbal Fones, diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa, recordando que “isso aconteceu muitas vezes, nos anos precedentes, durante o mês de janeiro, coincidindo com a Jornada Mundial da Paz. Em 2016, por exemplo, se rezou para que  ‘o  diálogo sincero entre homens e mulheres das diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça’; em 2020, ‘para que os cristãos, os que seguem outras religiões e as pessoas de boa vontade promovam a paz e a justiça no mundo’; em 2021, ‘para que o Senhor nos dê a graça de viver em plena fraternidade com os irmãos e as irmãs de outras religiões, rezando uns pelos outros, abertos a todos’. A intenção de outubro de 2025 se insere também neste percurso, o testemunho de um caminho – o do diálogo – que está presente no coração dos Pontífices”.

“Os encontros entre líderes das várias religiões – continua Pe. Fones – dão sempre Ibope, como é justo que seja, por que dão esperança num momento em que a tentação do confronto arrisca comprometer a necessidade do encontro. Mas a oração lida neste mês pelo Papa Leão XIV nos diz que a colaboração se constrói também quando não dá Ibope, ou seja na vida vivida todos os dias: conhecer-se e respeitar-se,  aprender uns dos outros, rezar juntos pela humanidade, defender e promover a paz nos lugares em que vivemos. São estilos de vida cotidiana que todos podemos escolher: buscar o que nos une e trabalhar pelo bem comum, juntamente com irmãos e irmãs que professam uma fé diferente. Assim os que creem se tornam artesãos de paz e de fraternidade”.

Recordamos finalmente que, no contexto do Ano Santo 2025, o Vídeo do Papa adquire uma importância particular, porque nos faz conhecer as intenções de oração que o Santo Padre carrega no seu coração. Para obter a graça da indulgência jubilar, você poderá rezar por estas intenções.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Casamento: compromisso que não pode se apoiar nestas 6 más razões

PeopleImages I Shutterstock

Mathilde de Robien - publicado em 06/10/25

Angústia da solidão, gravidez inesperada, medo de magoar… O matrimônio é um compromisso total, de todo o ser e para toda a vida, e não pode se apoiar em más razões. Isso leva cedo ou tarde à decepção.

Existem inúmeras boas razões para se casar: o desejo recíproco, a vontade de formar uma família, a promessa de ter um companheiro nos momentos de alegria e um apoio nos momentos de dor, o desejo de fazer o outro feliz, a possibilidade de dar, por meio do sacramento do matrimônio, um lugar a Cristo no coração do casal… Mas há também más razões que convém identificar antes de embarcar nessa grande aventura. Pois desse discernimento depende a alegria da vida conjugal.

Adélaïde e Michel Sion, animadores das sessões de preparação para o matrimônio “Construir a casa sobre a rocha”, enumeram algumas dessas más razões em seu livro Doar-se para toda a vida! (Le Laurier). São questões a se colocar a sós, no segredo da alma, quando se inicia uma relação amorosa em vista do matrimônio.

1 - MEDO DE MAGOAR

Esse sentimento pode parecer louvável à primeira vista, mas não tem o peso suficiente diante do compromisso que o matrimônio exige. Não se casa para agradar ao noivo ou à família. A dor causada será muito maior se um divórcio ocorrer anos depois. Se não nos sentimos prontos para amar o outro tal como ele é por toda a vida, é necessário superar a apreensão e romper o noivado, por mais difícil que seja. O desafio é grande demais para se engajar apenas pela metade.

2 - MEDO DE PERMANECER SOLTEIRO

© Shutterstock

Os anos passam e o celibato continua dolorosamente… “O medo de permanecer sozinho pode levar alguém a casar-se com a primeira pessoa encontrada, sem discernimento suficiente”, constatam Adélaïde e Michel Sion. Não é bom que o homem esteja só, mas também não se casa apenas para evitar a solidão. “Uma forma de se preparar para o matrimônio é já aprender a viver feliz consigo mesmo”, aconselham os autores.

3 - VONTADE DE SE AFIRMAR OU DE SE EMANCIPAR

Às vezes há quem queira casar-se apenas para sair de casa, escapar de pais autoritários ou com quem não se dá bem. Também pode ser uma forma de provar ao entorno que se é digno de ser amado. Outra má razão é querer casar-se antes de irmãos ou irmãs mais novos. Todas essas motivações geram discernimento apressado, marcado por razões que não se sustentam no tempo.

4 - GRAVIDEZ INESPERADA

Por medo do escândalo ou pelo desejo de oferecer pais unidos a um filho que chegou antes do previsto, alguns casais se casam sem discernimento totalmente livre. “É melhor esperar o nascimento do bebê para tomar uma decisão refletida, no silêncio e na serenidade: o bebê, por si só, não faz o casamento”, afirmam Adélaïde e Michel Sion.

5 - CASAR-SE POR PIEDADE

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Como um verdadeiro “cão São Bernardo”, sempre pronto a ajudar os outros, alguém pode sentir vontade de se casar para “salvar” o outro, ou ao menos ajudá-lo. Mas isso é uma má concepção do matrimônio. “Ainda que a compaixão seja um sentimento muito nobre, tal casamento está fadado ao fracasso, tanto como união conjugal quanto como obra de caridade”, dizem os animadores.

6 - REMÉDIO PARA PROBLEMAS PSICOLÓGICOS

Algumas pessoas com dificuldades psicoafetivas (depressão, bipolaridade, esquizofrenia…) podem pensar que o matrimônio será, por si só, um remédio. Para Adélaïde e Michel Sion, isso é uma ilusão. “O que elas devem considerar, ao contrário, é a grave injustiça que podem cometer em relação ao parceiro, que ignora a situação real”, sublinham.

Em certos casos, quando a doença não é escondida e o cônjuge está ciente, podem nascer belas histórias de amor. Mas quando a doença é ocultada de forma intencional, para enganar o outro, trata-se de dolo. Ora, um matrimônio contraído com dolo é nulo segundo a lei civil e a lei da Igreja.

Fonte: https://pt.aleteia.org/2025/10/06/casamento-compromisso-que-nao-pode-se-apoiar-nestas-6-mas-razoes/

A fé que toca o coração

O justo viverá pela fé (Grupo Ruah)

A FÉ QUE TOCA O CORAÇÃO

03/10/2025

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

Os apóstolos pedem com simplicidade que lhes aumente a fé, em Lc 17,5. Um pedido que nasceu no contexto de uma exigência concreta. Jesus acabava de falar sobre escândalos e sobre perdoar repetidas vezes no mesmo dia. Eles percebem que, sem um dom do alto, não conseguiriam viver esse compasso da misericórdia. 

A resposta do Senhor desloca o eixo. Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis à amoreira de raízes profundas que se arranque e se plante no mar, e ela obedecerá.  

O acento não recai sobre uma medida maior, mas sobre a vida contida naquele mínimo. O grão é pequeno, porém vivo, a fé também. Não é um esforço psicológico que inflamos com a vontade, mas virtude que Deus infunde para nos ligar a Ele e tornar possível muitas coisas. 

Jesus, como usual, usa imagens que falam à memória do povo. A amoreira é árvore de vida longa e raízes tenazes, plantá-la no mar é algo que ninguém consegue. É uma imagem que toca aquilo que mais nos amarra por dentro: rancores antigos, amarguras que dominam a alma, estruturas de pecado e de costume. É nesse ponto que o ensino sobre a fé encontra o pedido dos apóstolos. Para perdoar setenta vezes, para não devolver na mesma moeda, para começar de novo com o irmão que fere, é preciso um princípio de vida que não nasce de nós. 

A fé é esse princípio. Vem de Deus, volta a Deus e, no caminho, dá ao nosso agir uma perseverança que excede o cálculo. 

O texto de Lucas sugere ainda outra ligação. Logo depois do grão de mostarda, Jesus conta a pequena parábola do servo que cumpre o seu trabalho e, ao final, diz apenas que fez o seu serviço. Há quem leia este texto com dureza, mas eu o vejo como uma pedagogia da vida espiritual. A fé não forja pessoas que exigem bônus, forma discípulos que, por estarem unidos ao Senhor, perseveram. A virtude teologal da fé dá ao coração luz para crer, mas também forma para perseverança. Ela opera escondida, como semente em terra boa. Sustenta gestos repetidos, discretos e custosos. Ensina a atravessar dias longos com caridade persistente. É aqui que a Escritura conversa com a literatura e que Victor Hugo se aproxima do Evangelho. 

Em Os Miseráveis, a vida de Jean Valjean é tocada pela graça quando o bispo Myriel lhe oferece pão, abrigo e lhe olhou com fé para selar o perdão. O condenado de alma endurecida aprendeu a respirar de novo. O bem, porém, não lhe chega como facilidade. Vem como tarefa diária.  

Depois do encontro com alguém que redirecionou o seu peso interior, Valjean persevera quando decide tornar-se Monsieur Madeleine e criar trabalho para outros. Persevera quando se inclina sobre Fantine e carrega os custos das escolhas malfeitas de toda uma cidade. Persevera quando resgata Cosette e, depois, quando a protege do olhar severo da lei. Persevera quando desce o esgoto de Paris com o corpo de Marius nos braços. Nada disso é espetáculo. É mais como o grão de mostarda que, no íntimo, empurra as raízes para baixo para subir em busca de luz. 

Hugo constrói em Valjean um retrato moral que a teologia reconhece. A graça operante de Deus o alcança e a graça cooperante sustenta as suas decisões seguintes. Fé e caridade entram em regime de aliança. A fé vê e confia. A caridade age e se entrega. Um homem comum, ferido por dentro, passa a insistir no bem quando ninguém o vê e quando tudo parecia perdido. 

Javert, sua antítese, representa a rigidez da letra que não se converte. Valjean encarna a paciência do justo que aprendeu com a misericórdia a fazer justiça de outro modo. Não se trata de opor justiça e misericórdia, mas de mostrar como a fé teologal ordena o coração para Deus e, ao fazê-lo, dá ao justo um horizonte que a norma sozinha não alcança.  

A exegese de Lucas ajuda a compreender por que o romance nos comove. Quando os apóstolos pedem aumento de fé, usam um verbo que exprime adição. Jesus devolve um grão, não um monte. Indica que o essencial não é medir, mas viver. O grão guarda um dinamismo que não se fabrica. A semente não se convence a germinar por decreto, ela recebe e, recebendo, responde. Assim é a fé. Deus a dá, nós a acolhemos e, acolhendo, descobrimos que é possível recomeçar, suportar, entregar, perdoar. 

A amoreira que parecia impossível de arrancar começa a ceder. 

A parábola da amoreira plantada no mar ganha então um rosto. Um homem, num mundo duro, escolhe não odiar quem o perseguiu. Escolhe abrigar uma criança. Escolhe calar o que traria louros fáceis. Escolhe caminhar na noite segurando o peso de outro corpo. Ninguém aplaude nos becos de Paris. Mas Deus vê e fortalece. Essa persistência não é teimosia moral. É a peça interior de uma vida visitada por Deus. É aquilo que a Igreja chama virtude teologal. Vem de Deus. Aponta para Deus. Suporta tudo porque participa da fidelidade de Deus. 

Talvez seja essa a lição mais urgente de Lucas. Pedir fé é confessar que não podemos por nós mesmos. Receber a fé é aprender que Deus faz crescer o que semeia. Perseverar na fé é descobrir que o bem não se sustenta apenas com argumentos. Sustenta-se com uma vida unida ao Senhor, mesmo quando falhamos e a noite pesa. No romance, a cidade muda devagar ao redor de Valjean. No Evangelho, o mundo muda devagar ao redor de quem perdoa de novo. O mar permanece mar. Mas, aqui e ali, árvores antigas começam a surgir. 

No fim, a fé como virtude teologal nos devolve uma verdade simples e alta. O que nos faz permanecer não é o tamanho da nossa força, é a vida de Deus em nós. O grão é pequeno, o seu impulso, não. Quando essa vida toca um indivíduo, ele não se limita a evitar o mal, mas aprende a fazer o bem com paciência. Aprende a recomeçar, aprende a não cansar de perdoar. É assim que a amoreira se levanta das entranhas da terra e vai repousar nas mãos de Deus. É assim que a cidade dos homens ganha frestas de luz. É assim que a fé cumpre sua promessa. 

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

EXEGESE: Sua verdadeira carne transfigurou (Parte 2/2)

A Transfiguração do Senhor (ACI Digital)

Arquivo 30Dias n 12 - 2001

Relatório do Prefeito da Biblioteca Ambrosiana na conferência sobre "O Rosto dos Rostos"

Sua verdadeira carne transfigurou

"O Cristo glorioso não apaga a verdade da Encarnação." Publicamos o relatório do Prefeito da Biblioteca Ambrosiana no congresso sobre "O Rosto dos Rostos", realizado em outubro de 2001 na Pontifícia Universidade Urbaniana. O congresso, organizado pelo Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Rosto de Cristo, publicou um volume com as atas.

por Gianfranco Ravasi

Os três espectadores

Pedro, Tiago e João, na solene epifania do protagonista são três atores que têm uma importância particular nos Evangelhos. Trata-se de um grupo privilegiado que, em diversas ocasiões, ocupa posição de destaque, a ponto de constituir, como observou o exegeta Joachim Gnilka (4), "os portadores especiais da revelação de Cristo". Na mesma lista dos Doze, emerge esse tipo de primazia: "Simão, a quem pôs o nome de Pedro; depois Tiago, filho de Zebedeu; e João, irmão de Tiago, a quem pôs o nome de Boanerges, isto é, filhos do trovão" ( Mc 3,16-17). Quando Jesus testemunhou a ressurreição da filha de Jairo, "não permitiu que ninguém o seguisse, exceto Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago" ( Mc 5,37). Mesmo na noite escura do Getsêmani, "levou consigo Pedro, Tiago e João..." ( Mc 14,33).

Em nossa narrativa, a lista apresenta algumas variações: Pedro, Tiago e João ( Mt 17,1; Mc 9,2); Pedro, João e Tiago ( Lc 9,28). O que permanece é a primazia de Pedro (cf. Mt 10,2) que também tem a função de porta-voz em nosso “drama”. De fato, a sua é a única declaração que vem da terra e se cruza com a celestial: “ kyrie , rabbi , epistáta , é bom para nós estarmos aqui”; isso é seguido, com pequenas variações de acordo com os três sinóticos, pela proposta de erguer três tendas, uma para cada um dos três atores da teofania, Jesus, Moisés e Elias. Não é nossa tarefa, aqui, buscar as razões para tal reação que, entre outras coisas, é rotulada como sem sentido por Marcos ( Mc 9.6), nem isolar sua matriz simbólica ou sinaítica ou sua conexão com a solenidade dos Tabernáculos ( Lv 23.42; Zc 14.16-19) ou com as “moradas eternas” ( Lc 16.9). Evidentemente, as palavras de Pedro são marcadas por um equívoco: o discípulo deseja conservar para sempre aquele antegozo da bem-aventurança celestial, evitando assim seguir o caminho da cruz e apagando a Paixão e a Morte. Os três, de fato, são envolvidos pela luminosa nuvem teofânica, participando assim da intimidade divina e, após terem ouvido a voz celestial, prostram-se no chão e são tomados pelo medo ( Mt 17,6-7), típico das experiências epifânicas ( Lc 1,12; 1,29; 2,9; 5,10; 8,35). Esses são os traços característicos dos "apocalipses" divinos ( Dn 8,17; 10,9-10; Ap 1,17).

Os três discípulos, portanto, experimentam uma verdadeira entrada no transcendente e no misterioso na montanha, e é Jesus quem os traz de volta, com seu toque e seu clássico chamado a "não temer" nas teofanias, à história na qual o caminho da Encarnação deve se cumprir. Uma história que inclui, precisamente, o sofrimento ( Mt 17,12) e a morte ( Mt 15,23). Dessa experiência exaltante, porém, um eco permanecerá no coração de Pedro, como atesta uma passagem da Segunda Carta que a tradição atribuiu ao apóstolo: "... nós fomos testemunhas oculares da grandeza [de nosso Senhor Jesus Cristo]. Ele recebeu honra e glória de Deus Pai, quando esta voz lhe foi dirigida da Glória Majestosa: 'Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo'. Nós ouvimos essa voz vinda do céu, enquanto estávamos com ele no monte santo..." ( 2Pe 1,16-18).

As duas grandes testemunhas, Moisés e Elias

No centro da epifania que tem Jesus como protagonista estão também duas grandes testemunhas da Primeira Aliança, de facto, «os mediadores extremos da Aliança: eles representam o início e o fim da história que se realiza em Jesus, juiz escatológico» (assim escreve um comentador do Evangelho de Mateus, Jean Radermakers).(5)
Curiosamente, Marcos inverte os dois personagens, talvez para enfatizar a tipologia profético-eliana com a qual o Rosto de Jesus é frequentemente retratado nos Evangelhos. A ordem histórico-tradicional, no entanto, antecipa a figura de Moisés, o legislador do Sinai. De fato, se seguirmos a orientação do Êxodo até o Sinai, perceberemos que não faltam alusões possíveis presentes em nossa cena. Moisés também sobe a montanha acompanhado por três discípulos escolhidos, Aarão, Nadabe e Abiú ( Êx 24:1,9); mesmo na teofania do Sinai há menção ao último dia, quando Deus chama Moisés ( Êx 24:16). A nuvem e o fogo, semelhantes à nuvem luminosa da Transfiguração, aparecem como sinal da Glória do Senhor ( Êx 24:16-17). E Moisés, como Cristo, também terá um rosto resplandecente depois de ter estado em comunicação com Deus ( Êx 34:29).

Se Moisés é por excelência a encarnação da lei divina que revela a Israel, Elias representa a profecia que idealmente começa com ele. Uma profecia que é lida no Novo Testamento como um dedo apontando para Cristo, tanto que imediatamente após a Transfiguração, "enquanto desciam do monte", Jesus declara que "Elias já veio" e os discípulos entendem que "ele estava falando de João Batista" ( Mt 17,12-13). Elias, portanto, é o Precursor por excelência com sua palavra. Mas ele também o é com sua morte gloriosa, que se revela como uma ascensão ao céu ( 2 Reis 2,11), antecipando a de Cristo. De fato, dessa perspectiva, até mesmo Moisés pode ser envolvido, pois sua morte do túmulo misterioso ( Dt 34,5-6) foi interpretada pela tradição judaica como uma assunção à glória divina (daí a apócrifa Assunção de Moisés ) e a própria tradição judaico-cristã ( Jd 9) seguiu essa linha.

Não é à toa que Lucas – que se preocupa em situar a Ascensão como meta da vida de Cristo (cf. Lc 9,51; 24,50-51; At 1,9-11) – em seu relato da Transfiguração também introduz o tema do diálogo de Jesus com Moisés e Elias, que "aparecem em glória": eles falam do " êxodo que [Cristo] estava prestes a realizar [ pleroun ] em Jerusalém" ( Lc 9,31). Assim, delineia-se a exaltação gloriosa do Ressuscitado; a cruz que aguarda Cristo e sua morte conduzem à Ascensão, isto é, à entrada no horizonte da eternidade, do infinito e do divino. Uma entrada que havia sido indicada pelo fim de Moisés e Elias e que se realiza plenamente ( pleroun) .) por Jesus ressuscitado e exaltado em glória. Chegamos agora ao limiar do ato final do "drama" da Transfiguração. Agora será do céu que o último personagem aparecerá para selar o evento, revelando-se como o outro protagonista com Jesus.

O protagonista final, o Pai

O que decifra completamente o perfil do primeiro protagonista, Jesus, e resolve o enigma da cena da Transfiguração é uma presença-ausência, a do Pai, o protagonista final que sela todo o "drama" ao se apresentar com sua voz. Sua palavra é sinal de transcendência (seu rosto, de fato, não aparece), mas também de proximidade e comunicação. Sua finalidade é delinear o retrato perfeito de Cristo, desenvolvido através do recurso às Escrituras. É também evidente que essa intervenção torna a Transfiguração paralela ao batismo, onde a mesma voz divina apresentou solenemente Jesus ao mundo como o filho amado enviado pelo Pai ( Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,22). As declarações dos Sinóticos na Transfiguração refletem substancialmente dois esquemas.

O esquema de Mateus ( Mt 17,5) também incorpora a fórmula de Marcos ( Mc 9,7), expandindo-a: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo". Em primeiro lugar, há o perfil messiânico do Filho na esteira do Salmo 2,7; há a proclamação de sua singularidade e predileção divina com referência também a Isaque, o filho amado e sacrificado ( Gn 22,2); há a satisfação que é adesão, aprovação, exaltação com referência ao Servo sofredor do Senhor "em quem Deus se compraz" ( Is 42,1). Já a outra fórmula, a de Lucas ( Lc 9,35), concentra-se mais nesta última característica: "Este é o meu Filho, o Escolhido", uma expressão que segue precisamente Is 42,1: "Eis... o meu Escolhido, em quem me comprazo"(6). Portanto, em todos os Sinóticos, ainda que com acentos diferentes, o Pai revela que o Filho será glorificado, mas pelo caminho do sofrimento.

Jesus é entronizado em sua pessoa divina, mas também em sua missão salvadora.
O Pai, portanto, completa o retrato do Rosto de Cristo, que é certamente Senhor, rabino, mestre, ápice da lei e da profecia, mas que é sobretudo Filho e Salvador. Toda a cena e a adesão dos três espectadores que encarnam os discípulos de toda a história cristã devem convergir para Ele. O imperativo final: «Escutai-o!» não é apenas o apelo a recorrer a Cristo como profeta definitivo, segundo a releitura messiânica do Deuteronômio ( Dt 10,14) .(João 18,15.19): "O Senhor, teu Deus, suscitará para ti, dentre ti, dentre teus irmãos, um profeta semelhante a mim; a ele ouvirás... Se alguém não ouvir as palavras que ele disser em meu nome, eu o considerarei responsável." O imperativo do Pai é também um convite à plena obediência ao Filho estabelecido como Senhor da história. Assim, como escreveu o exegeta H. Baltensweiler em um ensaio dedicado precisamente à Transfiguração, "o verdadeiro discipulado de Jesus Cristo não consiste em alguma atividade insensata e iniciativa vazia, como vemos nos discípulos quando querem construir cabanas, mas apenas em ouvir adequadamente o Kyrios, o Jesus transfigurado." (7)

No centro da cena, portanto, está o Filho entronizado pelo Pai. Aquele Filho que não perde sua humanidade deixando-a evaporar na teofania. No final, como vimos, ele toca as mãos ( Mt 17,7) dos três apóstolos espectadores, aproximando-se deles, apagando seu sagrado medo e descendo com eles as encostas da montanha para retornar a percorrer os vales e planícies da história onde o mal e o demoníaco se aninham ( Mt 17,14-21; Mc 9,14-29; Lc 9,37-42) e rumar para Jerusalém, a cidade do sofrimento e da morte, mas também do "êxodo" ( Mt 17,22-23; Mc 9,30-32; Lc 9,44-45). O Venerável Beda comentou corretamente: «Transfiguratus Salvator non substantiam verae carnis amisit»(8), o Cristo glorioso não apaga a verdade da Encarnação. E deixamos com ele o cume da "alta montanha", recordando as sete presenças que povoavam aquele espaço místico e geográfico, isto é, transcendente e histórico. Aqui, primeiro, está Jesus, Senhor, rabino, mestre, legislador, profeta, Filho unigênito e Servo sofredor. Depois, vem a Primeira Aliança com Moisés e Elias, e os discípulos do Novo Testamento, Pedro, Tiago e João. E aqui, no final, está o Pai que coloca o primeiro protagonista, Jesus, de volta ao centro da cena.

NOTAS
4 J. Gnilka, Marcos , Assis 1987, p. 478.
5 J. Radermakers, Leitura Pastoral do Evangelho de Mateus , Bolonha 1974, p. 248.
6 «Lucas, ao substituir agapetós , ​​amado, por eklelegménos , escolhido, segundo Is 42,1, assimila o texto mais a Is 42,1 (cf. 23,35)… Desta forma, Lucas quer exprimir com a devida ênfase a importância única deste Filho e da sua tarefa» (H. Schürmann, O Evangelho de Lucas , I, Brescia 1983, p. 876).
7 H. Baltensweiler, A Compreensão de Jesus. Relatórios Históricos e Sinópticos , Zurique 1959, p. 136.
PL 92,217.

Fonte: https://www.30giorni.it/

Reduções Jesuítico-Guarani, alternativa ao sistema de dominação e colonização reinante (Parte 2/2)

Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo (Foto: Luca Ruggieri)

As Reduções buscaram ser alternativa ao sistema de dominação e colonização por parte das Coroas espanhola e portuguesas dos territórios latino-americanos, "buscando uma possibilidade de espaço para as componentes indígenas da sociedade e especialmente no caso da população da etnia Guarani", cuja adesão ao projeto dos jesuítas possibilitou aos indígenas uma margem de liberdade - possível dentro daquelas circunstâncias históricas - e também de instrução, de formação, explica a Prof. Marina Massimi.

Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Quais foram os principais desafios históricos enfrentados pelas Missões?

Inicialmente as Reduções foram construídas no território que ocupa atuais importantes partes da terra brasileira, como Santa Catarina, o próprio Rio Grande do Sul, Paraná. Mas devido às investidas das Bandeiras, esses empreendimentos tiveram que recuar através, inclusive, de migrações para a região do atual Paraguai, onde um governador na época da região, que era domínio espanhol na época, o Hernando Arias, aceitou a proposta do Diego de Torres Bollo e do Alfaro acerca de da constituição específica dessa região sob, digamos, a direta responsabilidade da Coroa espanhola. Então, o primeiro desafio que as Missões tiveram no território brasileiro foi justamente a recusa e o ataque das Bandeiras que buscavam nas populações indígenas mão de obra escrava. Isso, eu diria, foi o desafio do passado. Depois, como disse, quando na região brasileira se constituíram aquilo que serão os Sete Povos, às margens do Rio Uruguai - foram as últimas Reduções em termos cronológicos que foram construídas e que cresceram muito, se tornaram muito importantes, muito significativas -, essas regiões foram justamente o teatro das da guerra guaranítica, porque é justamente essa parte, dos 30 Povos que deveria ser trocada, em troca da Colônia do Sacramento. E foram essas comunidades indígenas de São Miguel, de São Luís, de São Lourenço, de São Luiz Gonzaga, de São João Batista, Santo Ângelo, que se recusaram a aceitar essa proposta que de fato era uma proposta totalmente ruim, para esses territórios. Então essa parte do Brasil, que corresponde hoje a uma área importante do Rio Grande do Sul, foi o teatro das Guerras Guaraníticas e do desfecho muito violento dessa história. A seguir também tiveram aí as guerras de fronteiras em que exércitos, de um lado ligados a Portugal e depois aquilo que vai ser o recém-constituído Estado do Brasil e por outro lado a Argentina, em busca também da constituição do Estado Nacional e também Paraguai e Uruguai, então esses territórios todos foram objeto de muita destruição na ocasião das guerras de fronteira que aconteceram no começo do século XIX. E aqui também as comunidades indígenas remanentes na região dos Sete Povos foram envolvidos, seja como mão de obra para o serviço militar e de qualquer forma também como mão de obra escrava. E tiveram de novo que fugir, e se espalhar em diversas direções, por exemplo, na direção do Uruguai, do Paraguai, etc. Então, foi também um outro desafio importante. Agora, o desafio, podemos dizer mais recente, foi aquele da preservação desse patrimônio dos Sete Povos também na parte do Brasil. Foram tombadas essas Reduções dos Sete Povos também pela UNESCO. Então, são um patrimônio monumental nacional, mas também mundial, mas os desafios são grandes. Por exemplo, as escavações arqueológicas no Brasil foram a partir do ano 2005 pararam. Teve um período rico nesse sentido em que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade Católica do Paraná se envolveram, sobretudo algumas lideranças na área da arqueologia, como o professor Arno Kern e os seus alunos, desenvolveram de fato trabalhos excelentes de escavação arqueológica, de resgate, portanto, de material riquíssimo do ponto de vista das fontes materiais, mas depois esse trabalho quase que parou. Antes disso, ainda ao longo do século XX, sobretudo na primeira parte do século XX, devemos registrar o fato que muito material pertencente às ruínas das reduções foi pilhado, foi utilizado pelas populações que ocuparam depois esse território, populações de imigrantes, imigrantes alemães, imigrantes italianos e outras regiões, usaram esse material muitas vezes para construção de casas. Também foram derrubados, foram derrubados parte de monumentos, para realizarem estradas, e isso também foi um fato muito grave, por exemplo, o Colégio de São Luís Gonzaga, que foi totalmente destruído, para/em nome da construção de uma avenida. Então, teve todo esse problema, da dispersão do patrimônio monumental e depois também teve esse desafio das escavações. Ao mesmo tempo, é claro que teve muito trabalho, está tendo muito trabalho realizado por outro lado, por arqueólogos, sobretudo ligados ao IPHAN, um esforço muito grande de manter esse patrimônio. Tem um esforço importante de toda a população da região de São Miguel das Missões, buscando de qualquer forma a valorização desse patrimônio, o conhecimento desse patrimônio, a disponibilização dele, também do ponto de vista turístico, o que também é importante porque significa a valorização, mas também a possibilidade de um retorno também econômico que pode ajudar justamente na conservação e na preservação do patrimônio. Então, os desafios são grandes, desde o começo, desde a história passada até o presente, esse patrimônio constitui ainda hoje um desafio para o país, mas um desafio também que pode ser muito promissor, como de fato está sendo percebido, sobretudo pelas populações da região do Rio Grande do Sul envolvida, sobretudo na região dos atuais Sete Povos.

Ruinas de San Ignacio Miní | Crédito: Vatican News.

O que se poderia dizer a respeito da população guarani remanescente?

Um aspecto desse trabalho, desse desafio muito grande, muito sério é o papel, o espaço dado às comunidades indígenas. Infelizmente, a gente visitando esses monumentos, essas ruínas, a gente percebe o estado de pobreza, de empobrecimento dessas populações de remanescentes guaranis, sobretudo ao ramo dos guaranis que é a etnia dos guaranis Mbyá, que ocuparam e ocupam essa região dos Sete Povos e que moram nos arredores das ruínas, que para eles tem um significado inclusive simbólico muito grande, mas que vivem numa condição de grande pobreza e até de desnutrição. São artesões muito interessantes, muito originais, a gente vê que muitos deles vendem suas obras nos arredores, por exemplo, do Museu das Missões, em São Miguel das Missões. Mas se trata de um artesanato belíssimo e muito pouco, muito pouco valorizado no país. Acho que esse é um grande desafio, porque a preservação e a valorização da presença desses atores passam pela valorização e pela preservação de sua língua nativa, de seu idioma nativo, também de sua cultura, de sua maneira de viver, dos seus modos de viver, de suas tradições e também por condições dignas de vida, e portanto, também até de alimentação. Então, nesse sentido, o desafio é grande porque percebe-se uma grande pobreza. E, portanto, há um chamado muito sério ao país, até ao governo, seja estadual, mas também ao governo federal, para que de fato tenha uma atenção real a essas populações, uma atenção que passe para além dos chavões, das declarações, mas que sejam ações efetivas, para garantir a eles a dignidade e o espaço que lhe compete, que lhe é devido, diria.

O que torna as Missões um objeto tão relevante para o Brasil de hoje e a pesquisa nesse sentido?

E como disse na primeira resposta, tratou-se de uma experiência que buscou ser alternativa ao sistema de dominação e de colonização seja por parte da Império espanhol seja do Reino português dos territórios latino-americanos, buscando uma possibilidade de espaço para as componentes indígenas da sociedade e especialmente no caso da população, da etnia Guarani. Evidentemente a adesão dessas populações, a proposta feita pelos jesuítas, de viver a experiência de serem, digamos, “reduzidos”, no sentido de pertencerem a essas comunidades por eles planejadas, possibilitou para essas populações uma margem de liberdade - uma liberdade possível dentro daquelas circunstâncias históricas - e também de instrução, de formação. Como disse, todos os guaranis, todos os moradores das Reduções sabiam ler e escrever, o que era algo muito raro no mundo da época. Mas, o que aconteceu então, foi uma grande riqueza, que desabrochou dessa experiência, porque ao longo de cerca 150 anos ocorreu uma possibilidade de, podemos dizer, de unidade política, econômica, social e religiosa, que abarcava um território muito grande, como disse, uma parte da Argentina, parte do sul do Brasil e também Paraguai, do atual Paraguai, ocupados todas essas terras pelas populações guaranis, que seria, digamos, uma esperança, uma possibilidade grande de uma América Latina diferente, em que o protagonismo das comunidades nativas fosse de fato real dentro, repito, das circunstâncias históricas possíveis. É claro que nós temos que estar atentos a isso para não cairmos em anacronismos historiográficos. E, nesse sentido, seria assim uma outra cara da história latino-americana. E assim, portanto, é claro que isso é importante ser compreendido, ser estudado hoje, também para levarmos em conta as opções, as possibilidades que a própria história militar, política, etc, foi negando nesses territórios. Devemos nos dar conta que a criação dos Estados nacionais, de alguma forma, também teve como contrapartida a, podemos dizer quase a destruição de qualquer forma, a aniquilação, a submissão da população Guarani que ocorreu logo depois do desfecho violento da experiência reducional. E eu acho que se dar conta disso significa também uma ação de reparação da injustiça que foi realizada com essas populações e uma consciência, portanto, dos fatos históricos, da história também do século XIX, do século XX, mais ligada a essas circunstâncias. Muitas vezes fica mais fácil, ficou mais fácil para historiografia brasileira, por exemplo, negar, no sentido de se calar acerca dessa experiência histórica, ou pior ainda, responsabilizar as comunidades missionárias que deram origem a ela, mais do que fazer uma análise histórico-crítica do ocorrido. O fato é que antes da destruição da experiência das Reduções, o Brasil ocupava exatamente a metade do território atual que foi ganha, sim, lograda através do Tratado de Madrid e depois das guerras de fronteira. O fato é, que de qualquer forma ameaça constante às Reduções, eram os bandeirantes paulistas, bandeirantes que hoje dão um nome, cujos nomes estão muito presentes na consciência, na memória histórica brasileira, porque, por exemplo, temos rodovias, temos colégios, temos televisões, que tem o nome deles. Exemplo, Raposo Tavares, foi um dos mais violentos, digamos, capitães de Bandeira que levou muita destruição a essas experiências reducionais. Então, é fazer jus, reparar de alguma forma a tudo isso, e portanto, através da história, uma operação também de justiça, de memória e de reparação, assim como o Paul Ricoeur ensina nas suas obras. Por isso aí, muito importante é a pesquisa historiográfica, o conhecimento dos fatos, e que essa pesquisa seja de fato difundida também na sociedade, nas escolas, não apenas nos âmbitos acadêmicos. Então, nesse sentido, é uma história muito significativa do que do que é Latinoamérica, do que poderia ter sido também se a experiência não tivesse sido derrubada, destruída.

Imagem remanescente do período das Reduções | Crédito: Vatican News.

O impacto do reconhecimento pela Unesco desse rico patrimônio como patrimônio mundial...

Sem dúvida, foi muito importante, seja para o Brasil, seja para as outras regiões envolvidas e Paraguai e Argentina, E sem dúvida, o impacto foi importante como justamente documentado no histórico, que colocamos em um livrinho acerca das ações que foram realizadas para a preservação desse patrimônio, inclusive as escavações arqueológicas e além disso, a visibilidade em nível mundial, do patrimônio. Então, sem dúvida, foi importante essa data.

*Prof. Marina Massimi tem graduação em Psicóloga pela Università degli Studi di Padova (1979), mestrado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (1985) e doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (1989). É Professora titular aposentada da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professora Senior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e lidera Grupo de Pesquisa "Tempo, Memória e Pertencimento" junto ao IEA. Tem experiência de pesquisa na área de Psicologia, com ênfase em História da Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: história da psicologia científica e história dos saberes psicológicos na cultura brasileira, saberes psicológicos dos jesuítas. Foi presidente e vice-presidente da Sociedade Brasileira de História da Psicologia de 2013 a 2017. Membro da Academia Ambrosiana (Milão). Coeditora da Revista Memorandum: Memória e História em Psicologia.

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

São Bruno Abade

São Bruno Abade (A12)
06 de outubro
São Bruno Abade

Bruno, nasceu em 1035, em Colônia, na Alemanha. Era de família conhecida pela piedade e devoção cristã. Ele é o fundador da Ordem dos Cartuxos.

Completou seus estudos em Reims e aperfeiçoou-se nas ciências sagradas que naquela época consistiam no estudo da Sagrada Escritura e dos Padres.

Em 1056, foi nomeado cônego da catedral de Reims e depois eleito reitor, onde dedicou-se ao ensino por mais de vinte anos, distinguindo-se pela sua cultura, a sua qualidade pedagógica.

Em 1069, o arcebispo Manasés, que havia tomado posse a base de intrigas, levando o Papa Gregório VII a ordenar o Concílio de Lyon, para resolver a questão e dessa forma, destituiu definitivamente o arcebispo Manasés.

Ao voltar para a cidade, em 1080 Bruno recebe o convite para o assumir o arcebispado, mas recusa o cargo. Ele amadurece a ideia de servir a uma Ordem religiosa.

Depois de uma primeira tentativa em um mosteiro, mas não se sentindo à vontade, Bruno e seus discípulos partem para Grenoble, onde seu amigo São Hugo era bispo.

Durante a viagem, Bruno sentiu-se cansado e recostou-se com a cabeça apoiada num pilar. Três anjos lhe apareceram em sonho e anunciaram que Deus marcharia a seu lado e abençoaria a sua obra.

Na mesma noite, São Hugo, em sonho, foi transportado a um lugar ermo e agreste de sua diocese, onde viu erguer-se um templo e descerem do céu sobre ele sete estrelas.

Quando Bruno chegou com seus seis discípulos, São Hugo entendeu que se tratava do sonho e os levou para o lugar visto no sonho.

Bruno iniciou então, no deserto da Cartuxa (Chartreux), a sua Ordem pautada pela pobreza, abnegação e silêncio. Por conta do nome do local, a Ordem ficou conhecida como Cartuxa.

Em 1090 Bruno foi chamado para ser conselheiro do Papa urbano II, que havia sido seu aluno. Ele devendo obediência acolheu o pedido, mas não resistiu muito tempo em Roma e pediu para voltar para a vida no mosteiro, agora na Calábria.

Viveu assim recolhido até que adoeceu gravemente. Chamou então os irmãos e fez uma confissão pública da sua vida e reiterou a profissão da sua fé, falecendo em 06 de outubro de 1101.

Colaboração: Nathália Lima

Reflexão:

A austeridade de vida é a marca registrada dos cartuxos. Infelizmente o número de pessoas que resolvem viver este estilo de vida é cada vez mais limitado. A absoluta entrega a vontade de Deus, o silêncio exterior e interior, a simplicidade de vida fazem destes homens verdadeiros testemunhos para uma humanidade dedicada quase exclusivamente às vaidades desmedidas e ao bem-estar acima de tudo.

Oração:

São Bruno, que adotastes como regra de vida a oração, o trabalho, o estudo e a pobreza, que fundastes uma ordem monástica para uma ainda maior intimidade com Deus, inspirai-nos também a uma vida contemplativa esquecendo-nos bem mais das ocupações terrenas e nos ocupando mais com nossa união cada vez mais íntima com nosso Deus e Criador. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

Fonte: https://www.a12.com/

domingo, 5 de outubro de 2025

Vinte e cinco anos atrás, a canonização de irmã Faustina, apóstola da Divina Misericórdia

Santa Faustina Kowalska e a imagem de Jesus Misericordioso (Vatican News)

Em 30 de abril do ano 2000, II Domingo de Páscoa, no coração do Jubileu, quando João Paulo II proclamou santa a religiosa polonesa Faustina Kowalska. Quantas almas, disse o Papa Wojtyla, foram consoladas pela invocação “Jesus, eu confio em vós” que o próprio Cristo sugeriu à religiosa!

Alessandro Di Bussolo/Mariangela Jaguraba – Cidade do Vaticano

Uma canonização com “uma eloquência particular”, fortemente desejada por João Paulo II para transmitir ao mundo do novo milênio a mensagem de misericórdia do Senhor, “que não apenas perdoa os pecados, mas também atende a todas as necessidades dos homens”, inclinando-se “sobre toda miséria humana, material e espiritual”. Karol Wojtyla, em meio ao Grande Jubileu do ano 2000, explica aos fiéis a proclamação da santidade da bem-aventurada Faustina Kowalska, uma pequena religiosa polonesa a quem Jesus confiou, através de numerosas visões, entre 1926 e 1938, a sua mensagem de misericórdia.

Karol e Faustina, o primeiro encontro depois da morte da mística

Era 30 de abril do ano 2000, domingo seguinte à Solenidade de Páscoa. Poucos dias depois, o Papa cruzaria o limiar dos 80 anos, os últimos anos marcados pela doença. Ele recordou aqueles anos, entre a primeira e a segunda guerra mundial, durante a ocupação nazista da Polônia, em que, de 1940 a 1944, mesmo como seminarista clandestino, trabalhava na fábrica de soda da Solvay, não muito distante do convento das Irmãs da Bem-aventurada Virgem Maria da Misericórdia em Lagiewniki, um subúrbio de Cracóvia, onde a irmã Maria Faustina Kowalska morreu aos 33 anos em 5 de outubro de 1938.

“A humanidade sem paz, se não invocar a Divina Misericórdia”

Naquela homilia, o Papa recordou os “eventos daqueles anos e o sofrimento horrível de milhões de homens”. Lembrou também que amigos e familiares se chamavam “Lolek” e que de 1929 a 1941 perdeu primeiro a mãe, depois o irmão médico (com escarlatina, infectado por um paciente) e, por fim, o pai. Naquele momento, “a mensagem de misericórdia era necessária”. De fato, sublinhou João Paulo II, Jesus disse à irmã Faustina: “A humanidade não encontrará paz até que se volte com confiança à Misericórdia Divina.”

Convento de Łagiewniki, em Cracóvia, hoje santuário, onde morreu e descansa o corpo de Santa Faustina Kowalska (Vatican News)

Um jovem com sapatos de madeira rezando em Łagiewniki

Aquele rapaz de 20 anos com sapatos de madeira que parava para rezar no túmulo da irmã Faustina, teria lembrado em 17 de agosto de 2002, a última peregrinação à sua Cracóvia. “Como seria possível imaginar”, teria dito no final da celebração, “que aquele homem com calçados de madeira um dia consagraria a Basílica da Divina Misericórdia de Łagiewniki, em Cracóvia?”

Uma mensagem entregue ao mundo graças à irmã Faustina

Por isso, já como bispo auxiliar de Cracóvia, desde 1958, e depois como sucessor de Pedro, desde 1978, ele sempre seguiu a causa da apóstola da Divina Misericórdia, até ser proclamada beata em 18 de abril de 1993, II Domingo de Páscoa. O que foi transmitido por uma pequena religiosa rejeitada por muitos conventos, antes de ser aceita pelas Irmãs da Bem-aventurada Virgem Maria da Misericórdia, em Varsóvia, e iniciar o noviciado em 30 de abril de 1926, “não é uma mensagem nova”, lembrou o Papa Wojtyla, mas “um presente de iluminação especial”, que o Senhor “quase quis devolver ao mundo através do carisma da irmã Faustina”, e que agora “iluminará o caminho dos homens do Terceiro Milênio”.

Domingo da Divina Misericórdia

Ele proclama que de agora em diante em toda a Igreja “o II Domingo de Páscoa será chamado de 'Domingo da Divina Misericórdia', obedecendo, assim, a um pedido feito por Jesus à irmã Faustina, como recordou o Papa Francisco duas semanas atrás na Audiência Geral, para que “possa ser um abrigo e refúgio para todas as almas e especialmente para os pobres pecadores”. De fato, no Evangelho daquele domingo, Jesus ressuscitado dá aos discípulos o anúncio de sua misericórdia: “A quem perdoardes os pecados, eles serão perdoados”.

Altar dedicado a São João Paulo II no santuário da Divina Misericórdia em Santo Spirito in Sassia, foto Reflexa (Vatican News)

Do coração do Ressuscitado, a misericórdia ilumina o mundo

A imagem de Jesus Ressuscitado, com dois raios de luz que partem do coração e iluminam o mundo, é a que Cristo pediu à irmã Faustina para pintar e abençoar, com a inscrição “Jesus, eu confio em ti!”.

“Através do coração de Cristo crucificado, a Misericórdia Divina alcança os homens: “Minha filha, diga que sou o Amor e a Misericórdia em pessoa”, disse Jesus à irmã Faustina (Diário, 374).”

Esta misericórdia Cristo derrama sobre a humanidade através do envio do Espírito que, na Trindade, é a Pessoa-Amor. A misericórdia não é talvez um “segundo nome” do amor, entendido em seu aspecto mais profundo e tenro, em sua atitude de atender todas as necessidades, especialmente em sua imensa capacidade de perdão?

Uma saúde fraca, mas uma vida que se torna um canto

A sua breve vida, como a Irmã Faustina escreve em seu diário, “Secretária da Divina Misericórdia”, não foi nada fácil, mas Cristo havia anunciado a ela numa visão. Já fraca de constituição, o estilo de vida severo e os jejuns que se impuseram nos treze anos de vida religiosa minaram sua saúde. Ela ficou doente de tuberculose e teve que ser hospitalizada duas vezes num sanatório perto de Cracóvia. Ela sempre aceitou com obediência as humildes tarefas que lhe foram confiadas, de cozinheira, jardineira e porteira, mas “escondida em seu convento de Lagiewniki, em Cracóvia, lembra João Paulo II, fez de sua existência um canto de misericórdia: Misericordias Domini in aeternum cantabo”, diz o Salmo 88.

A canonização da irmã Faustina tem uma eloquência particular: com esse ato pretendo hoje transmitir esta mensagem ao novo milênio. Eu a transmito a todos os homens para que aprendam a conhecer melhor a verdadeira face de Deus e a verdadeira face dos irmãos.

A sua dor pelas dores do próximo, grande amor

O Pontífice que veio da Polônia, que Francisco canonizou em 27 de abril de 2014, junto com João XXIII, concelebrando com o papa emérito Bento XVI (que o beatificou em 1° de maio de 2011), indica no amor de Santa Faustina pelo próximo, a fonte de inspiração para a humanidade de hoje “a fim de enfrentar a crise de significado, os desafios das mais diversas necessidades, sobretudo a exigência de salvaguardar a dignidade de cada pessoa humana”, porque “cada pessoa é preciosa aos olhos de Deus, para cada um Cristo deu sua vida”.

A irmã Faustina Kowalska deixou escrito em seu diário: “Sinto uma dor tremenda quando observo os sofrimentos do próximo. Todas as dores do próximo se repercutem em meu coração; carrego suas angústias em meu coração, de modo que me aniquilam até fisicamente. Eu gostaria que todas as dores caíssem sobre mim, para dar alívio ao próximo” (Diário, pag. 365). Eis a que ponto de partilha leva o amor quando é medido no amor de Deus!

A imagem de Jesus Misericordioso e a estátua de Santa Faustina em Santo Spirito in Sassia, foto Reflexa (Vatican News)

O abandono que consola: Jesus, eu confio em vós!

“A mensagem da Divina Misericórdia”, explicou ainda João Paulo II, “é dirigida sobretudo a quem, aflito por uma provação particularmente difícil ou esmagado pelo peso dos pecados cometidos, perdeu toda a confiança na vida, sendo tentado a ceder ao desespero”.

A doce face de Cristo é apresentada a ele, sobre ele vem aqueles raios que partem de seu coração e iluminam, aquecem, indicam o caminho e infundem esperança. 

“Quantas almas foram consoladas pela invocação “Jesus, eu confio em vós”, que a Providência sugeriu através da irmã Faustina!”

Esse simples ato de abandono a Jesus atravessa as nuvens mais densas e faz um raio de luz passar na vida de todos.

Viver a experiência da Divina Misericórdia e testemunhá-la

Unamos a nossa voz de Igreja peregrina, é o convite final do Papa Wojtyla, à voz de Maria, “Mãe da misericórdia", à voz desse nova santa, “que canta a misericórdia na Jerusalém celeste junto com todos os amigos de Deus”.

“E você, Faustina, presente de Deus ao nosso tempo, presente da terra da Polônia para toda a Igreja, nos ajude a perceber a profundidade da Divina Misericórdia, nos ajude a experimentá-la e testemunhá-la aos irmãos.”

Que a sua mensagem de luz e esperança se espalhe por todo o mundo, incentive os pecadores a se converter, amenize as rivalidades e ódios, abra os homens e nações à prática da fraternidade. Hoje, fixando nosso olhar contigo na face de Cristo ressuscitado, fazemos nossa a sua oração de abandono confiante e dizemos com firme esperança: Jesus, eu confio em vós!

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Foto:Crédito: Vatican News
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Jesus a chamou de "Secretária da Divina Misericórdia"

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Pe. Manuel Pérez Candela

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Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF